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Delírio no Planalto: Nobel e ONU falseiam lista
Não deu outra. Diante da reclassificação do Brasil na lista
mundial do Índice de Desenvolvimento Humano, o governo tomou o pior caminho, o da mistificação.
Até o ano passado, o Brasil estava em 62º lugar e tinha acabado
de entrar para o andar de cima,
no grupo dos países com "alto desenvolvimento humano". Enquanto a notícia foi boa, a metodologia era ótima e a ONU, que
patrocina o estudo, foi casa de sábios. A nova lista, feita a partir de
um novo cálculo, mandou-o para
a 79ª colocação, no andar do
meio.
Essa metodologia alterou a influência que a riqueza do país tinha na determinação do bem-estar dos seus cidadãos. Num país
com a renda bem usufruída, a
mudança foi pequena. Para Pindorama, grande.
O relatório deixa claro que os
números brasileiros de 1997 indicam um avanço das condições do
país, seja qual for a metodologia
usada. O Planalto, como sempre,
soube dos números com tempo
suficiente para estudá-los.
Podia-se esperar que um governo presidido por um professor universitário desse à choldra a
esmola da tolerância e do senso
crítico.
Nada disso. Optou pela empulhação.
Primeiro veio o porta-voz do
Planalto, dizendo que o novo sistema de cálculo "falseia a comparação". Se o governo acha isso, é
pago para explicar onde está a falsificação. Seria um bonito debate.
Abrilhantaria a programação da
provável visita do prêmio Nobel
de Economia Amartya Sen a Brasília. Como ele é o autor da nova
fórmula, seria divertido vê-lo defendendo-se da acusação de falsário. (Não vão acusá-lo, vão bajulá-lo como se fosse o marajá de
Jaipur.)
Pode-se entender que o porta-voz do Planalto diga grosserias
desse tipo, pois está lá para repetir o que ouve. Mais dificil é entender a adesão à marquetagem
do professor Roberto Borges
Martins, presidente do Instituto
de Pesquisa e Economia Aplicada, o Ipea.
Ele saiu-se com a seguinte:
"Suponha que você esteja medindo crianças em centímetros e
determine que serão consideradas altas aquelas que, aos 14 anos,
tenham 160 cm; aí, você muda o
critério de aferição e passa a medi-las em polegadas, mas considera altas só as crianças que tenham, na mesma idade, 160 polegadas. A criança de 160 cm teria
que passar a medir 400 cm para
ser considerada alta".
Empulhação, da braba.
Para ficar no grau de sofisticação intelectual do doutor Borges
Martins, aconteceu mais ou menos o seguinte:
Suponha que você esteja medindo pessoas em centímetros e
determine que serão consideradas saudáveis aquelas que, aos 18
anos, tenham mais de 160 cm de
altura, R$ 5 mil no banco e 60 quilos de peso. Pelo critério antigo,
uma pessoa com 165 centímetros,
R$ 7 mil no banco e 30 quilos de
peso era considerada saudável.
Pelo novo, foi mandada para o
hospital, por desnutrida.
Num exemplo concreto: brasileiros e costarriquenhos têm, na
média, praticamente o mesmo
poder de compra. Na Costa Rica a
expectativa de vida é de 76 anos.
No Brasil, 66,8. Na Costa Rica há
apenas 5% de adultos analfabetos
e, no Brasil, 16%. A taxa de mortalidade infantil brasileira é três vezes maior que a costarriquenha.
Na metodologia antiga a Costa
Rica estava em 56º lugar e o Brasil, em 62º. Na nova, um subiu para 45º (no andar de cima) e o outro caiu para 79º.
O Ipea não devia se meter a
bumbo do Planalto. Ele é o maior
depósito de talentos em pesquisas econômicas do país. No segundo semestre de 1995 tomou
uma prensa política. Mandaram-no parar de divulgar previsões
pessimistas. Sem influir na honestidade intelectual de seus pesquisadores (cada um manteve a
que tinha), criou-se por lá uma
ala de otimismo. Suas projeções
de crescimento do PIB ficaram a
serviço do lado "candomblé" do
cartesianismo tucano. Em 1995
houve uma estimativa de crescimento econômico de 6,4%. Deu
4,2%. Para 97, chegaram a anunciar um crescimento entre 4 e 5%.
