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ENTREVISTA DA 2ª
JOSÉ SARNEY
Governo Lula falha ao não se esforçar para fazer reforma política
Para ex-presidente, a Constituição elaborada durante seu governo leva o país a marchar para um "impasse", que seria evitado com a reforma da Carta
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ALIADO DO PRESIDENTE , o senador José
Sarney (PMDB-AP), 76, aponta como "falha" do governo Lula não ter se esforçado
para promover uma reforma política, o que
seria "um marco histórico muito importante", e diz
que o PT não tem "cultura de parceria". Presidente na
época da Constituinte de 88, ele afirma que a Carta foi
uma "frustração" e tornou o país "ingovernável".
FOLHA - Na avaliação do sr., qual é
o principal mal da política brasileira?
JOSÉ SARNEY - É o arcaísmo das
instituições políticas brasileiras. Remontam ao século 19, e a
democracia no Brasil não conseguiu aprofundar-se, gerando
um tipo de regime que não se
sabe exatamente o que ele é.
Ele é presidencialista e ao mesmo tempo parlamentarista.
FOLHA - Como se conserta isso?
SARNEY - Depois de termos saído do regime autoritário, nós
tivemos a grande oportunidade
de construir estruturas modernas para nosso sistema democrático, mas infelizmente a
Constituinte de 88 foi uma
frustração. Ela criou um sistema parlamentarista e ao mesmo tempo presidencialista, no
qual criou o instrumento das
medidas provisórias, que faz
com que o Parlamento não legisle, transfere ao Executivo a
função de legislar.
FOLHA - O sr. era o presidente na
época, por que o sr. não evitou que
isso acontecesse? Faltou o quê?
SARNEY - Eu não tive condições
nenhuma de influir na Constituinte, fiquei como contestador
da Constituinte dizendo que
ela ia tornar o país ingovernável. E na realidade isso ocorreu.
FOLHA - Entre a época em que o sr.
foi presidente e hoje, no governo Lula, o que mudou na forma de governar? Ficou mais fácil ou mais difícil?
SARNEY - Ninguém governa o
tempo que governa. O meu
tempo era diferente, de transição. Com a trágica morte do
Tancredo [Neves], assumi a
Presidência, mas o poder ficou
com o dr. Ulysses [Guimarães],
que era o presidente do PMDB,
que era quem tinha a força política naquele tempo. Tive de
cumprir toda a agenda da ação
democrática, que era a convocação da Constituinte, eleições,
acabar com todas as leis autoritárias e ao mesmo tempo me
legitimar, o que tentei fazer e
fiz com o Plano Cruzado.
FOLHA - Tanto o sr. como o pre-
sidente Lula praticaram a política
de distribuição de cargos aos aliados. Não há como governar o Brasil
sem ela?
SARNEY - Eu não distribuí cargos. Eu governei com os quadros que me foram dados pelos
partidos que me apoiaram,
PMDB e PFL [hoje DEM]. O
presidente Lula está fazendo o
mesmo, o presidente Fernando
Henrique fez o mesmo.
FOLHA - Mas isso não é fisiologismo, troca de cargos por votos?
SARNEY - Isso é uma visão deformada. Você tem de governar
com o partido que lhe levou ao
poder, tem de governar com os
quadros dos partidos. Claro, escolhendo os melhores.
FOLHA - O PMDB, seu partido, é
responsável pelo Ministério de Minas e Energia, sob o comando de seu
amigo Edison Lobão. Só que não
consegue ter liberdade para nomear
o presidente da Eletrobrás. Por que
isso acontece, veto da ministra Dilma Rousseff?
SARNEY - Acho que isso é uma
injustiça com a ministra Dilma.
Ela é uma pessoa do setor elétrico e tem a responsabilidade
de coordenar o PAC. O que ela
quer é que seja eficiente.
FOLHA - O sr. não acha um desprestígio para o seu partido e até para o
sr. o veto que a Casa Civil fez a nomes como os de Evandro Coura e José Antonio Muniz para a presidência
da Eletrobrás?
SARNEY - Primeiro, eu não indiquei nenhum desses nomes.
Eu, com a minha longa vida política, conheço todo mundo e
sei da capacidade deles. Alguns
até trabalharam comigo, e evidentemente posso opinar, não
estou impedido de opinar, mas
não indiquei ninguém.
FOLHA - O PT tem a fama de ser um
partido que não gosta de ceder espaço aos aliados...
SARNEY - O PT, como um partido ideológico, não tem cultura
de coligação, não tem essa cultura de parceria. Sempre defendeu o contrário. De maneira
que isso deve criar alguma dificuldade de convivência, mas o
presidente tem administrado
isso muito bem.
FOLHA - Incomoda o sr. ter a fama
de, entra governo e sai governo,
manter influência no poder?
