São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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NEPOTISMO
Levantamento mostra que 186 parlamentares aderem à prática; gasto é de R$ 9,6 milhões por ano
Deputados empregam 315 parentes


LUCIO VAZ
da Sucursal de Brasília

Levantamento inédito feito pela Folha na Câmara revela que 186 deputados (36% do total), entre eles líderes partidários e membros da Mesa Diretora, contrataram um total de 315 parentes para seus gabinetes. Esses familiares custam R$ 9,6 milhões por ano aos cofres públicos.
A contratação de mulheres, filhos, irmãos, pais, cunhados, sobrinhos e primos é justificada por alguns deputados pela necessidade de reforçar o orçamento doméstico, "quebrar o galho" de parentes desempregados ou garantir "bolsas de estudos" dos filhos.
A contratação de parentes não é ilegal. Está sendo discutida na Câmara dos Deputados, no âmbito da reforma do Judiciário, a proibição da nomeação de cônjuges e familiares para cargos de confiança nos três Poderes.
A Folha teve acesso à relação dos funcionários dos gabinetes registrada no Departamento de Pessoal da Câmara, com a data de contratação e o salário de cada um. É o primeiro levantamento feito a partir de dados oficiais, retirados dos computadores da Câmara dos Deputados.
A folha de pagamento dos gabinetes dos deputados no mês de setembro foi de R$ 10 milhões. Cada deputado tem uma verba de R$ 20 mil para contratar servidores. Em geral, os parlamentares que aderem ao nepotismo reservam os melhores salários dos gabinetes para seus parentes.
Enquanto a média salarial dos 7.427 servidores dos gabinetes é de R$ 1.358 por mês, a dos parentes é de R$ 2.344. Apenas 7% dos servidores comuns recebem o salário máximo (R$ 4.000). Entre os 315 parentes, esse percentual chega a 27%.

"Mateus, Mateus"
O deputado Themístocles Sampaio (PMDB-PI), que contratou três filhos e um neto, tem uma explicação que sintetiza o sentimento de muitos parlamentares: "Eles estavam desempregados. E está escrito na Bíblia: Mateus, Mateus, primeiro os teus".
O partido campeão de nepotismo é o PFL, cujos deputados empregam 95 parentes, distribuídos em 51 gabinetes. Só o deputado Raimundo Santos (PA) emprega sete parentes. Eles consomem R$ 12,9 mil da verba de gabinete.
A liderança nessa prática é disputada com Armando Abílio (PMDB-PB), que também contratou sete parentes, incluindo a mulher e três filhas, a um custo mensal de R$ 12 mil.
Os parentes preferidos são as mulheres dos deputados. As 47 empregadas nos gabinetes recebem em média R$ 3.187 mensais. Os filhos aparecem em maior número (70), mas com uma média salarial um pouco menor: R$ 2.700. Os sogros recebem em média R$ 1.100. Há um único neto, que recebe R$ 400.
Alguns deputados são tão gratos aos parentes que os mantêm contratados mesmo depois de entregar o gabinete ao suplente. É o chamado "gabinete de aluguel". Salomão Cruz (PSDB-RR) licenciou-se e entregou o gabinete para Elton Rohnelt (PFL-RR), mas deixou três parentes no gabinete.

"Cuida da casa"
As relações conjugais também determinam algumas contratações. Rohnelt, vice-líder do governo, contratou a mulher, Tirzah. Mas ela não trabalha no gabinete nem no escritório do Estado.
O deputado explica: "Ela cuida da casa, prepara meu almoço, faz as compras. Esse dinheiro serve para ela fazer as compras da casa. Assim, ela não fica me pedindo dinheiro".
O deputado Marcos Lima (PMDB-MG) mantém no gabinete a ex-mulher, Andressa, que também não trabalha. "Como estamos em processo de separação, eu evitei retirá-la para evitar atritos", disse Lima.
Muitos deputados alegam que seu salário é insuficiente. Eles recebem cerca de R$ 5.200 mensais líquidos (R$ 8.000 brutos), o equivalente a 38 salários mínimos. Por isso, contratam parentes para reforçar o caixa da família.
Iberê Ferreira (PPB-RN) contratou a mulher, Celina, e a sobrinha Andrea. "Andrea é minha secretária há muitos anos, mas a Celina eu contratei para fazer renda familiar. O que eu ganho líquido aqui na Câmara não dá para eu me manter. Ela me ajuda com as correspondências, mas o objetivo mesmo é fazer renda", afirmou.
No Acre, o deputado Nilson Mourão (PT) usa salários de secretário parlamentar para prestar assistência social à própria família. Mourão contratou o cunhado Nilson e a sobrinha Renata. O cunhado, que enfrentava problemas com drogas, usou o dinheiro para abrir um botequim e, assim, tentar reconstruir sua vida.
Renata teve que se casar às pressas e emprega o salário na construção de uma casa para ela e o marido, em Rio Branco. Segundo o deputado, Renata não trabalha.

Líderes
A cúpula da Câmara também contrata parentes. O líder do PMDB, Geddel Vieira Lima (BA), empregou o irmão Lúcio com salário de R$ 4.000. O líder do PPB, Odelmo Leão, empregou a mulher, Ana Paula, também com salário de R$ 4.000, e mais a cunhada Fabíola.
Já o líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), contratou Sebastião Andrada, um primo de sua mãe. Andrada certamente não tem queixas: recebe R$ 2.000 para exercer a função de motorista.
O nepotismo não tem ideologia. A líder do PSB, Luiza Erundina (SP), contratou o sobrinho Jonas com salário de R$ 3.500. O líder do PTB, Roberto Jefferson (RJ), foi mais contido. Contratou a irmã Neusa com salário de R$ 800.
Os integrantes da Mesa também aderiram à prática. O 2º vice-presidente, Severino Cavalcanti (PPB-PE), corregedor da Casa, contratou a filha Catharina com salário de R$ 1.500. Reforçou a renda familiar contratando o filho José Maurício pela 2ª vice-presidência, com salário de R$ 4.500.
O secretário-geral da Câmara, Ubiratan Aguiar (PSDB-CE), contratou a mulher, Terezinha, com salário de R$ 4.000.

O levantamento
Para chegar à relação dos parentes, a Folha fez o cruzamento dos registros do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados do dia 16 de setembro com os dados biográficos dos deputados publicados pela Casa.
Os registros do Departamento de Pessoal contêm os nomes completos dos servidores de cada gabinete. O "Repertório Biográfico" publicado pela Câmara traz os nomes dos pais, dos filhos e dos cônjuges.
No caso dos demais graus de parentesco, a reportagem fez uma lista inicial com base nos sobrenomes dos parlamentares. Depois, checou as informações com os próprios deputados ou assessores nas duas últimas semanas.


Colaboraram Luiza Damé, Rafael Quirino e Wilson Silveira, da Sucursal de Brasília, e Ricardo Galhardo, enviado especial a Brasília

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