São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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REGRAS DO JOGO

A Justiça Eleitoral precisa existir?

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Quase ninguém pensa nisso. Mas a pergunta deveria fazer parte da pauta de discussão da sempre anunciada e nunca concretizada reforma política brasileira. É necessário entregar para um órgão especial do Poder Judiciário, supostamente neutro, o controle das eleições?
A reflexão não decorre das queixas de Ciro contra o TSE. A fala de Ciro, coronel bossa nova, não tem muito conteúdo. Aliás, para dimensionar o "rigor" de suas idéias, aparentemente sofisticadas, basta lembrar que ele quer "federalizar" o crime financeiro, o que já se fez em 1986.
Nelson Jobim, alvo principal do ataque oportunista de Ciro, deu testemunho recente e inequívoco de imparcialidade ao arquivar liminarmente, no Supremo Tribunal Federal, a representação do Ministério Público de São Paulo contra José Dirceu, presidente do PT, por suposto envolvimento em arrecadação ilegal de recursos. Se a postura do magistrado fosse a de "ajudar" Serra, bastaria instaurar o procedimento...
A reflexão é de ordem institucional. Por que não entregar para um comitê público, eclético e estável, a organização das eleições? Não é assim em outros países?
A Justiça Eleitoral foi criada por Getúlio Vargas para varrer os vícios da chamada República Velha. Era parte de um conjunto de medidas paternalistas para a modernização do Brasil. Existe até hoje, cada vez mais presente.
A Justiça Eleitoral exerce função essencialmente administrativa e não judicial: alistamento de eleitores, fiscalização, organização da propaganda etc.. A crítica que se faz é a de que, nesse contexto, na hipótese de erro ou de ilegalidade, ela é ao mesmo tempo a autora do erro ou da ilegalidade e julgadora da reclamação... Do ponto de vista institucional não faz muito sentido.
O diagnóstico crítico da juíza Salete Maccalóz é o de que a Justiça Eleitoral "legitima" irregularidades: de fato, não é da nossa tradição punir abusos de poder econômico e político. E eles existem. Ou não existem?
Mesmo que se considere sua existência imprescindível, não se compreende o controle hoje realizado pela Justiça Eleitoral do discurso dos candidatos e da atuação dos meios de comunicação.
Se as emissoras de rádio e TV não devem ser partidárias -são concessões do poder público- basta instituir a pena de perda da concessão para aquela que manipular, em processo a ser julgado pela Justiça Federal. A Globo ajudou a vitória de Collor em 1989 e nada aconteceu.
Se os jornais publicarem fatos inverídicos sobre candidatos, para influir no processo eleitoral, que os responsáveis sejam efetivamente punidos.
O que não faz sentido é esse tiroteio judicial armado pelos candidatos e julgados a partir de critérios subjetivos e em processos temerariamente preparados no prazo de horas. No Rio, não se pode dizer que Rosinha e Garotinho são populistas. Em Tocantins, acusa a oposição, é "proibido falar a verdade". No Rio Grande do Sul, candidatos foram retirados do ar. O importante não é a resposta: Serra e Ciro brigam, os dois ganham e os advogados fazem acordo em Brasília para que um não ocupe o espaço do outro...
A guerra jurídica dos "direitos de resposta" é um sinal claro e extemporâneo de paternalismo. Parece eleição de grêmio juvenil. Que os candidatos se triturem no horário gratuito e que a imprensa cumpra seu papel. Ou o eleitor não sabe votar?

E-mail
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LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO, advogado criminal e articulista da Folha, escreve às quartas nesta coluna



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