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JANIO DE FREITAS
Poder da corrupção
Ainda não nos demos conta,
mas, convenhamos, o afastamento do presidente da Câmara
de Deputados por um cheque de
R$ 7,5 mil é um vexame nacional.
É a dignidade institucional da
Nação vendida pelo salário mensal de um operário comum da indústria européia. Coisa de país do
submundo. E, no entanto, não foi
obra do acaso, não foi acidental,
um fato gratuito.
A realidade é que o Congresso e
os sucessivos governos se têm
coordenado para preservar as
imoralidades políticas, eleitorais
e parlamentares, nem se falando
nas administrativas com suas licitações, privatizações e tantos outros "ões". Neste momento desenrolam-se, à vista de todos mas
sem serem notadas pelo que de fato são, duas ações exemplares de
preservação e proteção das imoralidades.
Em duas semanas mais, expira
o prazo para aprovação, no Congresso, do projeto que se propõe,
entre outros fins, a reduzir o nível
de corrupção financeira já nas
eleições do ano que vem. Não se
viu, porém, movimentação alguma, de partido nenhum, de nenhuma liderança, por providências que facilitassem a votação
em tempo útil. Entenda-se: os
atuais parlamentares serão candidatos no ano que vem.
Eleições se tornaram, no Brasil,
um meio de enriquecimento ilícito. Ninguém menos do que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso, está reconhecendo que a ausência
de rigor da Justiça Eleitoral, no
exame das prestações de contas
dos candidatos, precisa de providências urgentes. Esse sistema
eleitoral de permissividade absoluta na arrecadação de dinheiro,
com pouca ou nenhuma aplicação de rigor fiscalizatório, equivale a uma autorização protetora
para várias ilicitudes, não só propriamente eleitorais. Logo, parlamentares se interessarem por medidas contra tal sistema seria tolher as próprias mãos e diminuir
o próprio bolso, o que só se poderia esperar de poucos deles, bem
poucos. Os governos, por sua vez,
podem empenhar-se pela aprovação do que lhes interessa, mas nenhum até hoje o fez pela moralização política.
Enquanto o projeto de mudanças eleitorais dormita em uma
das filas da Câmara, multiplicam-se as manobras de deputados cuja cassação já está recomendada pelas CPIs dos Correios
e do Mensalão. A primeira manobra possível é a protelação do processo, por via judicial. A outra é a
renúncia antes de posta em exame a cassação. Com a renúncia, o
parlamentar não apenas se poupa do risco de cassação, que o impediria de candidatar-se pelos
próximos oito anos. Preserva o direito de eleger-se já na eleição
vindoura e voltar ao Congresso.
A permissão de retorno na renúncia do indiciado é suficiente
para negar a decência institucional de qualquer Legislativo. É a
garantia da impunidade.
Então o sujeito comete um ou
vários crimes e basta-lhe desistir
do mandato em curso para que
continue reconhecido pelo Congresso como moralmente apto a
integrá-lo? Não é só privilégio: é
conluio, é conivência do legislador com o autor de irregularidade
ou de crime. Truque criado e preservado com a única finalidade
da autoproteção.
Nas práticas agora motivadoras
de possíveis cassações, as CPIs
identificaram vários crimes no recebimento do dinheiro de Valério/ Delúbio - desde fraude e declaração falsa à Justiça Eleitoral
até apropriação indébita de dinheiro. Mas não é necessário
mais do que renunciar ao final do
mandato para ter apagados todos
os crimes. E voltar a compor o
Congresso Nacional. Pelos mesmos meios e com os mesmos fins.
Não fará diferença se o próprio
presidente da Câmara, terceiro
na linha de sucessão presidencial,
tiver que renunciar por R$ 7,5
mil. Daqui a apenas 13 meses poderá estar de volta à Câmara e ao
seu restaurante predileto no Congresso.
Essa realidade não se modificará enquanto não houver um forte
movimento social para forçar o
Congresso a tornar menos imorais as práticas eleitorais e políticas.
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