São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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AGENDA NEGATIVA

Estudiosos afirmam que população brasileira não tem tradição de ação coletiva, apesar das frustrações

Intelectuais não vêem instabilidade no país

DO COLUNISTA DA FOLHA

O "abril vermelho" do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a quase guerra civil no Rio de Janeiro -corre o governo Lula o risco de ser desestabilizado pelas ruas, como ocorreu em um punhado de países latino-americanos nos últimos 10 anos?
Não. É a resposta, desta vez unânime, dos estudiosos de Brasil/América Latina consultados pela Folha. Scott Mainwaring (Universidade Notre Dame) até se anima a contestar a idéia de que a América Latina esteja vivendo uma instabilidade crônica, a partir da tese, bem defensável, de que as mudanças havidas nos anos recentes foram de governos, mas não de regimes. Ou, posto de outra forma, não se passou da democracia para a ditadura ou do capitalismo para o comunismo.
Mainwaring usa o exemplo do passado recente do próprio Brasil para defender seu ponto de vista: "O processo de impeachment de Fernando Collor de Mello (1992) foi um caso de instabilidade governamental, mas dentro da estabilidade do regime", declarou.
O pesquisador norte-americano fica assim tranqüilo para dizer que "não há virtualmente nenhum risco de que Lula possa também ser afetado por instabilidade governamental".

Sem instabilidade
Outros especialistas apontam pelo menos dois motivos para descartar os riscos de instabilidade governamental no Brasil:
1 - "O Brasil tem baixa tradição de ação coletiva nas ruas, ao contrário de, por exemplo, Argentina, Peru e Chile" (Thomas Skidmore).
"Apesar de o Brasil ter um grau elevado de frustração social e de decepção política, não acho que seja um país de fortes convulsões sociais, do tipo argentino ou andino" (Olivier Dabène).
"Os países andinos (nos quais a instabilidade tem sido mais freqüente) são extraordinariamente diferentes do Brasil. A população indígena está se mobilizando agora após anos de repressão e de marginalização. Esse tipo de ingrediente não existe no Brasil. A comparação lógica seria com os afro-brasileiros, mas os ingredientes para sua organização e mobilização não existem no momento, para o bem ou para o mal" (Riordan Roett).
2 - "O Brasil avançou muito desde os tempos de Fernando Collor, e hoje é um país muito mais estável, com instituições políticas que, embora longe de perfeitas, são muito mais sólidas do que eram havia 15 anos", afirma Francisco Panizza, da LSE (London School of Economics).

Avanço institucional
Esse avanço institucional é, para Panizza, "o maior legado de Fernando Henrique Cardoso, e não vejo perigo de que o governo Lula seja afetado pela onda de instabilidade que atinge principalmente os países do Pacífico andino".
Concorda Riordan Roett: "O Brasil tem instituições deficientes, mas existentes, que geralmente funcionam. A corrupção continua sendo um problema, mas, de modo geral, há uma disseminada aceitação da estrutura governamental. No momento, o Brasil é um sistema político estável".
Esse "no momento" não deixa de introduzir um elemento inquietante em um cenário que os especialistas consideram unanimemente positivo. A inquietação é reforçada por uma pergunta de Thomas Skidmore, que ele próprio evitou responder:
"Quão grande é a capacidade da sociedade brasileira de absorver crescimento baixo e queda da renda?" (CLÓVIS ROSSI)


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