São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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JANIO DE FREITAS

Eles estão vendo tudo

Diante dos documentos internacionais que começam a expor a verdadeira situação do Brasil, depois das reformas neoliberais da Constituição e da economia, o único álibi que os responsáveis pelo resultado clamoroso podem invocar é que "o processo não está concluído". Ao que basta responder: nada está concluído jamais. E a continuação de um processo reconhecidamente desumano e destrutivo, vitimando povo e país, beira a criminalidade política.
As duas etapas do reformismo neoliberal, a primeira com Collor e a segunda com o aprofundamento por Fernando Henrique Cardoso, deram ao Brasil o crescimento médio, de 91 até 98, de 2% ao ano. Pelas contas que mesmo os neoliberais adotam, o crescimento anual precisaria ser de 6%, no mínimo, para conter a crescente condenação de brasileiros ao empobrecimento. É fácil, então, chegar a números que valem por uma condenação: o Brasil cresceu menos de 12% quando precisava e podia ter crescido mais de 50%.
Aí está retratado e explicado o aumento assustador da favelização das cidades, da violência urbana incontrolável, do desemprego, da arrecadação insuficiente para as necessidades da saúde, da educação, da previdência e da infra-estrutura. Naqueles números está a sufocação do industrial brasileiro, está a perda do controle nacional da economia, estão o governo e o Estado esmolando o capital especulativo internacional com os mais altos juros do mundo.
O Brasil que crescia a 7% ao ano entre 50 e 80 e que o Banco Mundial e a Cepal situam agora como caso grave de derrocada com as reformas neoliberais e a globalização, tem prometido para este ano o crescimento de 0%, como dizem os economistas. O que, em linguagem de gente, é ausência de crescimento. O gigante virou anão.
E as crianças da pobreza que estão apresentando índices sempre maiores de doenças e de degenerescência? E as crianças de amanhã? E as famílias que passam da pobreza à miséria, e como consolo o governo Fernando Henrique lhes dá, em vez da antiga cesta básica, um quilo de feijão? E o empobrecimento da classe média? E os dependentes dos desempregados, o que esperar da vida?
Bem, para o presidente e seus tecnocratas isso são apenas estatísticas. Naquelas interrogações não vêem sangue, direitos, fome, sonho, dor -e, felizmente, ira. Mas são também as estatísticas que lhes proporcionam o gozo de ver a outra face da sua obra: 2.000% de lucro em laboratórios farmacêuticos, a maior lucratividade de bancos no mundo, déficit de transações externas elevado a 5% do PIB, 1.000% de aumento na remessa de lucros ou, o que dá no mesmo, de exportação forçada de dinheiro do brasileiro. E por aí abaixo.
Ainda um terceiro documento, esse do Departamento de Estado dos EUA, deu o ar da sua graça e da nossa desgraça. Alerta viajantes americanos para o crescimento da periculosidade em Brasília, decorrente do aumento veloz da população. São migrantes pobres, desesperados, em busca das promessas de oportunidades.
Já no seu primeiro mandato como governador do DF, Joaquim Roriz praticou a política irresponsável de fazer eleitorado com doação de lotes em massa. Para impedir a reeleição de Cristovam Buarque, fez sua campanha (teve o apoio explícito de Fernando Henrique), ano passado, com a promessa de doação de lotes. Antes mesmo de sua posse, levas de migrantes já chegavam a Brasília para fazer a ocupação de áreas urbanas, à espera do lote prometido. A migração não cessa. Mesmo que houvesse o lote, não há trabalho, logo, não há meio normal de sobrevivência. O alerta tem seu motivo.
Joaquim Roriz é um fabricante de favelização. Mas não quer que se fale do mal que fez e volta a fazer a Brasília. E como o "Correio Braziliense" o disse em editorial na quarta-feira, Roriz lançou o que chamou de "um grande desafio", ou o jornal ou ele: "Vou ao povo, vou conclamar a sociedade para não ler esse jornal que está prejudicando essa cidade".
Não lhe basta a intenção insana de acabar com o mais antigo jornal brasileiro. No segundo discurso desse tema, passou a incitar publicamente contra a própria pessoa do diretor do "CB", Ricardo Noblat, de repente exposto a ameaças e provocações como se fosse, mesmo, o grande inimigo dos pretendentes aos lotes da favelização final de Brasília. Já identificado por sua obra de destruição da cidade, Roriz identifica-se, agora, também como o cabeça da periculosidade a que o Departamento de Estado se refere. Já se sabe de quem partiu algo que possa acontecer.
Assim tem sido a obra do neoliberalismo no Brasil, contra o país, contra as cidades, contra as instituições, contra as pessoas. É o que está em documentos internacionais.


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