|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NEPOTISMO
Levantamento mostra que 186 parlamentares aderem à prática; gasto é de R$ 9,6 milhões por ano
Deputados empregam 315 parentes
LUCIO VAZ
da Sucursal de Brasília
Levantamento inédito feito pela
Folha na Câmara revela que 186
deputados (36% do total), entre
eles líderes partidários e membros da Mesa Diretora, contrataram um total de 315 parentes para
seus gabinetes. Esses familiares
custam R$ 9,6 milhões por ano
aos cofres públicos.
A contratação de mulheres, filhos, irmãos, pais, cunhados, sobrinhos e primos é justificada por
alguns deputados pela necessidade de reforçar o orçamento doméstico, "quebrar o galho" de parentes desempregados ou garantir "bolsas de estudos" dos filhos.
A contratação de parentes não é
ilegal. Está sendo discutida na Câmara dos Deputados, no âmbito
da reforma do Judiciário, a proibição da nomeação de cônjuges e
familiares para cargos de confiança nos três Poderes.
A Folha teve acesso à relação
dos funcionários dos gabinetes
registrada no Departamento de
Pessoal da Câmara, com a data de
contratação e o salário de cada
um. É o primeiro levantamento
feito a partir de dados oficiais, retirados dos computadores da Câmara dos Deputados.
A folha de pagamento dos gabinetes dos deputados no mês de
setembro foi de R$ 10 milhões.
Cada deputado tem uma verba de
R$ 20 mil para contratar servidores. Em geral, os parlamentares
que aderem ao nepotismo reservam os melhores salários dos gabinetes para seus parentes.
Enquanto a média salarial dos
7.427 servidores dos gabinetes é
de R$ 1.358 por mês, a dos parentes é de R$ 2.344. Apenas 7% dos
servidores comuns recebem o salário máximo (R$ 4.000). Entre os
315 parentes, esse percentual chega a 27%.
"Mateus, Mateus"
O deputado Themístocles Sampaio (PMDB-PI), que contratou
três filhos e um neto, tem uma explicação que sintetiza o sentimento de muitos parlamentares: "Eles
estavam desempregados. E está
escrito na Bíblia: Mateus, Mateus,
primeiro os teus".
O partido campeão de nepotismo é o PFL, cujos deputados empregam 95 parentes, distribuídos
em 51 gabinetes. Só o deputado
Raimundo Santos (PA) emprega
sete parentes. Eles consomem R$
12,9 mil da verba de gabinete.
A liderança nessa prática é disputada com Armando Abílio
(PMDB-PB), que também contratou sete parentes, incluindo a mulher e três filhas, a um custo mensal de R$ 12 mil.
Os parentes preferidos são as
mulheres dos deputados. As 47
empregadas nos gabinetes recebem em média R$ 3.187 mensais.
Os filhos aparecem em maior número (70), mas com uma média
salarial um pouco menor: R$
2.700. Os sogros recebem em média R$ 1.100. Há um único neto,
que recebe R$ 400.
Alguns deputados são tão gratos aos parentes que os mantêm
contratados mesmo depois de entregar o gabinete ao suplente. É o
chamado "gabinete de aluguel".
Salomão Cruz (PSDB-RR) licenciou-se e entregou o gabinete para
Elton Rohnelt (PFL-RR), mas deixou três parentes no gabinete.
"Cuida da casa"
As relações conjugais também
determinam algumas contratações. Rohnelt, vice-líder do governo, contratou a mulher, Tirzah.
Mas ela não trabalha no gabinete
nem no escritório do Estado.
O deputado explica: "Ela cuida
da casa, prepara meu almoço, faz
as compras. Esse dinheiro serve
para ela fazer as compras da casa.
Assim, ela não fica me pedindo
dinheiro".
O deputado Marcos Lima
(PMDB-MG) mantém no gabinete a ex-mulher, Andressa, que
também não trabalha. "Como estamos em processo de separação,
eu evitei retirá-la para evitar atritos", disse Lima.
Muitos deputados alegam que
seu salário é insuficiente. Eles recebem cerca de R$ 5.200 mensais
líquidos (R$ 8.000 brutos), o equivalente a 38 salários mínimos. Por
isso, contratam parentes para reforçar o caixa da família.
Iberê Ferreira (PPB-RN) contratou a mulher, Celina, e a sobrinha Andrea. "Andrea é minha secretária há muitos anos, mas a Celina eu contratei para fazer renda
familiar. O que eu ganho líquido
aqui na Câmara não dá para eu
me manter. Ela me ajuda com as
correspondências, mas o objetivo
mesmo é fazer renda", afirmou.
No Acre, o deputado Nilson
Mourão (PT) usa salários de secretário parlamentar para prestar
assistência social à própria família. Mourão contratou o cunhado
Nilson e a sobrinha Renata. O cunhado, que enfrentava problemas
com drogas, usou o dinheiro para
abrir um botequim e, assim, tentar reconstruir sua vida.
Renata teve que se casar às pressas e emprega o salário na construção de uma casa para ela e o
marido, em Rio Branco. Segundo
o deputado, Renata não trabalha.
Líderes
A cúpula da Câmara também
contrata parentes. O líder do
PMDB, Geddel Vieira Lima (BA),
empregou o irmão Lúcio com salário de R$ 4.000. O líder do PPB,
Odelmo Leão, empregou a mulher, Ana Paula, também com salário de R$ 4.000, e mais a cunhada Fabíola.
Já o líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), contratou Sebastião
Andrada, um primo de sua mãe.
Andrada certamente não tem
queixas: recebe R$ 2.000 para
exercer a função de motorista.
O nepotismo não tem ideologia.
A líder do PSB, Luiza Erundina
(SP), contratou o sobrinho Jonas
com salário de R$ 3.500. O líder
do PTB, Roberto Jefferson (RJ),
foi mais contido. Contratou a irmã Neusa com salário de R$ 800.
Os integrantes da Mesa também
aderiram à prática. O 2º vice-presidente, Severino Cavalcanti
(PPB-PE), corregedor da Casa,
contratou a filha Catharina com
salário de R$ 1.500. Reforçou a
renda familiar contratando o filho
José Maurício pela 2ª vice-presidência, com salário de R$ 4.500.
O secretário-geral da Câmara,
Ubiratan Aguiar (PSDB-CE),
contratou a mulher, Terezinha,
com salário de R$ 4.000.
O levantamento
Para chegar à relação dos parentes, a Folha fez o cruzamento dos
registros do Departamento de
Pessoal da Câmara dos Deputados do dia 16 de setembro com os
dados biográficos dos deputados
publicados pela Casa.
Os registros do Departamento
de Pessoal contêm os nomes
completos dos servidores de cada
gabinete. O "Repertório Biográfico" publicado pela Câmara traz
os nomes dos pais, dos filhos e
dos cônjuges.
No caso dos demais graus de
parentesco, a reportagem fez uma
lista inicial com base nos sobrenomes dos parlamentares. Depois, checou as informações com
os próprios deputados ou assessores nas duas últimas semanas.
Colaboraram Luiza Damé, Rafael Quirino e
Wilson Silveira, da Sucursal de Brasília, e
Ricardo Galhardo, enviado especial a Brasília
Texto Anterior: Celso Pinto: A recuperação da balança Próximo Texto: Reforma pode proibir contratações Índice
|