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Fim da Lei de Imprensa joga milhares de ações no vácuo
Especialistas discutem se processos devem ser extintos ou julgados a partir de outras leis
Para Marcelo Nobre, do CNJ, processos concluídos não podem voltar à discussão, mas os demais são passíveis de questionamento judicial
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Com a revogação total da Lei
de Imprensa, discute-se hoje o
destino de milhares de ações
contra jornalistas, espalhadas
por tribunais de todo o país.
Enquanto uns pregam a extinção de todos os processos,
outros defendem a aplicação de
dispositivos correlatos existentes em outras leis e códigos.
Especialistas ouvidos pela
Folha concordam que a decisão dos ministros do Supremo
Tribunal Federal de abolir, por
7 votos a 4, a Lei de Imprensa
(criada pelo regime militar, em
1967), deixou um vácuo jurídico. Não está claro como devem
ser conduzidos pelos juízes os
casos iniciados na antiga lei.
Como o STF apontou a incompatibilidade entre a lei especial, de 1967, e a Carta, de
1988, criou-se uma dúvida sobre a legalidade de ações sentenciadas nos últimos 21 anos.
"Com a decisão do STF, não
existe mais a Lei de Imprensa e,
portanto, as ações baseadas nas
antigas regras devem ser extintas. A simples recapitulação da
lei com base em outras leis gerais é ruim. A Lei de Imprensa
tinha regulamentações e prazos muito específicos. Em razão de o Supremo não ter modulado os efeitos de sua decisão, não há alternativas e [a
ação] deve ser extinta", diz
Marcelo Nobre, conselheiro do
Conselho Nacional de Justiça.
Processos concluídos, mesmo após a promulgação da
Constituição, não podem voltar
à discussão, diz Nobre. Mas os
que estão em andamento são
passíveis de questionamentos
na Justiça. Foi o que aconteceu
recentemente em São Paulo.
Uma emissora de TV foi condenada a divulgar o direito de resposta de um promotor. A TV
recorreu dizendo que não cabe
o cumprimento da ordem, já
que a Lei de Imprensa foi abolida. O caso ainda não foi julgado.
Cautela
Para o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, que representa, entre outros, o jornal
"O Estado de S. Paulo", a tendência é a de os juízes agirem
com cautela, suspendendo o
julgamento de uma ação sem
extingui-la de pronto, até uma
definição mais clara do STF.
Apesar de a Corte já ter julgado o caso, o PDT, por meio do
deputado federal Miro Teixeira
(PDT-RJ), que iniciou o debate,
pode apresentar recurso pedindo mais detalhes aos ministros.
"O fim da lei especial criou
um vácuo jurídico muito grande, a ponto de hoje ninguém saber direito como os processos
serão julgados, se com base em
um paralelismo com as leis
existentes ou com o arquivamento", diz Manuel Alceu. Para
ele, outras decisões de ministros do STF têm demonstrado
que, em casos em que existe
uma correlação com outras leis,
estas deverão ser aplicadas.
Exemplo: os crimes contra a
honra (difamação, injúria e calúnia) extintos na Lei de Imprensa também existem no Código Penal, mas com diferentes
penas e prazos de prescrição.
"A diferença de tratamento é
um problema. Na Lei de Imprensa havia a prova da verdade [que mostra não haver crime
se o fato noticiado é real], se o
suposto ofendido fosse funcionário público ou autorizasse a
produção da prova. No código
só existe para a autoridade pública", afirma Manuel Alceu.
Direito de resposta
Situação mais complexa é a
questão do direito de resposta
concedido a quem se sinta injustamente atingido pelo noticiário. No lugar das detalhadas
regras da Lei de Imprensa, há
agora uma única menção ao
instrumento na Constituição.
"O direito de resposta, que
era muito utilizado, não existe
no direito comum. A citação na
Constituição é muito genérica.
Não há mais uma regulamentação específica que fale sobre o
cabimento ou como deve ser
aplicada", diz o advogado Lourival J. Santos, diretor jurídico
da Aner (Associação Nacional
dos Editores de Revistas).
Esse foi o ponto mais debatido pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, na sessão de 31 de
abril: ele defendeu a manutenção do direito de resposta, dizendo que os "problemas serão
enormes e variados" para os
juízes de primeiro grau por falta de regras claras. Mas a maioria da Corte não concordou.
A decisão do STF tem estimulado uma discussão sobre o
fim dos crimes de imprensa ou
sua redefinição legal. Em uma
queixa-crime que tramita em
Matão (SP), um radialista, processado por injúria e difamação
pela Lei de Imprensa, pediu a
extinção do caso alegando que a
ofensa deixou de ser crime com
o fim da lei. O juiz suspendeu
temporariamente o julgamento, na expectativa de uma definição mais clara da lei.
Para o advogado Roberto
Delmanto Júnior, a alegação é
descabida. O criminalista sustenta que a revogação da Lei de
Imprensa pelo Supremo não
muda o que já era definido como crime no Código Penal.
"Os crimes não foram criados
pela Lei de Imprensa. Eles já
existiam com o Código Penal,
desde 1940. Com o fim da lei especial, esses fatos simplesmente voltam a ser julgados pelo código", afirma Delmanto Júnior.
O advogado José Roberto
Leal compartilha da mesma
opinião. "Quando foi criada, a
Lei de Imprensa revogou a lei
normal. Agora, com a revogação da lei especial, volta a prevalecer a lei normal. O ordenamento jurídico prevê isso."
Para Taís Gasparian, advogada da Folha, somente a longo
prazo serão sentidas as mudanças. Na área cível, diz ela, a
maioria dos processos se baseia
na Lei de Imprensa, na Constituição e no Código Civil. "Não
houve nenhuma alteração até
agora. Contudo, acho cedo para
termos essa avaliação, pois a
decisão do STF é muito recente, e o Judiciário, lento."
Luiz de Camargo Aranha Neto, advogado das Organizações
Globo, afirma que a revogação
da lei vai atingir mais os processos criminais. "Nas ações de
indenização sempre são citadas a Constituição ou o Código
Civil, o que não justificaria a
suspensão desses casos."
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