UOL

São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NO PLANALTO

Livro de Tarso Genro explicita o drama do PT no governo

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Roberto Campos disse-me certa vez que teria gosto de ver a esquerda no Planalto. "Parece que teremos de provar do veneno para chegar ao antídoto." Achava que o Brasil não tinha democracia. Tinha uma "surubocracia anarco-sindicalista".
Guru da direita, Campos saboreou o ocaso do socialismo real. Desceu à cova com um halo de profeta sobre a calva. Foi-se, porém, antes da consagração petista.
Vivo, talvez festejasse a constatação de que, sob o ex-sindicalista Lula, o Brasil da mudança continua no cercadinho do mercado. O país ainda não tem democracia. Tem agora uma "surubocracia anarco-financista".
Elegem-se representantes para que finjam governar. Na verdade, sancionam o modelo consentido pelo capital. Um drama da pós-modernidade bem retratado em livro de título sugestivo: "Crise da Democracia" (Editora Vozes, 2002). Escreveu-o Tarso Genro.
Em países "semiperiféricos" como Brasil e Argentina, anotou Genro, "todo o proveito da democracia foi apropriado por pequenos segmentos das elites locais". O autor não renega a democracia, "forma mais adequada para viabilizar as relações contratuais de natureza política". Mas advoga uma "modernização" institucional.
Prega a "combinação da representação com a democracia direta". Um modo de promover a "legitimação permanente dos conflitos", obtendo "consensos provisórios". Menciona plebiscitos, referendos e consultas. Fala em conselhos e comissões de controle.
A incapacidade regulatória do Estado seria compensada pela radicalização do que Genro chama de "cidadania ativa". Não por acaso, Lula confiou-lhe a coordenação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Pragmático, Genro monta um conselho que, embora diverso, terá representação empresarial vitaminada. As chamadas "reformas" chegarão ao Congresso com o selo desse microcosmo da sociedade.
O Brasil experimenta, nas palavras de Genro, um "novo colonialismo". A alta finança, com "seu imenso poder tutelar", legisla "de fora", exigindo do Estado "o ajustamento do direito interno às necessidades do capital financeiro transnacional". Governos que ousam opor resistência são "asfixiados".
A base da nova ordem é, para Genro, "a submissão" ao modelo que tem como "Estado-nação-gestor os EUA". A "ditadura da economia" promove a "despolitização e espetacularização da política".
Há um "clamor pela flexibilização de direitos". "Os excluídos deixam de contar como cidadãos. Passam a ser alvos de políticas de compensação."
Advogado, Genro enxerga uma crescente privatização do direito do trabalho. "A extinção de direitos passa a ser uma simples adaptação das relações de trabalho à acumulação predatória do capital volátil." "Do destino que daremos a este impasse muito dependerá a capacidade de resistência à barbárie", uma "acumulação sem trabalho".
O PT tem a chance de provar que é o antídoto, não o veneno. Por ora, o novo governo apenas se submete à "barbárie", num suposto processo de transição para o Brasil utópico do humanismo redivivo.
O barulho que se ouve ao fundo não é o ruído de Roberto Campos revirando no túmulo. É o som dos aplausos do capital à movimentação estudada e cuidadosa de Antonio Palocci Filho.


Texto Anterior: Assessor diz que promoção de fiscal foi "natural"
Próximo Texto: Panorâmica: Nordeste: Wilma de Faria articula reunião de governadores com Ciro Gomes para debater seca
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.