São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Dois passos para começar


O problema do Congresso está no excesso de MPs que Lula emite sem respeitar as exigências da Constituição


AINDA QUE não contem com o apoio da "base aliada" de Lula, os presidentes do Senado e da Câmara começam a percorrer um caminho há bastante tempo abandonado por seus antecessores: é o que vai dos bons propósitos anunciados aos atos para efetivá-los.
Petista embora, o deputado Arlindo Chinaglia nunca se incluiu naqueles que renegam o passado para transformar-se de parlamentares em servos, como os espetáculos das CPIs e as votações têm exibido. É novidade, mas não surpreende, que Arlindo Chinaglia integre a "base aliada", mas se volte, sobretudo, para a função institucional da Câmara, esquecida há mais de três legislaturas.
Alternativa insatisfatória, mas incontornável, para o governo na substituição de Renan Calheiros na presidência do Senado, Garibaldi Alves ilude com seu jeito simples e doméstico, uma calma protegida por sorriso permanente que as formas da boca facilitam. Não foi por acaso, porém, que muitas vezes provocou o espanto de outros peemedebistas e de adversários, com a tranqüila preferência por suas convicções à linha partidária ou à conveniência do governo, inclusive em CPIs. É, hoje, motivo de preocupação constante no Planalto.
Os dois presidentes estão se articulando para o apoio mútuo, nas respectivas Casas, a uma série de medidas que comecem a restaurar o Legislativo, retirando-o do papel subalterno de mero joguete do Executivo e da imagem deplorável que adquiriu.
O passo inicial de Garibaldi Alves é pela adoção de impedimento legal à candidatura de quem esteja sob processo criminal. O Congresso tem servido de refúgio para muitos que querem a imunidade parlamentar, tantos deles financiando caras campanhas alheias para obter, no mínimo, uma suplência. A proposta é polêmica, porque se opõe ao argumento tradicional dos riscos de processos artificiosos, que não se confirmariam por condenações, servirem à inviabilização de candidaturas. Mas a redução do Congresso a valhacouto deixou de ser risco, é uma realidade tão conhecida quanto suas conseqüências degradantes da vida parlamentar. É o caso de debater e decidir, se o que mais fere direitos e a democracia é o possível dano -em princípio, sustável ou reparável pela Justiça- a pretendentes a candidato ou o dano já comprovado à Câmara e ao Senado.
Arlindo Chinaglia iniciou uma ofensiva contra o "trancamento da pauta", ou impedimento de votações, até serem votadas medidas provisórias que não o foram em 45 dias. Uma comissão vai estudar o modo de extinguir o trancamento sem retirar o prazo de 120 dias que anula a MP não aprovada, até ali, no Senado e na Câmara.
A ofensiva é oportuna e afirma independência de um poder que devera tê-la sempre. Mas o trancamento não é, em si mesmo, negativo. Não deixa de ser uma recusa, embora não explicitada por motivos políticos ou mesmo por outros, às MPs que o provocam. O problema está mesmo é no excesso de MPs que Lula, como fez Fernando Henrique, emite sem respeitar as exigências da Constituição. E a maneira de evitar esse abuso da Presidência, e a sujeição parlamentar a transgressões à Constituição, já foi até aprovada pelo Senado. É só tirá-la da gaveta onde está escondida. Consiste de uma emenda constitucional, proposta pelo então senador Antonio Carlos Magalhães, com uma alteração simples e decisiva na regra da medida provisória: sua vigência deixa de ser imediata, e só poderá dar-se depois de examinada sua compatibilidade constitucional, na Comissão de Constituição e Justiça. Ou seja, depois de verificado se está justificada por "caso de relevância e urgência". O que raramente acontece.
Logo, o simples crivo do respeito à Constituição pode reduzir as MPs. E com isso impedir que tranquem a função do Poder Legislativo e o reduzam a despachante protocolar de decisões da Presidência -como é próprio do Legislativo nas ditaduras.


Texto Anterior: Para 19%, saúde é a área em que o prefeito vai pior
Próximo Texto: Sem-terra: Invasão em SP termina com um ferido a bala
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.