São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VIA SUSPEITA

Governo de SP anuncia aditivo ao contrato do trecho oeste da obra quase três vezes superior ao permitido por lei

Rodoanel já custa 70% a mais que o previsto

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Rodoanel, via expressa de 170 km que circundará São Paulo e foi apresentada como a principal vitrine da administração do PSDB, transformou-se num grande telhado de vidro que pode desabar sobre a cabeça dos tucanos.
Ontem, o secretário estadual dos Transportes de São Paulo, Michael Zeitlin, anunciou a assinatura de um aditivo de 69,92% ao contrato de R$ 338,87 milhões firmado com as empreiteiras em 1998. Pela lei de licitações públicas, os valores contratados podem ser aumentados em até 25%. Mais do que isso, só com uma nova concorrência.
Em 1998, as construtoras Queiroz Galvão e Ivaí firmaram contrato com o governo de São Paulo para construir em concreto os 31,6 km do trecho oeste do Rodoanel -o primeiro dos quatro que compõem a obra, cujo valor total estimado é de R$ 8 bilhões.
O trecho deveria ter ficado pronto em outubro do ano passado. Pelos números da Dersa, na média entre os seis lotes em construção, a execução do trabalho está em 65% do previsto. Mas, em valores atualizados, a obra já consumiu R$ 409,2 milhões.
Zeitlin afirmou que o aditivo é uma medida "excepcional", tomada com base em decisões do TCU (Tribunal de Contas da União) que facultaram expediente semelhante e pareceres jurídicos que comprovariam a legalidade do aditivo. O secretário anunciou também que dois lotes do trecho oeste serão inaugurados até o final do ano. E os demais, no primeiro semestre de 2002.
A Folha obteve uma cópia da exposição de motivos elaborada pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), que executa a obra. O documento gerou um jogo de empurra entre Dersa e Secretaria de Transportes do Estado. Técnicos e diretores da empresa se negavam a assinar o conjunto de 80 páginas, seis anexos, sete pareceres técnicos e três jurídicos.
Entre os pareceres, está o do advogado Celso Bandeira de Mello, contratado por R$ 109.848,28 para elaborar, no prazo de sete dias, um trabalho sobre o aditivo do trecho oeste em margens superiores ao limite legal de 25%. A contratação foi publicada no "Diário Oficial" do Estado em 17 de julho.
O embasamento técnico e jurídico foi a forma encontrada para tentar evitar que os signatários do aditivo venham futuramente a ser alvo de uma ação civil pública por avalizarem um contrato ilegal usando dinheiro do Tesouro.
Mas, ao firmar o aditamento, a Dersa já contrariou uma recomendação do Ministério Público Federal, enviada ao presidente do órgão, Sergio Pereira, em 15 de agosto. Assinado pelas procuradoras Maria Luísa Duarte e Isabel Groba, o documento reafirma que o limite de 25% para verbas adicionais em contratos com a administração não pode ser ultrapassado. "A essa altura, não se sabe se o valor foi subfaturado para a empresa ganhar a licitação ou se o superfaturamento está acontecendo agora", diz a procuradora Isabel Groba, que conduz um inquérito civil público para apurar irregularidades no Rodoanel.
A explicação recorrente entre técnicos da Dersa, da Secretaria de Transportes e de empreiteiros é que as vencedoras da licitação "mergulharam o preço": jogaram os valores para baixo a fim de fechar o contrato, mesmo sabendo que não seria possível cumprir o que estavam assinando.
As propostas foram abertas em 1998, ano em que o ex-prefeito Paulo Maluf e o governador Mário Covas, morto em março deste ano, disputavam o governo do Estado de São Paulo. Um dos consórcios vencedores, Queiroz Galvão/Constran, que ficou com cinco dos seis lotes do trecho oeste, teria oferecido, segundo a Folha apurou junto a funcionários que participaram do processo de licitação, o preço quase pela metade da estimativa da Dersa, com a expectativa de que, se Maluf vencesse, a obra seria aditada. O ex-prefeito nega (leia na página ao lado).
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, soube do descompasso entre investimentos realizados e obras executadas no Rodoanel em abril, cerca de um mês depois da morte de Mário Covas.
Segundo a Folha apurou, diante do conflito de números, o secretário Zeitlin chegou a pedir demissão do cargo. Alckmin disse a ele que, antes de sair, precisaria fechar as contas, pois se tratava de um projeto que mereceu o empenho pessoal de Covas. Em novembro do ano passado, em sua última viagem a Brasília, Covas foi à Comissão Mista de Orçamento pedir a deputados e senadores que garantissem verbas para o Rodoanel. Conseguiu.
Dos R$ 60 milhões inicialmente previstos na proposta orçamentária para 2001 encaminhada ao Congresso pelo governo, o Rodoanel acabou levando R$ 100 milhões, dos quais R$ 90 milhões já entraram na conta do empreendimento, uma deferência especial em tempos de economia de verbas em nome do equilíbrio fiscal do país -e para 2002, Zeitlin espera receber mais R$ 150 milhões.
O Rodoanel integra o conjunto de obras do programa Brasil em Ação, do governo federal, e recebeu R$ 223,8 milhões da União nos três últimos anos. "Estamos aguardando receber os levantamentos que levaram a extrapolar o projeto inicial", declarou Jairo Rodrigues, que gerencia o projeto em nome do governo federal.
A exposição de motivos elaborada pela Dersa tenta acomodar o aditamento no argumento de que o montante inicialmente estimado pelo órgão para a obra (R$ 600 milhões) não seria ultrapassado.
Afirma que aditar em níveis superiores a 25% sairia ainda mais barato que parar a obra, pagar pela sua manutenção e abrir uma nova licitação. Reconhece ainda que as obras foram iniciadas quando não havia chegado o dinheiro do Estado de São Paulo para custear as desapropriações -que estão sob acompanhamento do TCU (uma auditoria em curso), do Estado (29 processos) e do Ministério Público Federal e Estadual (dois inquéritos e dois procedimentos administrativos).
No documento da Dersa, argumenta-se que a pressa para viabilizar o Rodoanel se deve à sua importância para São Paulo e o país.



Texto Anterior: Panorâmica - Sucessão no escuro: Simon diz que Brizola e Itamar "não se acertam'
Próximo Texto: Outro lado: "Estamos dentro da lei", afirma secretário
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.