SARNEY - Eu tenho duas paixões, a literatura e a vida política, e estou na política para servir ao Brasil. Sinto-me na obrigação de continuar, não posso
desertar do campo político.
Agora, com a longa vida política
que tenho, não vou querer que
só me joguem flores.
FOLHA - Com o sr. define o presidente Lula?
SARNEY - Avalio que fiz acertadamente em apoiar o presidente Lula, ele representa um momento de tranqüilidade, deu ao
Brasil uma paz social que não
existia. E que foi possível que o
país retomasse o crescimento
econômico. Eu cada dia fico
mais surpreso como o Brasil
pode ter tido a sorte de, nesse
momento de convulsão em alguns países da América Latina,
encontrar no presidente Lula
um homem que tem mantido a
harmonia social.
FOLHA - O sr. faz sempre elogios ao
presidente Lula, mas deve ter uma
avaliação crítica de seu governo.
Que tipo de falha ele cometeu?
SARNEY - O governo não tem
feito o esforço necessário para
fazer a reforma política. Porque, se o presidente colocasse o
seu prestígio a serviço de fazer
uma reforma política de profundidade no país, seria sem
dúvida um marco histórico
muito importante.
FOLHA - Por que ele não faz?
SARNEY - Às vezes não se faz tudo que se quer, se faz o que se
pode na Presidência.
FOLHA - É pela ausência dessa reforma política que caminhamos para um impasse?
SARNEY - O meu sentimento é
que nós temos um encontro
marcado com um grande impasse político em termos de futuro se não mudarmos a Constituição, para que ela possa
criar uma democracia que se
aprofunde.
FOLHA - Que tipo de impasse?
SARNEY - Uma completa paralisia das funções dos poderes, o
Congresso não funciona, o
Executivo absorve funções do
Congresso, o Judiciário absorve funções do Congresso. A atividade política morre, criam-se
nichos de influência paralelas,
o que é uma deformação do sistema democrático.
FOLHA - Quando o sr. fala de nichos...
SARNEY - Sem controle, você
pega a ampliação de áreas de
influência da Polícia Federal,
do Ministério Público, do Tribunal de Contas, do Ibama, de
todos esses órgãos, porque não
há um funcionamento do sistema democrático naquilo que
represente um balanço entre
os Poderes. Ou se cria regras
para as atividades políticas, ou
vamos ter um impasse no futuro. Ainda não se descobriu no
mundo um regime melhor do
que o democrático, mas ele
precisa ser balanceado. Essa
medida provisória foi a criação
de um Poder Legislativo dentro
do Executivo.
FOLHA - A MP permite que o presidente tenha poderes exagerados?
SARNEY - A medida provisória
permite ao presidente interferir na vida privada, econômica,
processual, eleitoral, todos os
setores. Só um presidente.
Ninguém controla, não há
sistema de controle para ele
editar medida. Aí o risco de um
presidente autoritário, que seja
um presidente que se desvie
para outros objetivos. Se vier
um presidente desses no Brasil
vamos criar um encontro com
um impasse.
FOLHA - O sr. defende que o PMDB
tenha candidato à sucessão de Lula?
SARNEY - Acho que deveria ter,
mas o ideal seria manter uma
aliança com o PT na eleição.
FOLHA - Quem é hoje um bom candidato? A ministra Dilma?
SARNEY - Ainda é cedo para falar em nomes, mas a ministra
reúne todas as condições para
ser uma boa candidata, tem experiência administrativa, conhece os problemas nacionais.
FOLHA - O sr. considera o cartão
corporativo eficiente para efetuar
gastos públicos?
SARNEY - Olha, eu não opino
nem que sim nem que não, porque não conheço nem os motivos pelos quais eles foram adotados. Também não tenho motivos para dizer que não foram
adotados como uma melhor
técnica de administração pública. Vários países têm isso. Eu
considero que sempre é uma
sedução a que as pessoas possam extrapolar os limites que
ele dá ao funcionário público.
FOLHA - Houve isso agora?
SARNEY - Pelo que eu vejo nos
jornais, tivemos problemas
desse procedimento.
FOLHA - O sr. fez recentemente críticas ao governo venezuelano de
Hugo Chávez, mas Lula adota uma
política de bom relacionamento
com ele. O sr. concorda com essa política externa do presidente Lula?
SARNEY - Eu acho que o presidente Hugo Chávez, quando
quis transformar a Venezuela
numa potência política, fez um
grande mal à América Latina,
que é a tentativa de desencadear uma corrida armamentista, que ele está conseguindo,
porque todos os países estão se
mobilizando para comprar armas, o que é um retrocesso.
FOLHA - Até o Brasil?
SARNEY - Até o Brasil, porque
na hora que um país resolve ser
potência militar os outros não
podem deixar de se defender.
Mas o Lula jamais apoiaria uma
corrida armamentista. Ele não
pode, por outro lado, interferir
nas questões internas, tem de
manter uma convivência de
chefe de Estado.
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