|
Texto Anterior | Índice
EXUBERÂNCIA ELEITORAL
O infarto do país, juros e pontes de safena
VINICIUS TORRES FREIRE
Ninguém pode se curar de
um infarto começando um
programa de corridinhas matinais antes de passar pela faca e de
ganhar umas pontes de safena. O
Brasil está infartado, entre outras
coisas porque sua economia não
cresce, não dá suas caminhadas,
que dirá corridinhas, e porque se
entupiu do colesterol da dívida do
governo e dos déficits externos.
Parece pois devaneio querer
que o país escape da faca dolorosa
do corte dos gastos públicos e de
um regime insosso antes de voltar
a crescer. Mas parece que está se
formando um consenso em torno
da necessidade de uma longa
convalescença, um consenso perigoso e conservadoramente despreocupado com a aflição social e
conturbação política que uma recessão pode causar.
Na prática, o Banco Central
quase que acaba de impor uma
dieta forçada ao país, depois de
aumentar a meta da taxa básica
de juros de 18% para 21%. É difícil imaginar que as tensões que levaram à elevação dos juros, segundo os argumentos do Banco
Central, vão refluir o bastante até
o final do ano de modo a permitir
um retorno rápido ao patamar já
elevado de 18% ao ano.
Se considerada a hipótese até
agora muito provável de vitória
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
há chances altas de continuidade
das tensões no início de 2003.
Pior, ao menos de início, um governo Lula tende a ficar amarrado aos juros que deve herdar do
finado governo FHC. Uma tentativa de relaxar o aperto monetário logo de início pode vir a gerar
desconfiança dos inefáveis mercados. Em resumo, o BC como
que inoculou no início do próximo governo uma pequena recessão. Mas o país precisa disso?
O tal consenso sobre as pontes
de safena do infartado Brasil inclui pois uma alta de juros e recessão para ajudar o país a exportar
mais e obter mais dólares (de modo a contornar tanto a crise de
confiança como a seca mundial
de crédito) e um choque fiscal
(corte ainda maior de gastos do
governo) a fim de controlar o tamanho da dívida pública e, mais
uma vez, a onda de descrédito na
solvência do país (idiota ou não,
ela existe e é forte).
Mas um choque fiscal forte (economia de gastos de mais de 4% do
PIB) tende tanto a abrir espaço
para mais exportações como, nesse nível de restrição orçamentária, a conter a economia (embora,
dada a heterodoxia "natural" do
Brasil, um corte de gastos possa
ter, por fim, a virtude de animar a
economia por meio do controle de
expectativas ruins). De resto, tal
choque terá o dom de quase garantir o restante dos recursos prometidos pelo FMI para 2003, reduzindo ainda mais a hipótese de
catástrofe no balanço de pagamentos (isto é, haveria dólares
bastantes para pagar os compromissos externos até 2004).
A pressão que resta é a seca de
crédito internacional. As empresas do país seriam ainda obrigadas a pagar suas dívidas, em vez
de rolá-las; não obteriam empréstimos novos, o que pode provocar
mais desvalorização do real.
Mas, considere. Há a probabilidade razoável de que um choque
fiscal recoloque o país nos rumos
e restaure parte da confiança. Os
pagamentos internacionais de
2003 e o acordo com o FMI, deste
modo, estariam provavelmente
garantidos (não exigindo mais
desvalorização cambial para aumentar ainda mais o saldo comercial, desvalorização que está
na raiz da inflação). Por que então um choque de juros, arriscar
uma recessão e uma alta ainda
maior da relação dívida/PIB, para não falar da sempre esquecida
aflição popular com mais desemprego e menos programas sociais?
VINICIUS TORRES FREIRE, editor de
Dinheiro, escreve às sextas-feiras
Texto Anterior: Covas puxou Alckmin, e Lula, Genoino Índice
|