São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

A melhor definição


Com impunidade, na horrível expressão dos representados traídos, a vida parlamentar "virou um escracho só"

QUEM FICOU INDIGNADO com os 91% de aumento que as Mesas e os líderes partidários da Câmara e do Senado concederam aos parlamentares, saiba que o vencimento divulgado pelos concedentes, de R$ 24,5 mil (mais os chamados penduricalhos que somam cerca de R$ 87 mil por mês) é, a rigor, de R$ 30,75 mil.
Deputados e senadores recebem 15 vencimentos por ano: os 12 convencionais, o 13º, um outro no início do ano legislativo e um a mais no fim do ano legislativo. Entre o fim de dezembro e o de fevereiro, portanto, recebem cinco vencimentos.
O cálculo do vencimento por mês de "atividade" é este: 15 vezes os novos R$ 24,6 mil (e não R$ 24,5 mil), resultando em R$ 369 mil ao ano, que, divididos por 12 meses, indicam o vencimento médio mensal de R$ 30,75 mil. Mais os penduricalhos, sempre, dos quais é sabido que muitos parlamentares embolsam boa parte. Seja com a apropriação de parte do gasto nominal com auxiliares, seja com recibos malandros para abocanhar os R$ 15 mil mensais de "verba indenizatória" (reembolsáveis, é o que isso significa, sem que a despesa precise ser, obrigatoriamente, por atividade própria de parlamentar: pode ser da família, da empresa do deputado, de amigos, de adulação a eleitores, qualquer um).
Parlamentares, parte da legislação e dos regimentos internos denominam de subsídios o que corresponderia, em outras atividades, ao salário. É curiosa a denominação. Criou-se ao tempo em que a atividade de representação do povo era feita só em nome do dever cívico. Para atenuar os gastos do representante com sua atividade, foi criado o subsídio, em geral variável. O prefixo "sub" indicava quantia modesta, muito inferior ao necessário para a sobrevivência do representante do povo e sua família. Com a crescente exigência de dedicação do representante, criou-se a remuneração, no Brasil chamada de "vencimento" para os serviços públicos civis em geral. E então a ordinarice, para evitar o repúdio do eleitorado a aumentos injustificados, passou a criar e multiplicar motivos e aumentos para subsídios. Surgiu esta inovação brasileira: o subsídio do parlamentar tornou-se o principal, várias vezes superior à remuneração, ou vencimento, por sua alegada atividade congressista.
O que está patrocinado pelo senador Renan Calheiros e pelo deputado Aldo Rebelo -dois nomes a ficarem na memória-, como presidentes do Senado e da Câmara, é o esforço de igualar, para os vencimentos, a ordinarice que tem beneficiado só os subsídios. É uma injustiça entre as partes e, afinal de contas, não há mais necessidade de subterfúgios.
Porque, com caixa dois, mensalão, sanguessugas, extorsão de dono de restaurante, impunidade e retorno dos severinos e valdemares, na horrível expressão dos representados traídos a vida parlamentar "virou um escracho só". Não há definição melhor.

Na cara
A educação ancestral dos ingleses, apogeu extinto da fineza a que os ocidentais chegaram, já tem seu equivalente tropical. É a educação dos maiores de 60 identificados com "a esquerda" e insultados por Lula. De nenhum saiu o comentário tão pertinente: "Perdemos o juízo, pode ser, mas não perdemos a vergonha. Já (...)" - e por aí em diante.


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