São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

Historiador teme o retorno do recalque udenista com seus preconceitos contra os pobres e os negros

Falência do governo Lula pode trazer uma "onda reacionária"

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Após uma temporada de dois meses no Brasil em crise, Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, vê por aqui espaço para "uma onda reacionária", impulsionada pela falência do governo Lula e do PT.
Para Alencastro, a eleição do presidente metalúrgico representava uma tentativa de conciliação do país e o resultado negativo da experiência abre espaço para o que ele classifica de "recalque boçal", simbolizado na frase do senador pefelista Jorge Bornhausen (SC) sobre a "raça petista":
"É o retorno do recalque mais boçal do Brasil, da UDN de 1952, que diz que "pobre é pobre porque pobre é burro", que diz "nisso que dá eleger um encanador e uma empregada doméstica para morar no Alvorada", afirmou.
O historiador, que se define como simpatizando do PT e do governo -"Não acredite em cientista político neutro"-, diz que toda a "tribo dos decepcionados" com o governo, como ele, tem sua crônica pessoal da desilusão.
Alencastro narra: o seu mal-estar com o governo começou no discurso de presidente eleito, na avenida Paulista, quando Lula agradeceu os eleitores, o PT e Duda Mendonça. "Já é uma confusão que vem da origem, a idéia de que se pode fazer um contato com o povo por meio da televisão, que se pode entregar mãos e pés. Depois, caixa dois, paraíso fiscal, isso tudo é um pouco conseqüência."
Ele vê na eleição petista, que deu largada ontem, um amadurecimento da vivência política, porque, pela primeira vez, o país estaria acompanhando um debate de idéias interno de um partido -mesmo que a causa disso seja a crise gerada pelo fato de o PT estar no centro do escândalo do "mensalão". "Um partido desse tamanho não acaba de uma hora para outra", diz o historiador.
Alencastro vê uma cenário complicado para Lula em 2006 -pior do que o mostrado pelas pesquisas de opinião. Para ele, as sondagens não captam uma fragilidade que o presidente terá na busca da reeleição: a debandada de aliados e de candidatos fortes petistas nos Estados, responsáveis pela logística de campanha.
Ele concedeu entrevista à Folha na quinta, por telefone. Leia abaixo os principais trechos.

 

Folha - Qual a importância da eleição interna petista?
Luiz Felipe de Alencastro -
Essa eleição é muito importante. Um partido desse tamanho não acaba de uma hora para outra. O que é interessante é que pela primeira vez no Brasil há um acompanhamento pela imprensa e pela opinião pública de uma discussão interna de um partido. Isso nunca houve dentro do PSDB, do PFL, nem se fala da UDN e do PTB. O que havia eram querelas de pessoas, não havia debate de idéias. Mesmo que isso esteja acontecendo pelas más razões, depois de o partido entrar numa crise grave, o PT se expor à opinião pública é um avanço na política do país.

Folha - Mesmo com as manobras de José Dirceu, a saída do Tarso, a divisão das esquerdas?
Alencastro
- Eu pessoalmente lamento a retirada do Tarso Genro. Eu espero que haja uma recomposição mais adiante. Mas o fato de ele ter estado na segunda-feira no ato da refundação, do lado do Raul Pont, e estar havendo uma predominância desse PT do Rio Grande do Sul, que tem mais experiência -eles governaram um Estado importante, coisa que o PT de São Paulo nunca fez. E o PT de São Paulo dominava o partido. Um PT, que, como toda a política paulista, é dominado por querelas, e isso é um ponto que o [cientista político] Wanderley Guilherme dos Santos apontou, uma certa desordem que nasce da política paulista, não porque São Paulo seja mais desordeiro que os outros Estados, mas porque é o Estado mais poderoso, com as situações mais extremadas.

Folha - Como avalia o peso dessa querela paulista na eleição do PT?
Alencastro -
Isso já estava subjacente na eleição da Câmara. A questão de apoiar ou não a reeleição do João Paulo acabou desestabilizando tudo. Na última hora não houve acordo e o [deputado Luiz Eduardo] Greenhalgh foi chamado. É a querela interna paulista que está por trás da eleição do Severino. Mas acho que a presença do Rio Grande do Sul, a presença do Raul Pont e do Tarso na mesma mesa um bom agouro.

Folha - Nesse evento, Marilena Chaui falou do ódio ao PT e disse que o partido foi o principal motor da democracia no país. Concorda?
Alencastro -
Essa frase é retórica política e não deve levar a maiores conseqüências. A única frase grave que houve na crise, e que passou meio batida, é a frase do [senador] Bornhausen [PFL]: "Nós agora vamos nos livrar dessa raça por muitos anos". A maneira de falar da esquerda como raça é um ranço profundo da UDN mais reacionária, de onde o Bornhausen vem, e é isso que está no horizonte de um fracasso do governo Lula e do PT. Não é um retorno da situação anterior, de uma presidência tucana civilizada. É o retorno do recalque mais boçal do Brasil, da UDN de 1952, que diz que "pobre é pobre porque pobre é burro", que diz "nisso que dá eleger um encanador e uma empregada doméstica para morar no Alvorada". Essa é a frase grave.

Folha - Esse clima pode levar a uma onda conservadora?
Alencastro -
Pode levar a uma onda reacionária. Não devemos ter medo das palavras. Reacionária é uma palavra que Joaquim Nabuco usava no abolicionismo, não é só uma palavra de marxista. Essa é uma onda reacionária de raiva de pobre, de raiva de trabalhador, que está no horizonte. Isso é uma coisa que me deixou muito chocado. O risco eleitoral é isso se polarizar em torno do [ex-governador] Garotinho, que é o populismo escrachado. A direita mais inteligente, os conservadores mais inteligentes não têm interesse em ver o PT desaparecer.


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