Deu 0,8%. No ano passado, projetaram 1,9%. Fechou em 0,5%. Ou
seja, os xamãs estão devendo ao
país um crescimento acumulado
de pelo menos 7%.
Não se deve fazer uma maldade dessas com o Ipea. Lá trabalhou o professor Pedro Malan.
Nenhum governo pediu-lhe coisas desse tipo.
Se FFHH quer realmente mudar o rumo de seu governo, precisa fechar a torneira da empulhação.
Ou faz isso, ou vai confirmar o
receio que Amartya Sen teve
quando um colega lhe explicou a
idéia de se criar o índice de desenvolvimento humano. Veio-lhe à
cabeça um pedaço do seguinte
poema de T.S. Eliot:
"A humanidade
Não aguenta muita realidade."
O fato e o evento
Na quinta-feira aconteceram
duas coisas.
Uma foi um evento, também
denominado de reforma ministerial. Resumiu-se à ida do advogado José Carlos Dias para o Ministério da Justiça e ao defenestramento do doutor Clóvis Carvalho
da chefia do Gabinete Civil. Foi
para o ministério da Produção,
ex-Desenvolvimento, ex-Coisa-Nenhuma.
O outra foi o saque de um supermercado em Vila Cruzeiro, no
bairro da Penha, no Rio de Janeiro.
Um dos dois foi relevante.
Quem acertar corre o risco de ser
convidado para o Ministério da
Produção no próximo evento.
A voz dos números do crime
Está no Brasil o professor de
economia Steven Levitt, da Universidade de Chicago. Veio participar de um seminário da Faculdade do IBMEC, em São Paulo. Ele carrega na pasta duas reveladoras transparências sobre a questão da segurança pública no Brasil. Nos Estados Unidos, o crime
custa à sociedade o equivalente a
US$ 330 bilhões (4% do PIB). No
Brasil, o custo fica em US$ 50 bilhões (10% do PIB, ou o total dos
investimentos estrangeiros diretos de 1996 a 1998).
Essas cifras incluem o custo do aparelho de segurança, da justiça criminal, do
sistema carcerário e das propriedades perdidas, bem como o valor econômico das vidas e da desorganização familiar das vítimas.
Para quem acha que uma situação dessas pode ser resolvida
com mais tiros, outra estatística:
No Rio de Janeiro, a polícia
mata 6,5 pessoas para cada 100
mil habitantes. São cerca de 358
pessoas por ano. Esse total aproxima-se do número de pessoas
mortas por todas as polícias de
todos os Estados Unidos (380).
Lá, o índice está em 0,15.
Acenderam uma vela no lixão
Em junho, a Unicef e outras 31 instituições
lançaram a campanha "Criança no
Lixo, Nunca Mais". Estima-se que
haja no Brasil 50 mil crianças catando comida e xepas nos depósitos de lixos das grandes cidades.
Como parte dessa campanha,
remeteram a 5.500 prefeituras
uma carta, acompanhada de um
questionário sobre as condições
dos catadores de lixo em suas cidades.
Os prefeitos que se interessassem, poderiam receber um pacote com cinco manuais. Num, o
Manual do Financiamento, preparado pelo Ministério do Meio
Ambiente, ensinam os prefeitos a
buscar recursos e empréstimos
para programas relacionados
com o lixo. Noutro, o Manual do
Promotor, fornecem um termo
de compromisso para ser assinado entre a prefeitura e o Ministério Público.
Em vez de se reclamar
da escuridão, acendeu-se uma vela.
Em apenas duas semanas, chegaram as respostas de 400 prefeituras, interessadas em participar
do programa.
Seria muito bom se
daqui a uns meses a Unicef divulgasse a lista das prefeituras que tiveram a curiosidade de saber como se pode resolver o problema
das crianças dos lixões. Essa lista
mostrará quem são os prefeitos
incapazes de ter até mesmo a curiosidade. Como no ano que vem
haverá eleições, a escumalha poderá conferir em que mãos
caiu.
