São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

Texto Anterior | Índice

EXUBERÂNCIA ELEITORAL

O infarto do país, juros e pontes de safena

VINICIUS TORRES FREIRE

Ninguém pode se curar de um infarto começando um programa de corridinhas matinais antes de passar pela faca e de ganhar umas pontes de safena. O Brasil está infartado, entre outras coisas porque sua economia não cresce, não dá suas caminhadas, que dirá corridinhas, e porque se entupiu do colesterol da dívida do governo e dos déficits externos.
Parece pois devaneio querer que o país escape da faca dolorosa do corte dos gastos públicos e de um regime insosso antes de voltar a crescer. Mas parece que está se formando um consenso em torno da necessidade de uma longa convalescença, um consenso perigoso e conservadoramente despreocupado com a aflição social e conturbação política que uma recessão pode causar.
Na prática, o Banco Central quase que acaba de impor uma dieta forçada ao país, depois de aumentar a meta da taxa básica de juros de 18% para 21%. É difícil imaginar que as tensões que levaram à elevação dos juros, segundo os argumentos do Banco Central, vão refluir o bastante até o final do ano de modo a permitir um retorno rápido ao patamar já elevado de 18% ao ano.
Se considerada a hipótese até agora muito provável de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há chances altas de continuidade das tensões no início de 2003. Pior, ao menos de início, um governo Lula tende a ficar amarrado aos juros que deve herdar do finado governo FHC. Uma tentativa de relaxar o aperto monetário logo de início pode vir a gerar desconfiança dos inefáveis mercados. Em resumo, o BC como que inoculou no início do próximo governo uma pequena recessão. Mas o país precisa disso?
O tal consenso sobre as pontes de safena do infartado Brasil inclui pois uma alta de juros e recessão para ajudar o país a exportar mais e obter mais dólares (de modo a contornar tanto a crise de confiança como a seca mundial de crédito) e um choque fiscal (corte ainda maior de gastos do governo) a fim de controlar o tamanho da dívida pública e, mais uma vez, a onda de descrédito na solvência do país (idiota ou não, ela existe e é forte).
Mas um choque fiscal forte (economia de gastos de mais de 4% do PIB) tende tanto a abrir espaço para mais exportações como, nesse nível de restrição orçamentária, a conter a economia (embora, dada a heterodoxia "natural" do Brasil, um corte de gastos possa ter, por fim, a virtude de animar a economia por meio do controle de expectativas ruins). De resto, tal choque terá o dom de quase garantir o restante dos recursos prometidos pelo FMI para 2003, reduzindo ainda mais a hipótese de catástrofe no balanço de pagamentos (isto é, haveria dólares bastantes para pagar os compromissos externos até 2004).
A pressão que resta é a seca de crédito internacional. As empresas do país seriam ainda obrigadas a pagar suas dívidas, em vez de rolá-las; não obteriam empréstimos novos, o que pode provocar mais desvalorização do real.
Mas, considere. Há a probabilidade razoável de que um choque fiscal recoloque o país nos rumos e restaure parte da confiança. Os pagamentos internacionais de 2003 e o acordo com o FMI, deste modo, estariam provavelmente garantidos (não exigindo mais desvalorização cambial para aumentar ainda mais o saldo comercial, desvalorização que está na raiz da inflação). Por que então um choque de juros, arriscar uma recessão e uma alta ainda maior da relação dívida/PIB, para não falar da sempre esquecida aflição popular com mais desemprego e menos programas sociais?


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras


Texto Anterior: Covas puxou Alckmin, e Lula, Genoino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.