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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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PREVIDÊNCIA

No caso argentino, mudanças são tidas como causa da crise econômica

Reformas na Argentina e no Chile tiveram custo elevado

MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

As reformas da seguridade social no Chile e na Argentina são um exemplo do tamanho do vespeiro com o qual o governo brasileiro terá de lidar para fazer a reforma da Previdência.
No Chile, a reforma foi feita há 21 anos, pelo governo militar, sem muitas contestações. Apesar de ser considerada exitosa, o país ainda paga os custos da mudança.
Na Argentina, o sistema foi reformado em 1994. Em 1999, o déficit da Previdência já era apontado como uma das causas do colapso econômico do país.

O regime argentino
A reforma argentina é a que mais se aproxima do modelo que o governo brasileiro quer implantar: uma Previdência pública e universal, com um benefício com um teto máximo, que pode ser complementado pela previdência privada.
Como no Brasil, os argentinos tinham vários sistemas diferentes. Muitas Províncias possuíam um sistema de aposentadorias para os funcionários públicos locais, os funcionários públicos federais tinham outro, havia regimes diferenciados para juízes, militares e legisladores.
O governo unificou a Previdência, mas não conseguiu criar um sistema público completamente universal. Alguns setores -juízes e legisladores, por exemplo- continuam com regimes diferenciados e há Províncias com sistemas próprios.
O segundo passo da reforma no país foi criar o sistema privado de seguridade, sob o regime de capitalização: cada trabalhador contribuiu para uma conta individual que financiará seu benefício mensal quando ele se aposentar. Os trabalhadores podiam também optar entre ficar apenas com o sistema público ou complementá-lo com o privado.
"O problema da transição é que ela pode custar caro. O governo tem que economizar recursos para pagar as aposentadorias dos trabalhadores que ficam no sistema antigo", diz Fabio Bertranou, especialista em seguridade social da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
A reforma argentina começou a naufragar já em 1996: as receitas diminuíam porque parte das contribuições migrava para o sistema privado e o desemprego aumentava. Ironicamente, o último ano de equilíbrio nas contas da Previdência foi 1993, o ano que precedeu a reforma.

Círculo vicioso
O governo então entrou em um ciclo vicioso: se endividava para pagar os benefícios da Previdência, a dívida aumentava e, para rolá-la, o governo se endividava mais. Em 1998, o país entrou em recessão, e os recursos para a Previdência continuavam minguando e não acompanhavam a necessidade de gastos anuais. Já, em 1999, voltava-se a falar em reformar o sistema.
No ano passado, o sistema público pagou 17,2 bilhões de pesos (cerca de R$ 17,2 bilhões) em benefícios e arrecadou apenas 10 bilhões de pesos. O déficit representa 2,4% do PIB (Produto Interno Bruto) argentino.
"Resta saber se a crise fiscal é causa ou efeito da reforma. Eu acredito que grande parte da crise foi causada pela transição", diz Bertranou.
Os trabalhadores que migraram para o setor privado também foram engolidos pela crise.
Primeiro, os custos altos do sistema corroeram suas economias. De cada 10 pesos que eram depositados no sistema, apenas cerca de 6,80 pesos entravam nas contas individuais de capitalização; os 3,20 restantes pagavam as taxas das seguradoras.
Hoje, o sistema está virtualmente quebrado e depende do governo: 65% dos recursos dos fundos estão aplicados em títulos do governo argentino que, em janeiro, declarou moratória.

Êxito no Chile
No Chile, a reforma teve mais sucesso. Mas foi feita há 21 anos sob um regime militar. "Assim os privilégios foram eliminados sem resistência política", afirma Bertranou.
Ele aponta, porém, um sinal de que sempre existem grupos de pressão que mantêm seus privilégios: no caso chileno, foram os próprios militares.
"Tenta-se eliminar [os privilégios" numerosas vezes, mas sempre ressurgem como a ave Fênix", diz Bertranou.
O país privatizou completamente o sistema previdenciário. Todos os trabalhadores têm hoje contas individuais em regime de capitalização.
Mas o governo terá que arcar com os custos dos trabalhadores que já tinham benefícios.
Atualmente, 21 anos depois da reforma, esses benefícios custam ao governo chileno cerca de 5% do PIB do país. Para ter uma idéia, no caso do Brasil, isso significaria gastar cerca de R$ 50 bilhões todos os anos.


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