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PERFIL
Carreira foi marcada por união entre política e direito
DA REDAÇÃO
"Minha maior glória seria morrer aqui, no tribunal do júri." A
frase, proferida por Evandro Lins
e Silva durante um julgamento
em 2000, sintetiza seus 90 anos de
vida, marcados pela dedicação ao
direito e à defesa da legalidade.
Procurador-geral da República e
ministro das Relações Exteriores
do governo João Goulart (1961-1964), Lins e Silva pagou o preço
por suas posições políticas durante o regime militar: em janeiro de
1969, teve sua cadeira de ministro
do STF (Supremo Tribunal Federal) cassada com base no AI-5.
O criminalista só retomou sua
atividade pública durante a redemocratização do país: participou
da campanha das diretas-já, em
1984, e envolveu-se nas discussões
sobre a reforma do Judiciário no
Congresso constituinte. Em 1986,
concorreu a uma vaga no Senado
pelo Rio, pelo PSB, mas ficou em
quarto lugar, com 380 mil votos.
Depois de atuar por décadas na
defesa de presos políticos e criminosos comuns, Lins e Silva assumiu o papel de acusador no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello,
em 1992. O jurista foi o redator do
pedido de afastamento de Collor e
atuou como advogado de acusação no julgamento realizado no
Senado, em 29 de dezembro.
Filho do juiz Raul Lins e Silva, o
jurista nasceu em Parnaíba (PI),
em 18 de janeiro de 1912. Ingressou na Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro em 1929. Formou-se em 1932 e abriu um escritório
especializado em direito penal.
A partir de 1936, atuou gratuitamente na defesa de mais de 2.000
presos políticos no Tribunal de
Segurança Nacional, criado pelo
governo Getúlio Vargas para julgar envolvidos na revolta comunista de 1935 e que teve sua competência ampliada em 1937, com a
decretação do Estado Novo.
Opositor de Vargas, foi um dos
fundadores da UDN (União Democrática Nacional), em 1945, e
integrou a Esquerda Democrática, grupo que deu origem ao Partido Socialista Brasileiro. "O socialismo democrático ainda é a
solução para a humanidade. É a
minha utopia", disse Lins e Silva,
para explicar seu alinhamento à
esquerda, em "O Salão dos Passos
Perdidos", livro de 1997 que reúne
seus depoimentos a pesquisadoras da Fundação Getúlio Vargas.
Nos anos 50, atuou em casos de
destaque, representando personalidades como Ricardo Jafet,
presidente do Banco do Brasil de
1951 a 1953, e Samuel Wainer, diretor do jornal "Última Hora".
Em 1955, articulou a Liga de Defesa da Legalidade, defendendo as
eleições presidenciais em 3 de outubro, que a UDN queria sabotar.
Com Jango
Convidado por João Goulart
(PTB) para uma viagem à China,
Lins e Silva estava em Pequim
com o então vice-presidente
quando foi informado, por um
jornalista chinês, que Jânio tinha
renunciado, em 25 de agosto de
1961: "No primeiro instante, não
acreditei. Tínhamos saído daqui
14 dias antes, com a situação do
governo absolutamente firme",
contou no mesmo depoimento.
Diante da resistência de ministros militares a Jango, sua posse
só foi possível com a aprovação de
emenda constitucional que instituiu o parlamentarismo no país.
Ao assumir a Presidência em setembro de 1961, Jango convidou o
criminalista para o cargo de procurador-geral da República. Nessa função, foi o responsável pela
organização do plebiscito que, em
janeiro de 1963, levou o país de
volta ao sistema presidencialista.
De janeiro a agosto de 1963 foi
chefe do Gabinete Civil de Jango e
ministro das Relações Exteriores.
Indicado por Jango para o Supremo Tribunal Federal, Evandro
Lins e Silva tornou-se ministro do
STF em setembro de 1963. Considerado um dos ministros mais liberais do Tribunal, durante o regime militar concedeu de forma
sistemática habeas corpus a presos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, usada contra
opositores do regime. Em cinco
anos, julgou 5.000 processos.
"Nunca decidimos um processo
contra o movimento militar, nós
decidíamos de acordo com a
Constituição: ninguém podia ficar preso além do prazo legal, ser
perseguido politicamente se não
havia cometido crime", disse em
"O Salão dos Passos Perdidos".
Com sua cassação em 1969, voltou a atuar como advogado nos
anos 70. Um de seus casos mais
polêmicos foi a defesa de Raul
Doca Street, acusado do assassinato da modelo Ângela Diniz,
ocorrido em Búzios. Apesar de
condenado, Doca Street pegou
uma pena de dois anos, o que lhe
dava o direito de continuar em liberdade. Na defesa, o criminalista
argumentou que seu cliente teve
um acesso de ciúmes e que Ângela
tinha satisfação em irritar e enfurecer até o desespero os homens
que por ela se apaixonavam.
Impeachment
Com a colaboração de outros
advogados, Lins e Silva elaborou,
em 1992, o pedido de abertura do
processo de impeachment contra
o ex-presidente Fernando Collor
de Mello, aceito pela Câmara. Os
deputados decidiram, por 441 votos contra 38, aprovar a abertura
do processo de impeachment.
Quando o Senado recebeu a denúncia da Câmara, Lins e Silva foi
designado para atuar como advogado de acusação no processo.
Para fugir às punições, Collor renunciou em 29 de dezembro, mas
mesmo assim o Senado o condenou à inelegibilidade por oito
anos. "Esse episódio, realmente,
foi o coroamento da minha profissão. Deus foi parcial e faccioso
comigo, porque [...], no fim de
minha carreira, me deu a oportunidade de representar o pensamento do meu país", declarou.
Em 2000, aos 88 anos, coordenou a defesa de José Rainha Jr. no
processo em que o líder do MST
era acusado de co-autoria em dois
homicídios durante a invasão de
uma fazenda no Espírito Santo
em 1989. Após 31 horas de julgamento, Rainha foi absolvido pelos
jurados por 4 votos a 3.
Neste ano, declarou publicamente seu apoio à candidatura
presidencial do petista Luiz Inácio
Lula da Silva, ao assinar o manifesto "Advogados com Lula".
Ao longo de sua carreira, publicou vários livros sobre direito penal e análises de processos. Ocupava, desde 1998, a cadeira nš 1 da
Academia Brasileira de Letras. Na
eleição que definiu o sucessor do
escritor Bernardo Élis, o jurista teve 20 votos, contra 12 do poeta José Paulo Moreira da Fonseca e 6
da escritora Maria Alice Barroso.
Foi casado com Maria Luísa
Konder Lins e Silva, morta em
1984. Teve quatro filhos.
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