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ENTREVISTA DA 2ª
ROBERT SAPOLSKY
Para neurocientista americano, antecipar demais situações sociais provoca a morte de neurônios
"Seja mais superficial", diz especialista em estresse
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Entre 28 milhões e 56 milhões
de pessoas nos EUA sofrem de
doenças relacionadas ao excesso
de estresse. São nomes familiares
e indesejáveis como depressão,
úlcera e perda de libido. Na maioria dos países industrializados, a
porcentagem de atingidos varia
pouco -é sempre entre 10% e
20% da população.
Mas o estresse tem cura? "Seja
mais superficial em sua vida", ensina Robert M. Sapolsky. O acadêmico norte-americano fala em
tom de blague e de maneira simples, mas explica: como não há
cura para o estresse, embora Sapolsky trabalhe com algumas
possibilidades de terapia genética
para atenuar os efeitos nocivos
deste no cérebro, o negócio é ser,
ou pensar, mais simples.
Como uma zebra.
Como uma zebra? "As zebras só
se estressam quando enxergam
um leão na savana. Então, usam
todas as forças e possibilidades de
seu organismo para fugir do predador. Passado o perigo, cessa o
estresse", explica. O problema dos
humanos é reproduzir a situação
mesmo na ausência do "leão". Essa é a base de um de seus livros
mais conhecidos, "Why Zebras
Don't Get Ulcers" (Por Que Zebras Não Têm Úlceras, de 1994),
que a editora Francis promete
lançar no Brasil neste ano.
Não se trata de auto-ajuda. Extremamente bem-humorado e
com uma escrita leve e irônica
-já foi chamado por um crítico
literário de o "Woody Allen da
neurociência"-, Sapolsky, 49, é
um dos raros ganhadores do Prêmio MacArthur, em que a renomada fundação dá US$ 500 mil a
uma pessoa, de qualquer área do
conhecimento apenas por ter julgado que o trabalho do premiado
justifica o investimento.
O trabalho, no caso, era uma
pesquisa que o levou a acompanhar por dez anos um grupo de
babuínos na África. Ele procurava
a relação entre o excesso de estresse e a morte de neurônios. O relato da história deu em "Memórias
de um Primata", leitura recomendada tanto aos estressados como
aos fãs de livros de memórias e de
relatos de viagens.
Mais de 20 anos depois, sua pesquisa ainda não é conclusiva, mas
aponta para direções interessantes (veja quadro nesta página).
Professor de neurociências da
Universidade Stanford, na Califórnia, Robert M. Sapolsky ("o
"M" é de Morris, nome que eu simplesmente detesto", diz), cabelos
e barba que ora lembram o personagem Rolo dos quadrinhos de
Maurício de Sousa, ora um babuíno, falou algumas vezes à Folha, a
última delas na semana passada.
Folha - Por que, afinal, as zebras
não têm úlceras?
Robert M. Sapolsky - Porque elas
só se estressam no momento
"certo", quero dizer, só quando
há um perigo real e iminente
-geralmente, um leão tentando
devorá-las. No segundo seguinte e
no segundo anterior à passagem
do leão, elas estão ou voltam ao
seu estado normal. Os babuínos
não são assim -nem nós, simplificando enormemente o trabalho
de minha vida inteira.
Folha - Por que não?
Sapolsky - No nosso caso, porque somos inteligentes o suficiente para pensar em situações estressantes, antecipá-las, antecipá-las de novo, muito antes de que
elas realmente aconteçam, se é
que vão realmente acontecer, antecipá-las neuroticamente quando elas nunca vão acontecer de
verdade, mas já aconteceram uma
vez, reviver e reviver as mais marcantes inúmeras vezes...
Folha - E como isso nos afeta?
Sapolsky - Além do que já se sabe, pode, penso eu, "matar" neurônios importantes do cérebro ao
longo do tempo, neurônios particularmente sensíveis à ação prolongada de hormônios produzidos pela glândula supra-renal, como a adrenalina. Pelo menos
acontece com babuínos.
Folha - E há "cura"? Ou pelo menos uma maneira de evitar, atenuar essa situação?
Sapolsky - No caso da morte dos
neurônios, penso que existem
maneiras de, via terapias genéticas e uma vez identificadas as células do cérebro que vão sofrer
com o excesso de estresse, protegê-las. No caso dos humanos, temos de ser mais superficiais.
Por "mais superficiais" eu quero dizer menos cerebrais. Conseguimos isso, paradoxalmente,
sendo mais cerebrais. Explico. Se
você conseguir raciocinar científica e constantemente, conseguirá
discernir se o que o está estressando é uma realidade, digamos, física ou apenas psicossocial. Se for
física, pode se estressar. Se for psicossocial, esqueça. É simples -e
impossível.
