São Paulo, quarta-feira, 18 de dezembro de 2002

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PERFIL

Carreira foi marcada por união entre política e direito

DA REDAÇÃO

"Minha maior glória seria morrer aqui, no tribunal do júri." A frase, proferida por Evandro Lins e Silva durante um julgamento em 2000, sintetiza seus 90 anos de vida, marcados pela dedicação ao direito e à defesa da legalidade. Procurador-geral da República e ministro das Relações Exteriores do governo João Goulart (1961-1964), Lins e Silva pagou o preço por suas posições políticas durante o regime militar: em janeiro de 1969, teve sua cadeira de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) cassada com base no AI-5.
O criminalista só retomou sua atividade pública durante a redemocratização do país: participou da campanha das diretas-já, em 1984, e envolveu-se nas discussões sobre a reforma do Judiciário no Congresso constituinte. Em 1986, concorreu a uma vaga no Senado pelo Rio, pelo PSB, mas ficou em quarto lugar, com 380 mil votos.
Depois de atuar por décadas na defesa de presos políticos e criminosos comuns, Lins e Silva assumiu o papel de acusador no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. O jurista foi o redator do pedido de afastamento de Collor e atuou como advogado de acusação no julgamento realizado no Senado, em 29 de dezembro.
Filho do juiz Raul Lins e Silva, o jurista nasceu em Parnaíba (PI), em 18 de janeiro de 1912. Ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1929. Formou-se em 1932 e abriu um escritório especializado em direito penal.
A partir de 1936, atuou gratuitamente na defesa de mais de 2.000 presos políticos no Tribunal de Segurança Nacional, criado pelo governo Getúlio Vargas para julgar envolvidos na revolta comunista de 1935 e que teve sua competência ampliada em 1937, com a decretação do Estado Novo.
Opositor de Vargas, foi um dos fundadores da UDN (União Democrática Nacional), em 1945, e integrou a Esquerda Democrática, grupo que deu origem ao Partido Socialista Brasileiro. "O socialismo democrático ainda é a solução para a humanidade. É a minha utopia", disse Lins e Silva, para explicar seu alinhamento à esquerda, em "O Salão dos Passos Perdidos", livro de 1997 que reúne seus depoimentos a pesquisadoras da Fundação Getúlio Vargas.
Nos anos 50, atuou em casos de destaque, representando personalidades como Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil de 1951 a 1953, e Samuel Wainer, diretor do jornal "Última Hora". Em 1955, articulou a Liga de Defesa da Legalidade, defendendo as eleições presidenciais em 3 de outubro, que a UDN queria sabotar.

Com Jango
Convidado por João Goulart (PTB) para uma viagem à China, Lins e Silva estava em Pequim com o então vice-presidente quando foi informado, por um jornalista chinês, que Jânio tinha renunciado, em 25 de agosto de 1961: "No primeiro instante, não acreditei. Tínhamos saído daqui 14 dias antes, com a situação do governo absolutamente firme", contou no mesmo depoimento.
Diante da resistência de ministros militares a Jango, sua posse só foi possível com a aprovação de emenda constitucional que instituiu o parlamentarismo no país. Ao assumir a Presidência em setembro de 1961, Jango convidou o criminalista para o cargo de procurador-geral da República. Nessa função, foi o responsável pela organização do plebiscito que, em janeiro de 1963, levou o país de volta ao sistema presidencialista.
De janeiro a agosto de 1963 foi chefe do Gabinete Civil de Jango e ministro das Relações Exteriores. Indicado por Jango para o Supremo Tribunal Federal, Evandro Lins e Silva tornou-se ministro do STF em setembro de 1963. Considerado um dos ministros mais liberais do Tribunal, durante o regime militar concedeu de forma sistemática habeas corpus a presos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, usada contra opositores do regime. Em cinco anos, julgou 5.000 processos.
"Nunca decidimos um processo contra o movimento militar, nós decidíamos de acordo com a Constituição: ninguém podia ficar preso além do prazo legal, ser perseguido politicamente se não havia cometido crime", disse em "O Salão dos Passos Perdidos".
Com sua cassação em 1969, voltou a atuar como advogado nos anos 70. Um de seus casos mais polêmicos foi a defesa de Raul Doca Street, acusado do assassinato da modelo Ângela Diniz, ocorrido em Búzios. Apesar de condenado, Doca Street pegou uma pena de dois anos, o que lhe dava o direito de continuar em liberdade. Na defesa, o criminalista argumentou que seu cliente teve um acesso de ciúmes e que Ângela tinha satisfação em irritar e enfurecer até o desespero os homens que por ela se apaixonavam.

Impeachment
Com a colaboração de outros advogados, Lins e Silva elaborou, em 1992, o pedido de abertura do processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, aceito pela Câmara. Os deputados decidiram, por 441 votos contra 38, aprovar a abertura do processo de impeachment.
Quando o Senado recebeu a denúncia da Câmara, Lins e Silva foi designado para atuar como advogado de acusação no processo. Para fugir às punições, Collor renunciou em 29 de dezembro, mas mesmo assim o Senado o condenou à inelegibilidade por oito anos. "Esse episódio, realmente, foi o coroamento da minha profissão. Deus foi parcial e faccioso comigo, porque [...], no fim de minha carreira, me deu a oportunidade de representar o pensamento do meu país", declarou.
Em 2000, aos 88 anos, coordenou a defesa de José Rainha Jr. no processo em que o líder do MST era acusado de co-autoria em dois homicídios durante a invasão de uma fazenda no Espírito Santo em 1989. Após 31 horas de julgamento, Rainha foi absolvido pelos jurados por 4 votos a 3.
Neste ano, declarou publicamente seu apoio à candidatura presidencial do petista Luiz Inácio Lula da Silva, ao assinar o manifesto "Advogados com Lula".
Ao longo de sua carreira, publicou vários livros sobre direito penal e análises de processos. Ocupava, desde 1998, a cadeira nš 1 da Academia Brasileira de Letras. Na eleição que definiu o sucessor do escritor Bernardo Élis, o jurista teve 20 votos, contra 12 do poeta José Paulo Moreira da Fonseca e 6 da escritora Maria Alice Barroso.
Foi casado com Maria Luísa Konder Lins e Silva, morta em 1984. Teve quatro filhos.


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