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ENTREVISTA DA 2ª
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
Historiador teme o retorno do recalque udenista com seus preconceitos contra os pobres e os negros
Falência do governo Lula pode trazer uma "onda reacionária"
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Após uma temporada de dois
meses no Brasil em crise, Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, vê
por aqui espaço para "uma onda
reacionária", impulsionada pela
falência do governo Lula e do PT.
Para Alencastro, a eleição do
presidente metalúrgico representava uma tentativa de conciliação
do país e o resultado negativo da
experiência abre espaço para o
que ele classifica de "recalque boçal", simbolizado na frase do senador pefelista Jorge Bornhausen
(SC) sobre a "raça petista":
"É o retorno do recalque mais
boçal do Brasil, da UDN de 1952,
que diz que "pobre é pobre porque
pobre é burro", que diz "nisso que
dá eleger um encanador e uma
empregada doméstica para morar no Alvorada", afirmou.
O historiador, que se define como simpatizando do PT e do governo -"Não acredite em cientista político neutro"-, diz que
toda a "tribo dos decepcionados"
com o governo, como ele, tem sua
crônica pessoal da desilusão.
Alencastro narra: o seu mal-estar com o governo começou no
discurso de presidente eleito, na
avenida Paulista, quando Lula
agradeceu os eleitores, o PT e Duda Mendonça. "Já é uma confusão
que vem da origem, a idéia de que
se pode fazer um contato com o
povo por meio da televisão, que se
pode entregar mãos e pés. Depois,
caixa dois, paraíso fiscal, isso tudo
é um pouco conseqüência."
Ele vê na eleição petista, que deu
largada ontem, um amadurecimento da vivência política, porque, pela primeira vez, o país estaria acompanhando um debate de
idéias interno de um partido
-mesmo que a causa disso seja a
crise gerada pelo fato de o PT estar no centro do escândalo do
"mensalão". "Um partido desse
tamanho não acaba de uma hora
para outra", diz o historiador.
Alencastro vê uma cenário
complicado para Lula em 2006
-pior do que o mostrado pelas
pesquisas de opinião. Para ele, as
sondagens não captam uma fragilidade que o presidente terá na
busca da reeleição: a debandada
de aliados e de candidatos fortes
petistas nos Estados, responsáveis
pela logística de campanha.
Ele concedeu entrevista à Folha
na quinta, por telefone. Leia abaixo os principais trechos.
Folha - Qual a importância da
eleição interna petista?
Luiz Felipe de Alencastro - Essa
eleição é muito importante. Um
partido desse tamanho não acaba
de uma hora para outra. O que é
interessante é que pela primeira
vez no Brasil há um acompanhamento pela imprensa e pela opinião pública de uma discussão interna de um partido. Isso nunca
houve dentro do PSDB, do PFL,
nem se fala da UDN e do PTB. O
que havia eram querelas de pessoas, não havia debate de idéias.
Mesmo que isso esteja acontecendo pelas más razões, depois de o
partido entrar numa crise grave, o
PT se expor à opinião pública é
um avanço na política do país.
Folha - Mesmo com as manobras
de José Dirceu, a saída do Tarso, a
divisão das esquerdas?
Alencastro - Eu pessoalmente lamento a retirada do Tarso Genro.
Eu espero que haja uma recomposição mais adiante. Mas o fato
de ele ter estado na segunda-feira
no ato da refundação, do lado do
Raul Pont, e estar havendo uma
predominância desse PT do Rio
Grande do Sul, que tem mais experiência -eles governaram um
Estado importante, coisa que o
PT de São Paulo nunca fez. E o PT
de São Paulo dominava o partido.
Um PT, que, como toda a política
paulista, é dominado por querelas, e isso é um ponto que o [cientista político] Wanderley Guilherme dos Santos apontou, uma certa desordem que nasce da política
paulista, não porque São Paulo
seja mais desordeiro que os outros Estados, mas porque é o Estado mais poderoso, com as situações mais extremadas.
Folha - Como avalia o peso dessa
querela paulista na eleição do PT?
Alencastro - Isso já estava subjacente na eleição da Câmara. A
questão de apoiar ou não a reeleição do João Paulo acabou desestabilizando tudo. Na última hora
não houve acordo e o [deputado
Luiz Eduardo] Greenhalgh foi
chamado. É a querela interna
paulista que está por trás da eleição do Severino. Mas acho que a
presença do Rio Grande do Sul, a
presença do Raul Pont e do Tarso
na mesma mesa um bom agouro.
Folha - Nesse evento, Marilena
Chaui falou do ódio ao PT e disse
que o partido foi o principal motor
da democracia no país. Concorda?
Alencastro - Essa frase é retórica
política e não deve levar a maiores
conseqüências. A única frase grave que houve na crise, e que passou meio batida, é a frase do [senador] Bornhausen [PFL]: "Nós
agora vamos nos livrar dessa raça
por muitos anos". A maneira de
falar da esquerda como raça é um
ranço profundo da UDN mais
reacionária, de onde o Bornhausen vem, e é isso que está no horizonte de um fracasso do governo
Lula e do PT. Não é um retorno da
situação anterior, de uma presidência tucana civilizada. É o retorno do recalque mais boçal do
Brasil, da UDN de 1952, que diz
que "pobre é pobre porque pobre
é burro", que diz "nisso que dá
eleger um encanador e uma empregada doméstica para morar no
Alvorada". Essa é a frase grave.
Folha - Esse clima pode levar a
uma onda conservadora?
Alencastro - Pode levar a uma
onda reacionária. Não devemos
ter medo das palavras. Reacionária é uma palavra que Joaquim
Nabuco usava no abolicionismo,
não é só uma palavra de marxista.
Essa é uma onda reacionária de
raiva de pobre, de raiva de trabalhador, que está no horizonte. Isso é uma coisa que me deixou
muito chocado. O risco eleitoral é
isso se polarizar em torno do [ex-governador] Garotinho, que é o
populismo escrachado. A direita
mais inteligente, os conservadores mais inteligentes não têm interesse em ver o PT desaparecer.
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