Folha - O sr. pode elaborar?
Sapolsky - Hoje em dia, é quase
universalmente aceito que o estresse tem um papel importante
em enrijecer nossas artérias, aumentar nossa pressão sangüínea,
mas na época em que comecei minha pesquisa havia apenas uma
percepção de que os dois acontecimentos tinham relação.
Havia os militantes radicais, que
afirmavam que o estresse CAUSA
essas doenças, ponto final. Hoje
concluímos que essa relação causa-efeito simples pode acontecer,
mas é mais rara. É mais provável
que aumente grandemente o impacto de outros fatores de risco e
piore os casos já estabelecidos.
Já os céticos achavam que: 1) O
estresse não tem NADA a ver com
isso; 2) OK, tem a ver, mas com
um papel secundário; 3) Sim, tem
a ver, mas só em indivíduos com
predisposição a ser estressados.
Para estes, por exemplo, pessoas
estressadas comem mais carboidrato. A mudança de pensamento
ocorreu pelo acúmulo de provas
científicas básicas mostrando como você parte do "estresse", esse
grande, confuso e indefinido conceito, para a biologia celular e molecular da doença.
Folha - Uma vez identificada a
biologia celular e molecular da
doença, qual a sua conclusão?
Sapolsky - O aspecto psicossocial é o principal detonador do estresse. Ele tem mais a ver com a
sociedade em que ocorre, com o
papel do indivíduo nessa sociedade. Por exemplo: um homem em
crise de meia idade não é mais estressado porque bebe mais álcool,
fuma mais, come mais gordura;
ele faz isso porque é estressado.
Folha - E por que estudar babuínos?
Sapolsky - Na verdade, eu queria
estudar os gorilas. Era o auge da
fama da (primatóloga) Dian Fossey. Todo o mundo queria estudar os gorilas. O fato é que ninguém mais deixava os gorilas em
paz, qualquer estudante recém-formado pegava sua mala e ia
atrás dos coitados.
Como a fila era grande, eu procurei uma espécie menos disputada. Foi assim que acabaria me
apaixonando pelos babuínos.
Folha - Uma das críticas a seu trabalho é que ele lança mão excessivamente de antropomorfismo, que
mais vezes do que seria desejável
para um cientista o sr. atribui qualidades humanas a animais...
Sapolsky - Uso dois níveis de antropomorfismo. Um é um recurso puramente literário -e até
meio bobo. É quando escrevo por
exemplo que os babuínos passavam por um período de instabilidade hierárquica tão caótico "que
os trens não chegavam mais no
horário, a correspondência não
era mais entregue". Quem levar
isso ao pé da letra tem algo muito
errado na cabeça.
A outra ressalva, mais séria, é
quando uso o antropomorfismo
em minha pesquisa, ao lançar
mão de termos como "amigos",
"cultura", "personalidade", para
narrar eventos ocorridos com os
babuínos. Entendo a crítica, mas
defendo que esses termos são absolutamente legítimos. Quando
escrevo a palavra "depressão" para definir o estado de um babuíno, por exemplo, defendo esse
uso. Mas concordo com a acusação quando uso a palavra "amor"
-embora na minha cabeça de
observador houvesse o conceito.
Folha - Já que estamos no reino
do antropomorfismo, o sr. sente
"saudade" dos seus babuínos?
Sapolsky - Eu sinto falta deles, e
da África em geral, o tempo todo.
Tenho filhos pequenos, e, desde
que eles nasceram, eu reduzi minhas visitas ao continente a uma
vez por ano, um mês por viagem.
A última vez que consegui fazer
isso foi em 2004.
Folha - Sobre o que será seu próximo trabalho?
Sapolsky - Estou pensando em
alguns livros, na verdade estou no
estágio seguinte a somente "pensar". Mas no momento estou
afundado em trabalho no laboratório.
Folha - O sr. ganhou o Prêmio MacArthur. O sr. se considera um gênio? Ou enganou a fundação este
tempo todo?
Sapolsky - (brincando) Foi tudo
um jogo de camaradagem, fui fazendo amizade com outros "gênios" e eles acabaram me indicando. Falando sério, é extremamente estressante corresponder às expectativas depois de ganhar um
prêmio assim. Por outro lado, você ganha carta branca para expressar suas opiniões mais imbecis sobre os mais diversos assuntos. E todo o mundo o leva a sério!
Folha - O sr. é estressado?
Sapolsky - Sou absurdamente
estressado. Trabalho demais, durmo pouco, tenho filhos pequenos... O que me impede de ser
mais é que eu adoro meu trabalho, sou desesperadamente apaixonado por minha família, exercito-me com freqüência...
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