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São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 2003

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CÂMARA OCULTA

Programa para servidores viciados em drogas e álcool tem 147 nomeados e atende entre 20 e 30 por ano

Câmara usa projeto assistencial como cabide

JAIRO MARQUES
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Em três pequenas salas do 9º e do 23º andares do prédio principal da Câmara dos Deputados, em Brasília, funciona o maior cabide de cargos vips da Casa, a Cope (Coordenação de Programas Especiais).
No papel, há 147 CNEs (Cargos de Natureza Especial) nomeados para o setor pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). Mas apenas três são encontrados trabalhando no local. Os CNEs são nomeados sem concurso público, recebem entre R$ 1.680 e R$ 7.428 e podem ter o ponto liberado por deputados.
A Folha localizou em São Luís (MA) um dos ocupantes de CNE na Cope, a dentista Clarissa Cabral Trinta, 23, filha do ex-deputado federal Remi Trinta (PL).
Recém-formada em odontologia -o pai também é dentista- além de não saber dizer exatamente o que faz na coordenadoria, mora na capital do Maranhão e tem outra atividade profissional.
"Tem mais de um ano que faço esse trabalho para a Câmara. Mas deixa eu falar uma coisa: eu não queria estar respondendo essas coisas porque eu trabalho aqui em São Luís e, além desse trabalho, eu desempenho outros trabalhos. Sou dentista também. Até deixei de lado um pouco [o trabalho da Câmara]. Eu não tenho acompanhado mais nada em relação a isso. Estou vendo a minha outra parte [odontologia no MA], que é o que eu quero fazer também", disse Clarissa, por telefone.
Indagada se pretende abandonar a função na Câmara, ela disse: "Não pretendo me desligar, mas quero fazer o que eu gosto".
Clarissa declarou que, apesar de estar lotada na Cope, seu trabalho era para "um deputado do PL" em São Luís. O cargo que ocupa prevê um salário de R$ 2.000.
Oficialmente, o grupo de 147 cargos vips da Cope tem três tarefas básicas: recuperação de servidores viciados em álcool e drogas, acompanhamento escolar de jovens estagiários na Casa e cadastramento dos próprios ocupantes de CNEs.
O Prodeq (subprograma de dependência química) atende anualmente de 20 a 30 servidores. Se um terço dos CNEs se dedicasse à tarefa, haveria cerca de dois assessores para cada viciado. Na prática, a Cope funciona como um fornecedor de CNEs para tarefas políticas de lideranças e gabinetes parlamentares.
Reportagens anteriores da Folha mostraram que funcionários voltados para funções administrativa da Mesa e das comissões permanentes também estão atuando em trabalhos políticos para deputados e lideranças partidárias.

Fora de posto
A reportagem localizou no gabinete do deputado federal e presidente nacional do PP, Pedro Corrêa (PE), em Brasília, a assessora de imprensa Isadora de Paula Fonseca. Ela disse não saber que estava lotada na Cope. "Trabalho muito, de manhã até a noite. Não tenho um lugar fixo ainda, mas fico indo de gabinete em gabinete do partido", afirmou Isadora.
Ex-participante do "Ilha da Sedução", "reality show" do SBT, e ponta da novela "Estrela Guia", da Rede Globo, Isadora disse que uma de suas funções é atender a imprensa. "Não tenho nenhuma regalia, assino o ponto todos os dias." Corrêa não foi localizado para falar sobre o assunto.
O uso de CNEs da Cope por partidos não é uma exclusividade do PP. Também o PT, por meio do deputado federal Roberto Gouveia (SP), adota a prática.
No escritório de Gouveia em São Paulo trabalha Marisilda Silva, lotada na Cope. Segundo o deputado, ela exerce uma função "indispensável" na Comissão de Seguridade Social e Família. Gouveia é o vice-presidente da comissão. "Ela roda o Brasil, São Paulo e Brasília", disse Gouveia.
Indagado sobre a razão de Marisilda estar lotada na Cope, ser localizada em seu escritório político em São Paulo e prestar serviços para a comissão da Casa, Gouveia afirmou: "Estou chegando agora à Câmara [primeiro mandato]. Não me ative a esses detalhes. O presidente da Câmara [João Paulo] é que decide isso. Eu apenas pedi que ela fosse contratada".



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