São Paulo, terça, 18 de agosto de 1998

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CELSO PINTO
A péssima notícia russa


A moratória com desvalorização cambial anunciada ontem pela Rússia é uma péssima notícia para o Brasil. É a primeira vez que um país emergente entra em moratória desde que o México começou a crise da dívida, em 82, seguido pelo Brasil, em 87.
O mercado internacional, que já estava muito ruim para países emergentes desde maio, deve piorar. O quanto, ainda depende dos desdobramentos na Rússia, mas não há, por enquanto, razões para otimismo.
É bom lembrar que o bilionário pacote para o México, em 94, e os bilionários pacotes para a Tailândia, Indonésia e Coréia, em 97 e neste ano, foram feitos exatamente para evitar uma moratória. Deve aumentar a "fuga para a qualidade" dos investidores internacionais, ou seja, a saída de capitais de países emergentes em benefício de aplicações mais seguras nos Estados Unidos e na Europa.
Só neste mês, cinco emissões de títulos latino-americanos tiveram que ser adiadas, pela piora nas condições de mercado: US$ 325 milhões de "senior notes" para a Bombril; US$ 1 bilhão em quatro parcelas para a Petrodrill, garantidas por equipamentos alugados pela Petrobrás; US$ 240 milhões de um "project finance" da Colômbia; US$ 250 milhões da Celumóvel, da Colômbia; e US$ 350 milhões da Unefon, do México.
A curto prazo, graças ao dinheiro da privatização e às reservas acumuladas no início do ano, o Brasil pode captar menos no mercado internacional. Se a Rússia gerar uma nova rodada de desconfiança em relação aos países emergentes, contudo, pode estreitar o espaço já pequeno que o Brasil tem para crescer, em 99, sem esbarrar em problemas com suas contas externas.
Vai aumentar a ansiedade em relação ao que o governo fará depois das eleições. Outros países latino-americanos estão hoje com suas contas externas mais afetadas que o Brasil. Mas, como lembrou um banqueiro, as razões para a piora são diferentes, assim como a reação ao desequilíbrio.
Chile, Argentina, México, Venezuela, Equador e Peru foram afetados pela queda dos preços do petróleo e/ou de outras matérias-primas. México, Chile, Argentina e até a Venezuela reagiram anunciando cortes fiscais. Os desequilíbrios da balança comercial brasileira têm um caráter mais estrutural e o déficit fiscal piorou neste ano. A crise russa torna ainda mais vital o Brasil dar alguma sinalização mais forte na área fiscal depois das eleições.
A reação dos mercados brasileiros, ontem, foi relativamente tranquila, por duas razões. A forte alta na Bolsa americana (1,78%) ajudou a limitar a baixa na Bolsa brasileira (1,53%). Além disso, a intervenção do governo, ou a simples expectativa de que o governo intervirá nos mercados de juros e dólar, ajudam a conter a pressão. De resto, o alto volume de reservas e a venda de títulos federais pós-fixados (que elimina o risco de alta de juros para o investidor) ajudam a acalmar os ânimos.
A vida, contudo, ficou mais difícil para o Brasil e os emergentes em geral. Os mercados já descontavam nos preços dos mercados russos o risco de desvalorização e moratória. Mesmo assim, o pacote surpreendeu alguns bancos, até porque o FMI lutava para impedir uma moratória.
A Rússia tem um enorme problema fiscal, pela incapacidade de coletar impostos, e tinha, até recentemente, um problema para estruturar seu financiamento. Hoje, contudo, tem também um problema de balanço de pagamentos. A queda nos preços do petróleo pode gerar um déficit em conta corrente de 2% a 3% do PIB este ano.
Um banco americano calcula que a Rússia precisa de US$ 20 bilhões para rolar sua dívida de curto prazo este ano. Considerando o que já entrou em privatizações, eurobônus e empréstimos, faltam de US$ 8 bilhões a US$ 12 bilhões. As reservas hoje estariam em US$ 16,3 bilhões, nas contas desse banco, ou US$ 14,5 bilhões, no cálculo de um banco europeu.
A banda cambial ia de 5,27 a 7,13 rublos por dólar, mas a cotação estava pouco acima de 6 (6,3 na sexta-feira). Considerando a nova banda (de 6 a 9,50), a desvalorização efetiva pode ir a 50%, se o rublo bater no teto. Para tentar evitar isso, a Rússia adotou várias medidas de controle cambial. É bom lembrar, contudo, que medidas desse tipo não funcionaram em vários países europeus, em 92, e na Tailândia, no ano passado.
Se a mudança de regra gerar uma desconfiança interna no rublo, será difícil segurar o câmbio, a menos que haja mais um pacote bilionário externo. E se a desvalorização for expressiva, pode gerar um colapso bancário, pressão inflacionária e complicações políticas adicionais.
A banda cambial larga russa, começando na cotação efetiva de mercado, é parecida com o sistema que alguns defendem que o Brasil adote. Só tem chances de dar certo, contudo, com forte disciplina fiscal, reservas robustas e juros altos. A Rússia só garante os juros, que subiram a 250% no overnight, para uma inflação de 4,2% no ano encerrado em julho.




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