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INVESTIGAÇÃO
Duas empresas remeteram pelo menos US$ 18 mi para o Brasil, entre 92 e 94; dinheiro entrou via Uruguai
Record tem firmas em paraísos fiscais
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
A Igreja Universal do Reino de
Deus tem empresas em paraísos
fiscais que bancam parte de seus
investimentos no Brasil. Depois
de um mês de investigação, a Folha comprovou a existência de
duas empresas no exterior: Investholding e Cableinvest. Ambas estão ativas há mais de sete anos.
As duas empresas remeteram
pelo menos US$ 18 milhões para o
Brasil, entre 1992 e 1994. O dinheiro entrou no país via Uruguai, onde os dólares eram trocados por
moeda brasileira. A TV Record do
Rio foi paga com ""empréstimos"
dessas empresas.
A Investholding está registrada
em Grand Cayman (Ilhas Cayman, no Caribe), enquanto a Cableinvest tem registro na pequena
ilha de Jersey (Channel Islands),
no Canal da Mancha. As ilhas são
paraísos fiscais do Reino Unido.
Os paraísos fiscais garantem sigilo às empresas que se instalam
em seus territórios e, por isso, são
procurados pelos que querem legalizar dinheiro obtido ou remetido irregularmente para o exterior.
Também acolhem subsidiárias
de grandes corporações, interessadas em pagar menos impostos
em seus negócios internacionais.
O comprovante de que a Investholding está ""active", ou ativa, foi
enviado, por fax, ao Brasil, pelo
Registry of Companies (departamento de registro de empresas),
de Cayman, em 24 de junho.
Segundo a Junta Comercial de
São Paulo, a Investholding e a Cableinvest são representadas no
Brasil por Alba Maria Silva da
Costa e Osvaldo Sciorilli, executivos da Universal em São Paulo.
Investholding e Cableinvest são
sócias da Unimetro Empreendimentos, que a Universal usa para
administrar imóveis. Ou seja,
imóveis comprados pela igreja
são, pelo menos em parte, pagos
com dinheiro vindo de paraísos
fiscais, difícil de ser rastreado.
Entre os demais sócios da Unimetro estão os bispos Honorilton
Gonçalves (presidente da Rede
Record), João Batista Ramos
(presidente da Rede Família e da
Rede Mulher), Marcelo Crivella e
Sérgio Von Helde -que ficou famoso por ter chutado a imagem
de Nossa Senhora Aparecida na
TV e hoje vive na Colômbia.
De acordo com o Banco Central,
a Investholding é também acionista da financeira Credinvest -
Crédito, Financiamento e Investimento, de São Paulo, que igualmente pertence à Universal.
A empresa de Cayman tem 46%
do capital total da financeira. O
segundo maior sócio da Credinvest é o pastor e deputado Odenir
Laprovita Vieira (PPB-RJ), com
25% do total. Os demais são pastores e bispos da igreja.
Em entrevista à Folha, em seu
gabinete, no Rio, o deputado
mostrou-se confuso ao ser perguntado sobre a origem da Investholding. De início, disse, convicto, que a empresa é da Universal,
mas em seguida, ficou reticente:
"É. Acho que é. Não tenho certeza
se é ou não é", declarou.
A Investholding e a Cableinvest
são acionistas indiretas de uma
outra empresa da Universal, a
Cremo Empreendimentos, cuja
atividade, definida na Junta Comercial de São Paulo, é a de prestar "serviços auxiliares a empresas, pessoas e entidades".
A Cremo funciona no mesmo
local (um edifício de 12 andares
na alameda Ministro Rocha Azevedo 395, Jardins, em São Paulo)
da Credinvest e da Rede Família.
Seus sócios diretos são o bispo
João Batista Ramos e a Unimetro,
da qual Investholding e Cableinvest fazem parte.
A empresa Cremo importou o
jato (Citation 525, da Cessna) usado pelos executivos da TV Record. A transferência da aeronave
para a TV Record foi feita em 97,
segundo confirma o DAC (Departamento de Aviação Civil). A
transação foi registrada em cartório por R$ 2,5 milhões.
Record do Rio
Supostos empréstimos da Cableinvest e da Investholding justificaram a origem do dinheiro empregado na compra da TV Record
do Rio, canal 13.
A emissora foi adquirida em nome de seis membros da Universal,
que não tinham patrimônio para
comprar sequer uma rádio.
A TV (que, na época, se chamava Rádio Difusão Ebenezer) pertencia ao bispo Nilson do Amaral
Fanini, da Primeira Igreja Batista
do Niterói (RJ), e ao empresário e
ex-deputado federal Múcio
Athayde.
Certidões do 1º Ofício de Registro de Títulos e Documentos do
Rio mostram que a venda foi efetivada no dia 28 de fevereiro de
1992, embora a transferência do
controle só tenha sido autorizada
pelo Ministério das Comunicações em 1996.
