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ENTREVISTA DA 2ª/LUCAS VIEIRA BARROS
É bom que a gente saiba que no Brasil a terra treme, sim
Geólogo afirma que autoridades nunca deram ouvidos aos especialistas por causa da idéia de que não há terremoto no país
PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITACARAMBI
O BRASIL SEMPRE ignorou o risco de terremotos, até que na semana passada um deles matou uma menina de cinco anos em
Minas e expôs a falta de pesquisa, a precariedade das casas em áreas suscetíveis a abalos e a dificuldade da instalação de equipamentos para estudos.
Essa é a opinião de Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico da UnB (Universidade de Brasília). Durante a semana, ele fez análises em Itacarambi (662 km de BH), onde um tremor de 4,9 graus na escala Richter destruiu casas da comunidade de Caraíbas e deixou seis feridos, além da criança morta.
Para o geólogo, as autoridades nunca "deram ouvidos" aos alertas dos especialistas, pois existe "uma
mentalidade de que a terra não treme no país".
FOLHA - Para o observatório da
UnB, o tremor em Itacarambi deve
ser encarado como um marco?
LUCAS VIEIRA BARROS - Deve, porque foi o primeiro terremoto
brasileiro que gerou uma vítima. E isso é um fato que deve
ser encarado com seriedade
por todos nós que trabalhamos
com sismologia.
Outro fato importante é que
nós não esperávamos que essa
magnitude viesse a ser verificada aqui [Itacarambi]. O primeiro sismo ocorreu em maio [3,5
graus na escala Richter] e não
tínhamos conhecimento de nenhuma sismicidade aqui. A
magnitude de quase 5 graus nos
surpreendeu.
FOLHA - Há quem acredite que o
Brasil é imune a terremotos.
BARROS - É verdade, mas, para
nós [especialistas], o Brasil já
era um país sísmico. Há bastante tempo a UnB vem detectando tremor de terra no Brasil,
em vários lugares. Tremor de
terra pequeno, de 2 graus, 3
graus, é fácil de acontecer em
vários lugares. Tremor de terra
de magnitude 5, 6 e até 7 graus é
possível, porque em outros países que têm geologia semelhante à do Brasil já ocorreram tremores de terra grandes.
O grande problema de uma
região intraplacas, como o Brasil, é que os sismos são cíclicos.
O tempo de recorrência do sismo é muito grande. A gente não
conhece a história sísmica do
Brasil. Então pode ser que os
nossos estudos, que são muito
recentes, não tenham identificado ainda determinadas falhas geológicas ativas que existem em algum lugar, como é esse caso aqui.
Aqui existe uma fonte sismogênica capaz de produzir terremoto de magnitude 5,0. Nós
não sabíamos da sua existência.
A pergunta é: será que não existe em outro lugar que nós também desconhecemos? Ou será
que as fontes que nós identificamos não são capazes de produzir sismos maiores?
Até hoje no Brasil o maior
terremoto que se conhece foi
de 6,2, que aconteceu [em 1955]
em uma região completamente
desabitada [norte de MT]. Hoje, o adensamento populacional existente na área é grande.
Existe muita gente morando lá.
A repetição de um terremoto
de 6,2 naquela região já poderia, por certo, produzir danos.
FOLHA - O sr. diz que há um problema social em relação às moradias.
Essa primeira morte poderia ter sido
evitada caso a criança morasse numa construção convencional?
BARROS - Sim, com certeza. As
casas de melhor qualidade na
vila sofreram menos danos. Entretanto, nós não sabíamos que
aqui existia uma zona sísmica.
Fomos pegos de surpresa. No
Rio Grande do Norte e no Ceará, sismos de igual magnitude,
ou até maiores, já produziram
danos até superiores a esse. O
governo federal, na época, reconstruiu as casas.
A repetição do sismo em
João Câmara [no RN, em 1986]
já encontraria construções
mais preparadas, os danos materiais seriam bem menores.
Mas a gente observa que os prejuízos causados vêm aumentando com o tempo basicamente em função do adensamento
populacional.
No norte de Mato Grosso, em
1955, em um raio de 200 km
não havia cidade nenhuma.
Hoje, em um raio bem menor já
há cerca de 300 mil pessoas.
Significa dizer que a probabilidade de os terremotos produzirem prejuízo ou morte aumenta. As pessoas passam a viver
mais próximas dos sismos.
Esse terremoto deve servir
como um marco. A gente pede
calma às pessoas, diz que os
grandes sismos não vão acontecer e, infelizmente, somos pegos de surpresa.
FOLHA - Houve falha da UnB?
