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Para analistas, cartão não pode pautar país
Estudiosos defendem investigação, mas dizem que cobertura exagerada cria cortina de fumaça para outras questões importantes
Para filósofo, discussão não deveria estar no gasto com "tapioca, colchão ou jantar", e sim nos saques, que não indicam o destino da verba
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A discussão sobre o uso dos
cartões corporativos é importante e deve ser apurada com
rigor pelos organismos competentes, mas o tema deve ser tratado com serenidade e não pode pautar o debate nacional.
A opinião é de Fábio Wanderley Reis, cientista político e
professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais,
de Fábio Konder Comparato,
professor titular aposentado da
Faculdade de Direito da USP, e
do filósofo Denis Lerrer Rosenfield, que vêem um certo exagero na cobertura da imprensa.
"É um problema autêntico
saber se existe uso impróprio
de verba pública. Mas deveria
existir um equilíbrio justamente para impedir que essa discussão resulte em conseqüências negativas sobre algo que, a
princípio, me parece perfeitamente razoável e positivo, como o uso de cartões, o que favorece a transparência", diz Reis.
Rosenfield acrescenta: "Tapioca? Jantar com a delegação
chinesa? Meu Deus, isso é patrulhamento moralista. No caso dos cartões, a discussão não
deveria estar na tapioca, no colchão ou no jantar, isso é absolutamente irrelevante, mas nos
saques que não são contabilizados em lugar nenhum."
O ministro Orlando Silva
(Esportes) usou o cartão para
comprar uma tapioca de R$ 8.
O ministro Altemir Gregolin
(Pesca) pagou um almoço para
uma comitiva chinesa. A Radiobrás gastou R$ 36 na compra de
lona numa loja de colchões.
"Filtramos um mosquito e
engolimos um camelo", afirma
Comparato, para quem o escândalo criou uma nuvem de
fumaça para outras questões
importantes para o país.
"A utilização de dinheiro público deve ser em benefício do
interesse público. Mas fazemos
um escândalo a respeito dos
abusos no uso do cartão e dispensamos a discussão de outros casos de apropriação de
bem público, caso das reservas
florestais e do rio São Francisco. Dois pesos, duas medidas."
Quem discorda de qualquer
exagero na discussão sobre os
abusos nos cartões é o filósofo
Roberto Romano, professor de
ética e filosofia política da Unicamp. Para ele, em se tratando
de dinheiro público, um centavo não é nada insignificante.
"A cobertura da imprensa está sendo correta. É uma tarefa
de niilismo moral dizer que se
trata de um assunto sem maior
importância. É preciso, sim, levantar todos esses gastos. Não
se pode culpar o cartão, que é
um meio transparente de controle dos gastos públicos. O
problema é a ética torta que
controla as ações das pessoas."
Reis, por outro lado, critica a
cobertura da imprensa. "A imprensa tende a ecoar, de uma
forma um tanto exacerbada, o
que quer e o que corresponde a
uma certa imagem negativa da
atividade política, em conexão
com a idéia de corrupção."
Entre os entrevistados, Comparato foi o único a desaprovar
o uso de cartão corporativo.
Para o professor, o emprego
do dinheiro público deve ser dificultado, nunca facilitado com
cartões distribuídos entre vários funcionários. O caminho,
afirma, está no retorno das verbas de representação -a autoridade recebe um valor fixo.
Um ponto convergente entre
os estudiosos é a necessidade
de ampliar a transparência do
uso do dinheiro público, o que
incluiu até mesmo os gastos do
presidente e seus familiares.
Eles criticaram o argumento
do governo de que o sigilo dos
gastos da Presidência é uma
questão de segurança nacional.
"Isso é um escárnio", afirma
Comparato. "Se a segurança da
sociedade e do Estado dependessem do sigilo desses gastos...
Então só pondo cinza na cabeça". Roberto Romano concorda. Para ele, se o presidente deve ser protegido, mais bem protegidos devem ser os "cidadãos
que pagam impostos". O filósofo entende que a origem dos
gastos abusivos com cartões está na própria formação cultural
do brasileiro. "É um costume
tradicional de apropriação do
público para fins privados. É o
modus operandi de quem começa a operar o poder."
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