São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997.



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PROJETO EDITORIAL 1997
2. Investimentos, novas tecnologias e pressões de mercado

Idêntico movimento -um mesmo paradoxo entre convergência e dispersão- acontece na base empresarial, tecnológica e de mercado das comunicações. Empresas locais se associam a investimentos estrangeiros, por sua vez aglutinados na forma de grandes blocos em seus países de origem. Todas as modalidades de comunicação foram convertidas a uma mesma linguagem tecnológica, o que permite a esses blocos integrar um amplo espectro de serviços, do jornalismo ao entretenimento, passando por televisão, telefonia, cinema, vídeo, editoração e Internet.
Tais grupos tendem a acumular poder e por isso sofrem restrições mesmo nos países onde a legislação econômica é considerada liberal. No entanto, sendo sua lógica a do mercado, voltada para o atendimento de demandas que remunerem, o risco parece ser menos o de manipulações conspiratórias contra o público do que o de uma atitude, crescente nos meios de comunicação em geral, que se limita a espelhar as expectativas de um consumidor estatisticamente médio.
As associações em nível empresarial colocam uma quantidade inédita de recursos a serviço das comunicações, ao mesmo tempo em que a integração tecnológica permite dar escala econômica a uma imensa gama de interesses específicos. A confluência entre esses dois fatores está propiciando uma explosão das possibilidades de acesso ao conhecimento. Fala-se em direito à não-informação, sintoma de um público que se ressente não já da falta, mas de um excesso inassimilável de dados, de uma verdadeira cacofonia da comunicação.
A proliferação da oferta acirra a disputa pelo tempo do consumidor. Como o leque de opções é amplo na televisão paga e praticamente inesgotável na Internet, a tendência é que as inclinações pessoais, especialidades e "hobbies" encontrem seus nichos, levando o usuário a dedicar parte crescente do tempo a eles. Além disso, o aperfeiçoamento tecnológico dos novos meios ainda está em curso, conforme eles convergem para um mesmo aparelho físico, capaz de enfeixar e redefinir o uso do televisor, do telefone, do livro, da revista e do jornal.
Aqui, é preciso estabelecer uma distinção entre o suporte físico do meio -o papel e a tinta- e seu conteúdo. A reiterada pergunta sobre se os jornais vão sobreviver possivelmente comporta as duas respostas -sim e não. Há uma grande massa de informações, para não mencionar o trabalho analítico em torno delas, que o consumidor não precisa receber em ritmo mais frequente do que o diário. Embora exista quem julgue insubstituíveis as vantagens do formato papel, é provável que ele venha a decair ao longo das próximas décadas, sem que os jornais desapareçam no que é a sua essência: um panorama dos principais acontecimentos da véspera tal como filtrado por uma personalidade editorial coletiva. Seria o caso de perguntar se a Internet vai substituir a rotativa, não o jornal.
Tudo indica que nos países desenvolvidos os jornais atingiram há algum tempo o ponto de saturação das tiragens, que se estabilizaram, quando não tendem a decrescer gradualmente. A situação é outra em países emergentes como o Brasil, onde um largo contingente da população, à medida que seus padrões de educação e consumo melhorem, poderá ser incorporado ao público leitor. Os índices de circulação alcançados pela imprensa brasileira sugerem que isso já está ocorrendo. Segundo estimativas da Associação Nacional de Jornais, a circulação de periódicos em todo o país cresceu 21% entre 1991 e 1996. Se tomarmos como ponto de partida a redemocratização em 1985, a circulação dos quatro jornais de influência nacional aumentou 67% (no caso da Folha, 116%); a das duas principais revistas, 135%.
Pode-se objetar que parte desse crescimento não decorreu do aumento de leitores, mas de consumidores atraídos por promoções ou descontos vinculados à compra do produto. A estratégia mercadológica que prevaleceu, no entanto, foi agregar produtos de valor cultural (atlas, enciclopédias, dicionários, vídeos etc.), congruentes com a natureza do produto jornalístico. Contam-se aos milhões as residências que receberam, muitas pela primeira vez, esse acervo mínimo. Não existe razão pela qual as empresas jornalísticas devam abandonar o recurso, ao menos enquanto ele continuar sendo compensatório para ambas as partes, permitindo ainda que uma faixa de não-leitores venha a se converter em leitores de jornal.


  • Caos da informação exige jornalismo mais seletivo, qualificado e didático
  • 1. Um panorama de mudanças na economia, na política e nas idéias
  • 3. Um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado
  • 4. Seleção de fatos e compreensão de seus nexos num texto mais livre
  • 5. Treinamento, reciclagem e combate sistemático a erros
  • 6. Crítica, pluralidade e apartidarismo num espaço em reformulação
  • Saiba o que diziam os textos anteriores



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