São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

A degradação

A disputa entre Marta Suplicy e José Serra ainda permite, no atual estágio, apostas em um ou no outro candidato, havendo pela frente duas semanas de propaganda gratuita, além da muito bem paga, e os imprevistos possíveis. Mas uma perda, agigantada pela disputa paulistana, já está estabelecida: a desmoralização política da cúpula do governo e do PT vai custar caro a ambos, com os inevitáveis reflexos pessoais.
A impressão de competência, deixada pelo êxito na eleição presidencial, foi substituída pela certeza de incompetência compacta, deixada pelas mancadas primárias em Fortaleza, Rio, Salvador e várias cidades interioranas que o PT dominava absoluto, de que são exemplos eloquentes Campinas e a Ribeirão Preto do ex-prefeito Antonio Palocci. Os craques do comando palaciano e petista mostram-se peladeiros, com vitórias marcantes só onde o PT não podia perder em razão de condições pessoais e excepcionais do seu candidato (Marcelo Déda em Aracaju e Fernando Pimentel em Belo Horizonte, por exemplo).
A desmistificação política é, porém, o menos grave dos resultados produzidos pela cúpula do governo e do PT. Seu desenrolar acompanha-se de uma exibição de despudor como não se vira assim tão concentrado. Dois episódios ficam, para sempre, como sínteses da série de exibições.
Um, que ao se consumar já não era novidade, é o enlace das grandes expressões petistas com Paulo Maluf. Não importam as graves acusações ora feitas a Maluf. Uma parte qualquer do que se passou entre o PT e Maluf, entre os petistas e Maluf, entre Lula e Maluf é suficiente para definir a imoralidade do pacto de conveniência que agora fazem.
O segundo episódio é a ida de Lula a jantar na casa do deputado Roberto Jefferson, para consolidar com um toque familiar a aliança PT-PTB. Se Lula esqueceu, a memória coletiva guarda as cenas sórdidas nos dias finais da sua disputa com Collor. Lula esqueceu de tudo o que foi feito a ele e, não menos, aos seus esperançosos eleitores, esqueceu o que feito até a sua filha? Onde estava então o seu anfitrião de agora? Estava, é impossível que Lula esquecesse, ao lado de Collor, o Roberto Jefferson que logo viria a ser chefe da chamada "tropa de choque de Collor". A política admite concessões, mas não desobriga da dignidade.

Os modificados
"Dezessete dias depois de dizer que não o faria", como demarcaram na Folha Marta Salomon e André Soliani, Lula emitiu medida provisória liberando o cultivo de soja transgênica. Com isso, deu proteção aos responsáveis pelo plantio já feito no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, em milhares de hectares de grandes participantes do agronegócio. E, da mesma maneira, com a MP Lula inocentou inúmeros contrabandistas, que trouxeram e trazem ilegalmente, da Argentina, as sementes transgênicas.
Combativa adversária da soja transgênica, durante anos em que não estava no governo, a ministra Marina Silva deu aval à MP com um argumento original: a autorização para o plantio legalmente proibido foi dada porque Lula "estava premido pelas circunstâncias" do plantio ilegal. A ministra, nesse caso, deve pedir a liberação do plantio de maconha, feito em larga escala pelo Brasil afora, e das tentativas de plantio de coca na Amazônia.
A soja geneticamente modificada está liberada por pessoas eticamente modificadas.


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