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TERRA À VISTA
A caminho de Porto Seguro
CONTARDO CALLIGARIS
Colunista da Folha
Porto Seguro - Parece que foi
inventada uma língua especial
para os 500 anos. Chama-se
precaucionês. Ninguém quer
anunciar ou mencionar (celebrar nem se fala) o aniversário
dos 500 anos sem primeiro prevenir a platéia contra qualquer
explosão de ufanismo maníaco. É assim: "Fique bem frio,
que não há nada para celebrar;
de qualquer jeito, não aconteceu nada de importante. Se algo aconteceu, foi muito errado
e deu em algo pior ainda." Todos parecem preocupados com
a "versão oficial". Só que, à primeira vista, a verdadeira versão
unânime e oficial parece ser
justamente o precaucionês que
manda desconfiar da "versão
oficial". Ainda não encontrei
manifestações (oficiais ou não)
de entusiasmo cego que justifiquem atitudes tão precavidas.
Temos razões acumuladas
para desconfiar do que é "oficial". No balanço dos 500 anos,
a administração pública não
sai muito bem na foto.
Mas nem tudo o que é coletivo é oficial. Concordemos que,
depois de 500 anos, ainda não
está consolidado o sentimento
de um destino comum e solidário. Nessa condição, será que
podemos nos dar ao luxo de renunciar a compartilhar um
aniversário?
Venho para São Paulo de
TAM. O aniversário é lembrado (ninguém se alarme: sem
entusiasmos excessivo) por
uma carta do presidente da
companhia etc. Converso
commeus vizinhos de vôo: o
aniversário é do Descobrimento ou do Brasil? Meus interlocutores não querem festejar o
Descobrimento, que foi uma
catástrofe para os índios. Se
fosse do Brasil, seria diferente,
mas é do Descobrimento.
Não entendo direito. O aniversário de alguém é no dia do
nascimento, mas comemora
sua vida toda, soleniza o quese
tornou, bem ou mal. É por isso
que eventualmente celebramos o aniversário da morte de
um próximo, mas nunca o aniversário de um morto.
O precaucionês quer evitar a
auto-satisfação babaca, que
obviamente não cabe. Mas
quem disse que um aniversário
deve ser um momento de exaltação auto-satisfeita? Os aniversários são ocasiões de encarar a realidade, revisar o percurso, constatar os erros e projetar os remédios. As marchas
dos índios e do MST (com as
500 invasões projetadas), por
mais que os organizadores receiem que elas atrapalhem a
ordem, fazem parte dos "festejos". Que aniversário seria para
o Brasil se nessa ocasião não
pudesse pensar seus fracassos
como comunidade, se não se
confrontasse com as caras de
seus excluídos?
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