São Paulo, sábado, 19 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marcelo Coelho

O chuchu e o filé mignon

"DELÍCIA", EXCLAMA Geraldo Alckmin na propaganda eleitoral, diante de um prato indeterminado de verduras, numa sala de almoço interiorana. Ele continua, elogiando a quituteira da infância: "a comida da Inhá é imbatível". Talvez em função do apelido, o fato é que o candidato "chuchu" prodigaliza cenas de ousadia e entusiasmo gastronômicos. Em todo passeio pelas ruas, Alckmin pára num bar de esquina e posa para fotógrafos tomando café ou guaraná, comendo pastel e sanduíche de mortadela. Na TV, faz elogios à cozinha de um restaurante popular, ainda que não se compare às receitas de sua mãe de criação, dona Inhá, a imbatível. Acontece que imbatível, mesmo, parece ser a candidatura Lula a julgar pelos primeiros dias do horário político. Se o PSDB tem esperança de virar o jogo, ou prorrogá-lo para o segundo turno em função de suas mensagens na TV, falta muito para alcançar esse resultado. Claro que ainda há munição de sobra para gastar. Mas, por enquanto, a propaganda alckmista se concentra nas realizações administrativas de seu candidato. No tópico alimentício, por exemplo, o ex-governador paulista menciona a iniciativa do "Bom Prato": 26 restaurantes onde o cidadão encontra refeição a um real. Vinte e seis restaurantes? Num Estado com mais de 40 milhões de habitantes? Enquanto isso, a propaganda de Lula despeja caldeirões de dados positivos: o feijão, a farinha, o tijolo, baixaram tanto e tanto, o salário mínimo compra hoje 2,5 cestas básicas, contra 1,5 do governo anterior... Mais do que de ideais políticos, de teorias de participação democrática, e, evidentemente, muitíssimo mais do que de ética ou coerência programática, fala-se de consumo: do computador e do DVD ao ideal da casa própria e do carrinho na garagem, do filé mignon que determinado trabalhador "comeu pela primeira vez", como relata Lula, à festinha de aniversário que o pequeno lavrador paraibano agora pode fazer para a filha, é disto que se trata e é isto o que Lula enfatiza. O PT desapareceu, os juros desapareceram, a corrupção desapareceu, a ideologia desapareceu: o que conta é o prato de comida, a sobra de dinheiro no fim do mês. O próprio tema dos índices insatisfatórios do PIB, que teria muito a ser explorado por Alckmin, não deixa de embutir certo paradoxo na lógica eleitoral. O candidato do PSDB precisa de mais votos no Nordeste mas é essa a região onde o tema do crescimento econômico tem menor apelo, já que os índices ali registrados são superiores à média brasileira. Bolsa-Família, crédito vinculado, computador popular, ajuda no material de construção. Receita, ao que tudo indica, imbatível, popularíssima. Na comparação, o melhor chuchu do mundo não tem como não sair perdendo.


MARCELO COELHO é colunista da Folha


Texto Anterior: Cartilha do PT ignora mensalão e exagera dados negativos de FHC
Próximo Texto: Eleições 2006/Presidência: Ibope mostra quadro estável, com vitória de Lula no 1º turno
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.