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PREVIDÊNCIA
No caso argentino, mudanças são tidas como causa da crise econômica
Reformas na Argentina e no Chile tiveram custo elevado
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES
As reformas da seguridade social no Chile e na Argentina são
um exemplo do tamanho do vespeiro com o qual o governo brasileiro terá de lidar para fazer a reforma da Previdência.
No Chile, a reforma foi feita há
21 anos, pelo governo militar, sem
muitas contestações. Apesar de
ser considerada exitosa, o país
ainda paga os custos da mudança.
Na Argentina, o sistema foi reformado em 1994. Em 1999, o déficit da Previdência já era apontado como uma das causas do colapso econômico do país.
O regime argentino
A reforma argentina é a que
mais se aproxima do modelo que
o governo brasileiro quer implantar: uma Previdência pública e
universal, com um benefício com
um teto máximo, que pode ser
complementado pela previdência
privada.
Como no Brasil, os argentinos
tinham vários sistemas diferentes.
Muitas Províncias possuíam um
sistema de aposentadorias para os
funcionários públicos locais, os
funcionários públicos federais tinham outro, havia regimes diferenciados para juízes, militares e
legisladores.
O governo unificou a Previdência, mas não conseguiu criar um
sistema público completamente
universal. Alguns setores -juízes
e legisladores, por exemplo-
continuam com regimes diferenciados e há Províncias com sistemas próprios.
O segundo passo da reforma no
país foi criar o sistema privado de
seguridade, sob o regime de capitalização: cada trabalhador contribuiu para uma conta individual
que financiará seu benefício mensal quando ele se aposentar. Os
trabalhadores podiam também
optar entre ficar apenas com o sistema público ou complementá-lo
com o privado.
"O problema da transição é que
ela pode custar caro. O governo
tem que economizar recursos para pagar as aposentadorias dos
trabalhadores que ficam no sistema antigo", diz Fabio Bertranou,
especialista em seguridade social
da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
A reforma argentina começou a
naufragar já em 1996: as receitas
diminuíam porque parte das contribuições migrava para o sistema
privado e o desemprego aumentava. Ironicamente, o último ano
de equilíbrio nas contas da Previdência foi 1993, o ano que precedeu a reforma.
Círculo vicioso
O governo então entrou em um
ciclo vicioso: se endividava para
pagar os benefícios da Previdência, a dívida aumentava e, para rolá-la, o governo se endividava
mais. Em 1998, o país entrou em
recessão, e os recursos para a Previdência continuavam minguando e não acompanhavam a necessidade de gastos anuais. Já, em
1999, voltava-se a falar em reformar o sistema.
No ano passado, o sistema público pagou 17,2 bilhões de pesos
(cerca de R$ 17,2 bilhões) em benefícios e arrecadou apenas 10 bilhões de pesos. O déficit representa 2,4% do PIB (Produto Interno
Bruto) argentino.
"Resta saber se a crise fiscal é
causa ou efeito da reforma. Eu
acredito que grande parte da crise
foi causada pela transição", diz
Bertranou.
Os trabalhadores que migraram
para o setor privado também foram engolidos pela crise.
Primeiro, os custos altos do sistema corroeram suas economias.
De cada 10 pesos que eram depositados no sistema, apenas cerca
de 6,80 pesos entravam nas contas
individuais de capitalização; os
3,20 restantes pagavam as taxas
das seguradoras.
Hoje, o sistema está virtualmente quebrado e depende do governo: 65% dos recursos dos fundos
estão aplicados em títulos do governo argentino que, em janeiro,
declarou moratória.
Êxito no Chile
No Chile, a reforma teve mais
sucesso. Mas foi feita há 21 anos
sob um regime militar. "Assim os
privilégios foram eliminados sem
resistência política", afirma Bertranou.
Ele aponta, porém, um sinal de
que sempre existem grupos de
pressão que mantêm seus privilégios: no caso chileno, foram os
próprios militares.
"Tenta-se eliminar [os privilégios" numerosas vezes, mas sempre ressurgem como a ave Fênix",
diz Bertranou.
O país privatizou completamente o sistema previdenciário.
Todos os trabalhadores têm hoje
contas individuais em regime de
capitalização.
Mas o governo terá que arcar
com os custos dos trabalhadores
que já tinham benefícios.
Atualmente, 21 anos depois da
reforma, esses benefícios custam
ao governo chileno cerca de 5%
do PIB do país. Para ter uma idéia,
no caso do Brasil, isso significaria
gastar cerca de R$ 50 bilhões todos os anos.
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