São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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Operador não consegue esquecer acidente ocorrido em 84

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Quase dezessete anos depois, o operador de produção Luís César Nascimento, 40, ainda não conseguiu apagar de sua memória as cenas da madrugada do dia 16 de agosto de 1984.
Nessa data, 37 das 220 pessoas que estavam na plataforma Enchova-1 morreram quando a embarcação na qual tentavam fugir de um incêndio despencou no mar, de uma altura de 30 metros.
Durante duas horas e meia, Nascimento lutou para escapar com vida do maior acidente da história da Petrobras, ocorrido na bacia de Campos, a 82 km do litoral. "Eu vou morrer. Era a única coisa que conseguia pensar", contou Nascimento à Folha.
O operador de produção, que estava prestes a completar um ano na empresa quando houve o acidente, estava trabalhando quando notou um vazamento anormal de água perto de onde estava. Ao sair de seu posto para avisar um supervisor, ouviu uma explosão.
Nascimento conta que, seguindo as normas de segurança, correu para a sala de controle para receber orientação e de lá seguiu para um dos pontos de encontro predeterminados.

Baleeiras
"Houve outra explosão e eu via uma chama enorme, de 20 metros de altura, bem perto de onde estávamos. O pessoal da segurança disse que não havia como controlar o incêndio e nos mandou para as baleeiras", relembra o operador de produção.
Enchova-1 tinha cinco baleeiras, embarcações de fibra de vidro com capacidade para 50 pessoas cada uma e pesando cerca de 10 toneladas.
As baleeiras eram sustentadas por dois cabos de aço. Acionada uma engrenagem, os cabos desciam as embarcações até o mar.
"Ficamos esperando uma ordem para descer, mas, depois de algum tempo, nos mandaram sair e voltar ao ponto de encontro."
Nascimento conta que não entendeu o motivo da determinação, mas, ao sair, teve um choque: viu que a embarcação que estava ao lado da sua havia despencado no mar. A queda teria sido causada por superlotação -havia 57 pessoas embarcadas.
"Vi um pedaço da baleeira preso no cabo de aço. Muitas pessoas se descontrolaram, ficaram nervosas. Percebi que não tinha como fugir daquele lugar. Só pensava que ia morrer, não conseguia pensar em mais nada.
"De um lado, o incêndio ameaçava tomar conta da plataforma. Do outro lado havia o mar. Um amigo meu estava morto. Não havia saída para nós."

Escada
A saída veio com a ordem para que todos descessem por uma pequena escada de uma das pilastras de sustentação -a uma altura de cerca de 30m- e se jogassem ao mar no fim da escada.
"Pulei a cerca de 2 metros do mar. Nem sabia mais o que estava fazendo. Um barco me resgatou logo depois. Foram duas horas e meia de inferno", conta o operador de produção.
Nascimento voltou a Enchova 45 dias depois do acidente. "Pensei em largar o emprego, mas acabei voltando. Foi muito difícil pisar lá outra vez. Tive uma sensação muito esquisita."
O operador conta que os sobreviventes montaram uma espécie de grupo de ajuda informal. "Não houve psicólogos, não houve ajuda da empresa. Nós nos ajudávamos. Não deixávamos ninguém sozinho, estávamos sempre acompanhados", relembra.
Dois anos depois, Nascimento passou por novo susto. Uma peça de aço, pesando cerca de 20 toneladas, despencou da torre de perfuração, furando a plataforma até cair no mar.
"Quando ouvi aquele barulho, entrei em pânico. Quase desmaiei, fiquei totalmente descontrolado", conta o operador, que continua trabalhando em plataformas.

Tensão e comprimidos
A tensão da vida em uma plataforma e a irregularidade nos horários fazem com que muitos trabalhadores usem comprimidos para dormir, afirma Luís César Nascimento.
"Há muita tensão a partir da segunda semana embarcado. O tempo não passa e a impossibilidade de sair na hora que se quiser faz com que a pressão seja muito grande. Eu não tenho filhos, mas quem tem sofre muito", diz.
Os trabalhadores em plataformas marítimas trabalham em uma escala de 14 dias embarcados por 21 dias de folga. Até 1988, para cada 14 dias em plataforma eram concedidos 14 dias de folga.
Há um rodízio no horário de trabalho durante as duas semanas na plataforma. Na primeira semana, o funcionário trabalha das 7h às 19h; na segunda, das 19h às 7h.
O "dia da virada" -o oitavo dia de trabalho, quando o empregado troca de turno- é o pior.
"A gente tenta se adaptar. Se está no turno do dia, trabalha até as 19h, dorme até as 4h30, volta às 5h, trabalha até as 14h, dorme de novo e volta ao trabalho às 23h. Vários tomam comprimidos para dormir. No nono dia, já estamos adaptados ao horário", explica Nascimento.

Jogos e ginástica
O operador conta que, para tentar diminuir a tensão dos funcionários e distraí-los nas horas de folga, a Petrobras instala quadras de futebol de salão, equipamentos de ginástica e salas de jogos nas plataformas.
"Depois de uma semana ninguém aguenta mais esses lugares. Em algumas plataformas, o barulho é tão grande e a gente sai tão cansado do trabalho que só quer saber de dormir", diz.



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