BARROS - Não, não pode ser interpretado como uma falha, até
porque o observatório vem envidando todos os esforços. A
gente poderia olhar com mais
atenção, monitorar de forma
mais eficiente o Brasil.
Estamos, por exemplo, com
um projeto de instalação de
uma rede sismográfica nacional, que vai operar em tempo
real com dados sendo enviados
via satélite para Brasília.
Provavelmente aqui deve ser
um local onde colocaremos
uma estação sismográfica. Entretanto, temos limitação de recursos.
Os recursos que temos para
implantar essa rede foram captados pelo próprio observatório sismológico, por meio de
convênios da prestação de serviço que fazemos para as empresas de energia nacionais.
Em 2005, a UnB fez um evento em Brasília com toda a comunidade sismológica nacional. Discutimos potenciais fontes sismogênicas no Brasil, com
participação da Defesa Civil do
Ceará, de Mato Grosso. Mas as
coisas sempre morrem.
FOLHA - As autoridades brasileiras
não deram ouvidos?
BARROS - Não deram mais ouvidos por causa dessa mentalidade de que a terra não treme
no Brasil. É bom que a gente
saiba que treme, sim.
Fizemos apresentação para a
comunidade de Itacarambi e eu
vi que as pessoas começam a
cobrar da universidade o fato
de não ter avisado que ia ter
tremor de terra, que o tremor
de terra podia acontecer e que
ele poderia ter sido evitado se
nós estivéssemos mais presentes, acompanhando isso.
Acho que a questão não é pôr
a culpa em ninguém. A questão
agora é aproveitar o instante, o
evento, para discutir a necessidade de haver um órgão centralizador, com recursos, com potencial de dados, que possa
analisar continuamente.
FOLHA - Se fosse nos Estados Unidos, por exemplo, haveria o alerta?
BARROS - Não, não teria alertado, porque terremotos são imprevisíveis em qualquer lugar
do mundo. A gente antevê algum fenômeno quando pode
analisar aquelas variáveis que
estão associadas à ocorrência
dele.
Você prevê o tempo observando a pressão [atmosférica],
umidade, temperatura, presença de massa etc. E observa satélites. Terremoto, não. A terra
não é transparente. As coisas
acontecem debaixo dos nossos
pés, a um, dois, cinco quilômetros de profundidade.
Então, as variáveis associadas a uma ocorrência sísmica
são as forças geológicas que estão presentes no interior da
terra. Precisaríamos medir essas forças, medir a razão de
crescimento dela e, mais ainda,
determinar o limite de ruptura
das rochas. E isso nós não podemos fazer. Infelizmente, não
podemos prever os terremotos.
Entretanto, as estações sismográficas denunciam a presença e permitem identificar as
fontes de terremoto. Dou o
exemplo de um terremoto na
Califórnia de 6,5 graus que matou duas pessoas e um terremoto de 6,5 em Bam, no Irã, que
matou 42 mil pessoas e arrasou
o lugar. Isso porque [nos EUA]
as pessoas estavam mais preparadas, se preveniram melhor.
De que forma? Identificando
essas falhas sísmicas, essas zonas sismogênicas.
FOLHA - Quanto custaria pelo menos uma estação?
BARROS - No máximo, US$ 20
mil. O observatório tem uma
rede sismográfica com 22 estações estocadas em Brasília. E
essas estações existem para
substituir os instrumentos de
uma rede sismográfica que tem
no Parque Nacional de Brasília.
Lá existe uma rede que foi instalada em 1968 e que caducou.
Ao longo dos anos o observatório trabalhou, investiu cerca
de R$ 1 milhão, comprou 22 estações [ele faz uma pausa e chora]. Não conseguimos instalar
porque o parque não nos dá autorização [outra pausa].
É difícil trabalhar. Eu entendo que a legislação ambiental
mudou no Brasil, mas para nós
é muito trabalhoso escrever
documento, fazer ligação, pedir
às pessoas. Os parques nacionais que existem pelo mundo
normalmente são ambientes
favoráveis e adequados à instalação de estação sismográfica.
A sismologia na UnB existe
porque em 1968 escolheu-se o
Parque Nacional de Brasília como ambiente favorável à colocação de estações. Então, instalou esse arranjo sismográfico
da América do Sul, que funcionou por muito tempo, mas os
instrumentos ficaram velhos.
O adensamento populacional em volta do parque cresceu
e o ruído ambiental também.
Mas até hoje não conseguimos
pôr as estações lá dentro.
FOLHA - A autorização foi negada?
BARROS - O parque nacional se
sentiu incapacitado para decidir, encaminhou para o Ibama,
e a gente não consegue resposta
nem que sim nem que não.
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