São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 2002

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POLÍTICA DA IMAGEM

RENATA LO PRETE

Roupa suja se lava em campanha

Durante seminário realizado em São Paulo no mês de abril, o norte-americano Mark Mckinnon, estrategista da campanha de Bush filho, espiou o cenário eleitoral brasileiro e previu uma reta final com abundância de acusações.
Campanha negativa, dizia, é "mal necessário", especialmente em um quadro que àquela altura já se desenhava bastante competitivo. "Você começa dizendo que não vai fazer e em determinado momento constata que não há outro jeito."
Entende-se por campanha negativa a tentativa de desqualificar o adversário do ponto de vista moral ou administrativo. A estratégia difere da crítica pura e simples pelo tom dos ataques e por seu caráter personalizado.
Como exemplo, Mckinnon trouxe na mala um comercial da eleição de 2000 em que o democrata Albert Gore é chamado de hipócrita por defender causas ambientalistas enquanto, segundo os republicanos, uma fazenda de sua família polui rios no sul dos EUA.
Na mesma linha, é famosa uma peça publicitária da disputa de 1988 entre Bush pai e Michael Dukakis. Ela carimbou no governador de Massachusetts a pecha de leniente com o crime a partir da história de um condenado por homicídio que recebeu autorização da Justiça estadual para passar os fins de semana em liberdade e que, durante uma das licenças, matou uma pessoa.
De volta ao Brasil de 2002, as equipes dos quatro candidatos ao Planalto prometem para o horário gratuito programas "propositivos" e desprovidos de baixaria.
No caso de Lula é mais fácil acreditar. O conforto de sua situação lhe permite, por ora, falar apenas bem de si mesmo, não mal dos outros -ainda que outros petistas tenham incorporado o discurso "pega na mentira", criado pelos tucanos para enfrentar Ciro Gomes.
Também Garotinho, se quiser, poderá ser "propositivo". Os demais não irão desperdiçar munição com ele.
Já José Serra, entre uma proposta e outra, deverá intensificar a ofensiva iniciada com os jingles depreciativos sobre Ciro. Seus programas cuidarão de enumerar mentiras -reais e supostas, relevantes e tolas- do ex-governador do Ceará.
E este, a depender da intensidade do bombardeio, será obrigado a usar pelo menos parte do tempo para revidar.
Não há consenso sobre os efeitos da campanha negativa. O público tende a manifestar rejeição a esse gênero de mensagem, que, no entanto, às vezes se mostra eficaz. Quem conhece as experiências norte-americana e brasileira costuma apontar pelo menos duas diferenças.
Nos EUA, dificilmente o serviço sujo é feito nos comerciais do próprio candidato. Costuma ficar a cargo dos chamados grupos de apoio: pró-armas, antiaborto etc.
E o eleitor brasileiro parece menos propenso a se deixar convencer por críticas. Na definição do voto, argumentos a favor costumam ter mais peso do que os contrários.
"Quem bate, perde", costuma dizer Duda Mendonça. É possível que sim, mas um tucano atormentado poderia responder que é fácil falar quando se tem 37% das intenções de voto.
Em 1994 e 1998, FHC pegou leve com Lula não por ser fino, mas porque não houve necessidade de pegar pesado. Talvez Serra não tenha mais nada a tentar além do tanque de roupa suja.


A repórter Renata Lo Prete escreve às segundas-feiras nesta coluna

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