Um grande homem
Franco
Montoro foi o melhor governador da história de São Paulo (empatado com Carvalho Pinto).
Profeta do trivial variado, formou, à sua sombra uma geração
de políticos que sempre tiveram a
certeza de serem muito superiores a ele. Essa era uma das suas
maiores virtudes. Dava aos outros a sensação de serem grandes.
Copo cheio
É quase certo que,
ao fim do ano, a AmBev seja capaz de provar que, com a fusão de
Brahma e da Antarctica, o preço
real da cerveja terá caído. Comparada mês a mês, ela deverá ficar
mais barata.
O maleiro do Galeão deu uma aula ao andar de cima
O Brasil está salvo. A mão forte e
ágil da Justiça abateu-se sobre a
especulação feita em janeiro contra o real. Ela custou pelo menos
R$ 3 bilhões à Viúva. Levantada a
tampa da panela, descobriu-se
que o Banco Central socorreu
duas casas quebradas e que seu
presidente guardava em casa
uma confissão de dívida alheia no
valor de US$ 1,5 milhão. Instalou-se uma CPI, congelaram-se (e
descongelaram-se) patrimônios.
Postas a funcionar, as instituições
confirmaram a tradição nacional.
São rápidas quando batem para
baixo e paralíticas na hora de bater para cima.
O carregador de
malas Carlos Hang de Santana,
preso pela Polícia Federal em janeiro, no aeroporto do Galeão,
comprando US$ 50 a um comissário de bordo, foi denunciado
pelo procurador Mauricio Ribeiro Manso. No dia 14 de maio, o
juiz Emílio Abranches Mansur,
da 1ª Vara Federal Criminal, aceitou a denúncia e nas próximas semanas deverá realizar a primeira
audiência. Hang está denunciado
com base na lei do colarinho
branco (coisa que carregador de
malas só usa, com certeza, no
próprio enterro).
Está salvo o Brasil. O maleiro que ameaçou a estabilidade das finanças nacionais
cotava a moeda americana a R$
1,60 enquanto a banca da avenida
Paulista a negociava a R$ 2,10. A
polícia apreendeu a cesta de moedas que carregava (R$ 7.465, US$
420, mais 20 libras inglesas, 100
marcos alemães e alguns tíquetes-refeição.) Passou seis dias e
cinco noite na cadeia.
Nenhum burocrata do Banco Central foi
punido. Nenhum vazamento foi
identificado. Nenhum larápio
dormiu na cadeia. O doutor Salvatore Cacciola, que recebeu um
regalo do BC, saiu da CPI como
herói da turma do papelório. A
Justica só foi rápida e severa com
o carregador de malas.
A denúncia apresentada contra Hang pode levá-lo a uma condenação de
um a dois anos de prisão. O juiz
ofereceu-lhe o direito de se beneficiar com a suspensão temporária do processo. Continuaria solto (e maculado), desde que se
comportasse bem. Se Hang aceitasse esse caminho, ficariam assim as coisas:
1) a Polícia Federal
agiu certo prendendo-o.
2) o promotor fez a sua parte denunciando-o.
3) O juiz aceitou a denúncia
porque esse era o direito.
4) Hang
seria beneficiado pela magnanimidade do andar de cima.
O maleiro decidiu dar um exemplo de
exercício da cidadania. Seu advogado, Michel Assef, informa que
ele recusará o oferecimento. Vai à
luta pelos seus direitos, amparado na convicção de que não fez
nada de errado.
Caberá ao juiz
decidir, mas são muitos os advogados capazes de jurar que a lei
do colarinho branco não tem nada a ver com um maleiro trocando dólares num saguão. Mais:
trocar dólar não é crime.
Hang
vai processar a União pelos danos
morais que sofreu.
Apesar de ter
havido uma imensa discussão em
torno do bloqueio dos bens dos
maganos do andar de cima, ainda
não devolveram ao carregador de
malas dos outros a cesta de moedas que lhe confiscaram em janeiro. Quanto ao juiz Lau Lau, vai
bem obrigado, carregando sua
própria mala.
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