|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIA SUSPEITA
Governo de SP anuncia aditivo ao contrato do trecho oeste da obra quase três vezes superior ao permitido por lei
Rodoanel já custa 70% a mais que o previsto
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Rodoanel, via expressa de 170
km que circundará São Paulo e foi
apresentada como a principal vitrine da administração do PSDB,
transformou-se num grande telhado de vidro que pode desabar
sobre a cabeça dos tucanos.
Ontem, o secretário estadual
dos Transportes de São Paulo,
Michael Zeitlin, anunciou a assinatura de um aditivo de 69,92%
ao contrato de R$ 338,87 milhões
firmado com as empreiteiras em
1998. Pela lei de licitações públicas, os valores contratados podem ser aumentados em até 25%.
Mais do que isso, só com uma nova concorrência.
Em 1998, as construtoras Queiroz Galvão e Ivaí firmaram contrato com o governo de São Paulo
para construir em concreto os
31,6 km do trecho oeste do Rodoanel -o primeiro dos quatro
que compõem a obra, cujo valor
total estimado é de R$ 8 bilhões.
O trecho deveria ter ficado
pronto em outubro do ano passado. Pelos números da Dersa, na
média entre os seis lotes em construção, a execução do trabalho está em 65% do previsto. Mas, em
valores atualizados, a obra já consumiu R$ 409,2 milhões.
Zeitlin afirmou que o aditivo é
uma medida "excepcional", tomada com base em decisões do
TCU (Tribunal de Contas da
União) que facultaram expediente semelhante e pareceres jurídicos que comprovariam a legalidade do aditivo. O secretário anunciou também que dois lotes do
trecho oeste serão inaugurados
até o final do ano. E os demais, no
primeiro semestre de 2002.
A Folha obteve uma cópia da
exposição de motivos elaborada
pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), que executa a obra.
O documento gerou um jogo de
empurra entre Dersa e Secretaria
de Transportes do Estado. Técnicos e diretores da empresa se negavam a assinar o conjunto de 80
páginas, seis anexos, sete pareceres técnicos e três jurídicos.
Entre os pareceres, está o do advogado Celso Bandeira de Mello,
contratado por R$ 109.848,28 para elaborar, no prazo de sete dias,
um trabalho sobre o aditivo do
trecho oeste em margens superiores ao limite legal de 25%. A contratação foi publicada no "Diário
Oficial" do Estado em 17 de julho.
O embasamento técnico e jurídico foi a forma encontrada para
tentar evitar que os signatários do
aditivo venham futuramente a ser
alvo de uma ação civil pública por
avalizarem um contrato ilegal
usando dinheiro do Tesouro.
Mas, ao firmar o aditamento, a
Dersa já contrariou uma recomendação do Ministério Público
Federal, enviada ao presidente do
órgão, Sergio Pereira, em 15 de
agosto. Assinado pelas procuradoras Maria Luísa Duarte e Isabel
Groba, o documento reafirma
que o limite de 25% para verbas
adicionais em contratos com a
administração não pode ser ultrapassado. "A essa altura, não se sabe se o valor foi subfaturado para
a empresa ganhar a licitação ou se
o superfaturamento está acontecendo agora", diz a procuradora
Isabel Groba, que conduz um inquérito civil público para apurar
irregularidades no Rodoanel.
A explicação recorrente entre
técnicos da Dersa, da Secretaria
de Transportes e de empreiteiros
é que as vencedoras da licitação
"mergulharam o preço": jogaram
os valores para baixo a fim de fechar o contrato, mesmo sabendo
que não seria possível cumprir o
que estavam assinando.
As propostas foram abertas em
1998, ano em que o ex-prefeito
Paulo Maluf e o governador Mário Covas, morto em março deste
ano, disputavam o governo do Estado de São Paulo. Um dos consórcios vencedores, Queiroz Galvão/Constran, que ficou com cinco dos seis lotes do trecho oeste,
teria oferecido, segundo a Folha
apurou junto a funcionários que
participaram do processo de licitação, o preço quase pela metade
da estimativa da Dersa, com a expectativa de que, se Maluf vencesse, a obra seria aditada. O ex-prefeito nega (leia na página ao lado).
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, soube do descompasso entre investimentos realizados e obras executadas no Rodoanel em abril, cerca de um mês depois da morte de Mário Covas.
Segundo a Folha apurou, diante
do conflito de números, o secretário Zeitlin chegou a pedir demissão do cargo. Alckmin disse a ele
que, antes de sair, precisaria fechar as contas, pois se tratava de
um projeto que mereceu o empenho pessoal de Covas. Em novembro do ano passado, em sua
última viagem a Brasília, Covas
foi à Comissão Mista de Orçamento pedir a deputados e senadores que garantissem verbas para o Rodoanel. Conseguiu.
Dos R$ 60 milhões inicialmente
previstos na proposta orçamentária para 2001 encaminhada ao
Congresso pelo governo, o Rodoanel acabou levando R$ 100 milhões, dos quais R$ 90 milhões já
entraram na conta do empreendimento, uma deferência especial
em tempos de economia de verbas em nome do equilíbrio fiscal
do país -e para 2002, Zeitlin espera receber mais R$ 150 milhões.
O Rodoanel integra o conjunto
de obras do programa Brasil em
Ação, do governo federal, e recebeu R$ 223,8 milhões da União
nos três últimos anos. "Estamos
aguardando receber os levantamentos que levaram a extrapolar
o projeto inicial", declarou Jairo
Rodrigues, que gerencia o projeto
em nome do governo federal.
A exposição de motivos elaborada pela Dersa tenta acomodar o
aditamento no argumento de que
o montante inicialmente estimado pelo órgão para a obra (R$ 600
milhões) não seria ultrapassado.
Afirma que aditar em níveis superiores a 25% sairia ainda mais
barato que parar a obra, pagar pela sua manutenção e abrir uma
nova licitação. Reconhece ainda
que as obras foram iniciadas
quando não havia chegado o dinheiro do Estado de São Paulo para custear as desapropriações
-que estão sob acompanhamento do TCU (uma auditoria em
curso), do Estado (29 processos) e
do Ministério Público Federal e
Estadual (dois inquéritos e dois
procedimentos administrativos).
No documento da Dersa, argumenta-se que a pressa para viabilizar o Rodoanel se deve à sua importância para São Paulo e o país.
Texto Anterior: Panorâmica - Sucessão no escuro: Simon diz que Brizola e Itamar "não se acertam' Próximo Texto: Outro lado: "Estamos dentro da lei", afirma secretário Índice
|