São Paulo, sexta-feira, 19 de junho de 2009

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Índios afirmam que foram torturados pela PF na Bahia

Exames de corpo de delito apontam que indígenas receberam choques elétricos

PF diz que usou instrumento de choque para imobilizar indígenas que resistiram à prisão; conflito ocorreu após índios ocuparem fazenda

LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Cinco índios da etnia tupinambá afirmam ter sido torturados pela Polícia Federal em uma fazenda no sul da Bahia. Em relato feito ao Ministério Público Federal, ao qual a Folha teve acesso, os indígenas disseram ter recebido choques elétricos nas costas e em órgãos genitais, além de tapas e chutes. Contaram ainda que foram pisoteados e ameaçados de morte pelos policiais.
Eles participaram de um confronto com a PF, no último dia 2, em uma região que compreende parte dos municípios baianos de Ilhéus, Buerarema e Una, local da fazenda.
Os ferimentos dos índios foram avaliados em um exame de corpo de delito realizado quatro dias depois do confronto pelo Departamento de Polícia Técnica da Polícia Civil do Distrito Federal, para onde os cinco foram levados para depor.
A Folha também teve acesso ao documento, que confirma choques elétricos no pênis de um dos índios e na região lombar de dois deles.
Segundo o laudo, as lesões "elétricas", exibidas em fotos, foram "provocadas por meio cruel". "As lesões em par descritas são, portanto, típicas desse tipo de instrumento, ou seja, são geralmente encontradas em casos desse tipo de trauma [provocado por choques elétricos]", diz o texto, assinado por dois peritos.
A Polícia Federal afirma ter usado um instrumento de choque, chamado taser, para imobilizar os índios, que, segundo o órgão, estavam com facões e resistiram à prisão.
Um inquérito foi aberto para apurar o caso e será acompanhado pela Procuradoria da República em Ilhéus.

Relatos
Não há notícias anteriores, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de índios torturados pela Polícia Federal.
O relato dos índios à procuradora Luciana Loureiro Oliveira é uniforme. Disseram que faziam parte de um grupo de 80 índios que invadiram a fazenda localizada em uma área reconhecida pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em abril como terra indígena.
Contaram que a PF (seriam de 10 a 15 homens), acompanhada do proprietário do local, os abordou com violência. A PF diz que 13 homens participaram da ação, oito deles integrantes do Comando de Operação Táticas, a tropa de elite da corporação.
Com exceção dos cinco detidos, os índios conseguiram fugir, como também relatou a polícia. Os cinco dizem que receberam gás de pimenta nos olhos e foram imobilizados.
Depois, teriam sido levados para uma casa de secagem de cacau na fazenda, onde teria ocorrido a tortura. "Não dava para ver qual era o instrumento do choque, mas dava para sentir o corpo todo tremendo", disse um dos índios no depoimento ao Ministério Público.
Os índios disseram que foram depois levados para a delegacia de Ilhéus, onde prestaram depoimento antes de serem liberados.

Conflitos
O sul da Bahia tem um histórico de conflitos envolvendo índios, principalmente das etnias tapaxó, tapaxó hã-hã-hãe e tupinambá. Um dos casos notórios ocorreu em Porto Seguro, em 2000, durante as comemoração dos 500 anos do Brasil.
Há pelo menos dez anos os tupinambás reivindicam a demarcação e a posterior homologação daquela faixa de terra como indígena, sob resistência dos produtores locais. Estima-se que na área, de 47 mil hectares, haja mais de 500 propriedades, entre pequenas chácaras, fazendas (de gado e cacau, por exemplo) e empreendimentos turísticos.
Nos últimos meses, os conflitos se acirraram a partir do reconhecimento da região como indígena. O processo contudo, está em trâmite, faltando ainda os processos de demarcação e homologação -último passo para a conclusão.


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