A compra foi feita em nome de
Alba Maria Silva da Costa, Claudemir Mendonça de Andrade, José Fernando Passos Costa, José
Antônio Alves Xavier, Márcio de
Araújo Lima e João Monteiro de
Castro dos Santos, que frequentavam o templo do bairro da Abolição, na zona norte do Rio.
De acordo com as certidões, eles
se comprometerem em pagar Cr$
18,8 milhões (cerca de US$ 11,7
milhões) em 15 parcelas mensais
pela emissora e ainda assumiram
dívidas da empresa.
No total, a TV custou US$ 20
milhões, segundo confirma o superintendente da Rede Record,
Dermeval Gonçalves.
Xavier, um dos seis sócios, disse
à Folha que só emprestou seu nome para a operação. "Eu não sei
como foi feita a transação. Só fui
lá convidado pelo deputado Laprovita Vieira", disse.
Desde que seu nome apareceu
em reportagens do jornal "O Globo", em 1996, como testa-de-ferro
da Universal, Xavier passou a viver uma semi-clandestinidade.
Foi multado em R$ 2,5 milhões
pela Receita Federal por sonegação de Imposto de Renda e o processo já está em fase de execução
judicial. Vive como vendedor autônomo de carros usados em Cabo Frio (região dos Lagos, litoral
do Estado) e não tem telefone.
Empréstimo
Para justificar a origem do dinheiro, foi simulado o empréstimo externo da Cableinvest e da
Investholding, em parcelas correspondentes às notas promissórias para o pagamento da TV.
O jornal teve acesso a 54 contratos de mútuo, ou empréstimo, da
Investholding e da Cableinvest
para os membros da Universal
que compraram a Record do Rio.
Há mais 21 contratos de empréstimos a outros membros da igreja
em poder do jornal.
A solução arquitetada pela igreja foi a mesma usada pelo ex-presidente Fernando Collor, para explicar o pagamento de despesas
perante à Comissão Parlamentar
de Inquérito que acabou por afastá-lo do governo, em 1992. Collor
disse ter obtido empréstimo de
uma empresa do Uruguai, país
que também é paraíso fiscal. A
montagem ficou conhecida como
"Operação Uruguai".
Os contratos da Investholding
diziam que os representantes da
igreja na operação receberiam o
dinheiro em cheques administrativos do Banco Holandês Unido,
atual ABN Amro Bank.
Eles se comprometiam a quitar
o empréstimo em cinco anos, corrigido pelo IGPM (Índice Geral de
Preços de Mercado, da Fundação
Getúlio Vargas), mais juro de
0,5% ao mês.
Os contratos da Cableinvest não
identificavam o banco pelo qual
seria remetido o dinheiro. Diziam
apenas que o pagamento seria por
cheques administrativos.
Todos os contratos foram supostamente assinados no Rio e as
datas foram colocadas por carimbos. As assinaturas dos seis representantes da igreja conferem com
as existentes nos documentos arquivados na Junta Comercial do
Estado do Rio de Janeiro. Já as assinaturas dos representantes da
Cableinvest e da Investholding
são iguais e incompreensíveis.
Os contratos foram autenticados fora do Brasil. A autenticidade foi atestada pelo notário público J.J.R. Jonhson, de Jersey
(Channel Islands, Reino Unido),
conforme selo colocado no final
de cada documento.
A certificação no exterior permitiria à Universal entrar com
ação de cobrança no Brasil, caso
os seis "compradores" resolvessem assumir a posse efetiva da
emissora, o que não se confirmou.
A partir de 1996, as cotas foram
transferidas para os bispos da cúpula da igreja.
Via Uruguai
A Folha obteve cópias de boletos de operações de câmbio no
Uruguai, onde os dólares foram
trocados por moeda brasileira.
As remessas da Investholding
foram feitas a partir de agências
do Holandês Unido (ABN Amro
Bank) em Miami e em Nova York,
nas quais a empresa tinha conta.
Em 1992, a Investholding remeteu
pelo menos US$ 6 milhões para o
Brasil, via Uruguai.
As remessas da Cableinvest seguiam outro procedimento. O dólares eram levados em dinheiro
até a Cambio Val, uma das maiores casas de câmbio do Uruguai.
A Cambio Val tem sede em
Montevidéu e subsidiárias em
Punta del Este e Chuy. De 1992 a
1994, a Cableinvest trocou pelo
menos US$ 11,96 milhões por
moeda brasileira naquela casa.
Fazendo-se passar por advogada, a repórter da Folha entrou em
contato com a agência central da
Cambio Val para confirmar a autenticidade dos boletos.
O vice-presidente da empresa,
Daniel Duran, disse que os originais já haviam sido incinerados,
mas que a cópia lhe parecia autêntica. "O boleto é exatamente igual
aos nossos. Não vejo nenhum sinal de falsificação", disse ele.
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