São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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Insatisfação marca opinião dos ""de bem com a vida"


MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local

Eles estão no topo da pirâmide. Têm sucesso, prestígio, emprego garantido e uma boa conta bancária. Ainda assim, criticam o governo. "Estou assustada", diz a apresentadora Hebe Camargo. "A decepção é geral", diz o escritor João Ubaldo Ribeiro. "Queremos crescer", diz o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva.
A Folha ouviu empresários, artistas, escritores, cientistas políticos, cineastas, jogadores de futebol, advogados e apresentadores de televisão sobre o desempenho do governo. A maioria se incluiu entre os que estão incomodados com a situação do país.
"Aos 70 anos, posso dizer que nunca em minha vida vi os brasileiros em situação tão delicada", diz Hebe. "Empresários que lutaram a vida inteira estão quebrando. O desemprego cresce. O presidente tinha que descer dos palácios e ver a pobreza com seus próprios olhos. Talvez ele tomasse atitudes mais drásticas."
Aos 57 anos, o cineasta Ugo Giorgetti diz que está tão desiludido quanto Hebe. "Parece que a sina do Brasil é se tornar sempre pior do que já era." Giorgetti diz que anda pelas ruas e vê as pessoas cada vez mais miseráveis.
A causa de tudo, acredita, é a submissão do governo a interesses internacionais. "Nunca fomos tão subservientes. Fizemos um acordo maluco com o FMI, que nos obriga a gastar todo o dinheiro nos juros."
O advogado René Dotti, professor da Universidade Federal do Paraná, acredita que, mais do que seguir o FMI, o presidente sofre uma permanente intimidação da equipe econômica. "Ele virou refém dos códigos de dominação dos economistas, que os usam como instrumento de ameaça para dizer que, sem eles, as coisas podem piorar ainda mais."
Dotti diz que a falta de decisão do presidente causa "um sentimento nauseante de insegurança no país". Mais direto, o apresentador Carlos Massa, o Ratinho, diz que "o presidente está muito devagar". Ratinho critica o episódio em que FHC criticou o Congresso para, logo depois, se desculpar.
"Ele não tem que pedir desculpas, tem é que exigir que se vote. Estamos no presidencialismo. O presidente tem que meter o pé na mesa e falar: eu quero e pronto."
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos diz coisa parecida, com palavras distintas. "Sem entrar no mérito do acerto das opções que faz, acho que o governo está trabalhando pouco. Está fazendo mal até mesmo aquilo que se propõe a fazer."
O jogador de futebol Raí não condena a condução da economia, mas sim a falta de uma política social. "Pensei que uma pessoa com as convicções do presidente daria mais importância aos problemas sociais. Faltou um plano radical para essa área, como o que foi feito para a economia."
Há críticas à privatização. "A última decepção, para mim, foi descobrir que as empresas estatais foram vendidas aos estrangeiros em reais, e não em dólares. Saíram baratíssimas", diz o escritor João Ubaldo Ribeiro.
O presidente encontrou uma defensora entusiasmada entre as pessoas entrevistadas pela Folha. A atriz Beatriz Segall acredita que FHC é um político "extremamente corajoso" por "tomar medidas que estão de acordo com a consciência dele e com as necessidades do país". Entre o apoio da atriz e a crítica ácida do músico Tom Zé, para quem FHC significa "a falência da utopia universitária", estão aqueles que podem ser definidos como insatisfeitos, mas otimistas.
É o caso dos empresários, que se dizem empolgados com a nomeação do novo ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias. "O projeto de desenvolvimento deve deslanchar, o que trará enormes benefícios à popularidade do presidente, que chegou ao fundo do poço", diz José Carlos Grubisich, presidente da Rhodia. "Estou insatisfeito com a situação em que a indústria se encontra, mas esperançoso com as possibilidades que se abrem", completa o presidente da Fiesp, Horácio Piva.
O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, do grupo Gerdau, critica a lentidão na aprovação das reformas estruturais, mas se diz otimista. "O cenário externo está melhorando e a estrutura do governo também. Hoje os ministros formam um time de primeira."
A modelo Suzana Alves, a Tiazinha, também se diz otimista. Ela conta que sua vida melhorou e que pelo menos, hoje, a moeda é estável. Acha que o governo está fazendo mudanças importantes, e que as pessoas têm que ser pacientes até que os bons resultados apareçam. "Brasileiro quer tudo muito rápido", diz.
O cineasta Anselmo Duarte, consagrado pelo filme "O Pagador de Promessas", diz que esperou bastante. "Tenho 79 anos. Trabalhei 45 anos, ganhei prêmios, ergui a bandeira do Brasil no mundo todo. Ao longo desse tempo, recolhi vinte salários mínimos para me aposentar com dignidade." Ao contrário dos outros entrevistados pela Folha, o diretor leva uma vida de dificuldades. "Hoje, eu vivo com R$ 1.200,00 por mês." Anselmo Duarte foi convidado para dirigir um filme na França. Pensa em se mudar para lá. "O Brasil está desgovernado", diz.


Colaboraram Ricardo Reviriego e Alexandre Gimenez



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