São Paulo, domingo, 19 de março de 2000


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AVANÇA BRASIL
Estradas previstas na Amazônia podem reeditar padrão de desmatamento nos próximos 30 anos
Plano ameaça 180 mil km2 de florestas

MARCELO LEITE
Editor de Ciência

Imagine uma área de floresta do tamanho de dois países como Portugal. É o que a ex-colônia Brasil pode estar condenando à destruição, nos próximos 20-30 anos, se levar a cabo a recuperação e a pavimentação de apenas quatro estradas do programa Avança Brasil, do governo Fernando Henrique Cardoso.
A previsão foi feita por três organizações não-governamentais, como seria de prever. Três ONGs de renome científico, porém. Duas são brasileiras: o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam, com sede em Belém do Pará) e o Instituto Socioambiental (ISA, de São Paulo). A terceira é o Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC, em inglês), de Massachusetts (EUA).
As quatro estradas são a Cuiabá-Santarém (BR-163), Humaitá-Manaus (BR-319), Transamazônica (BR-230, trecho Marabá-Rurópolis) e Manaus-Boa Vista (BR-174). Um total de 3.500 km de rodovias, que dariam acesso a centenas de milhares de quilômetros quadrados de floresta, boa parte dela intocada, ou quase.
Pior, ainda: algumas dessas florestas são muito sujeitas a incêndios, como nos anos de seca provocada pelo fenômeno El Niño (veja mapa). O efeito do último, de 1997-98, não pôde ainda ser avaliado em detalhe porque o governo não divulgou os dados oficiais de desmatamento de 1999, normalmente fechados no começo do ano pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

No Banco Mundial
O estudo das ONGs foi obtido com exclusividade pela Folha. Será divulgado hoje pela Internet (www.ipam.org.br). Na quinta-feira passada, foi apresentado no Banco Mundial (Bird), em Washington, por Daniel Nepstad, ecólogo do WHRC, em reunião que contou com a presença de um representante da área de ambiente da Embaixada do Brasil nos EUA.
"Esse trabalho apresenta uma nova visão abrangente das ameaças ao desenvolvimento sustentável da Amazônia", diz Thomas Lovejoy, consultor-chefe de biodiversidade do Banco Mundial, que convidou Nepstad a fazer a apresentação. "Ao reunir vários elementos, fica claro que os projetos do Avança Brasil, não modificados, serão como acender um fósforo sobre a Amazônia."
O Banco Mundial está realizando um processo de consulta, em vários países, sobre sua política para florestas. O Bird quase não financia mais projetos em florestas tropicais, política restritiva adotada em 1991, depois das críticas recebidas por conta de desastres como o da rodovia BR-364, em Rondônia, nos anos 70-80. Ali se originaram as agora clássicas imagens de satélite com desmatamento tipo "espinha-de-peixe" (nos ramais perpendiculares ao eixo da estrada asfaltada).
Lovejoy é uma das maiores autoridades do mundo em Amazônia. Tem três décadas de pesquisa no Brasil, sobre a dinâmica de florestas quando reduzidas a fragmentos, projeto que coordenou em parceria com cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dirigiu o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) dos EUA de 1973 a 1987.
"Prevejo que partes do trabalho serão questionadas. Isso é normal, mas será aceito no final", afirma Lovejoy. "Acredito que há toda razão para esperar que o desmatamento suceda a pavimentação das estradas: essa é a história na Amazônia e outros lugares e só um esforço maciço poderia prevenir isso-o que é improvável, por causa dos fundos limitados."


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