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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Grampo mostra que delegado Bellini pediu ajuda a Siqueira Neto, do TJ paulista, em inquérito no qual é acusado de agressão

Desembargador intercedeu por delegado

MARIO CESAR CARVALHO
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O desembargador Mariano de Siqueira Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, intercedeu a favor do delegado da Polícia Federal José Augusto Bellini para que ele se livrasse de um inquérito por agressão contra duas mulheres, como revelam as gravações de telefonemas dos dois feitas pela Operação Anaconda.
Siqueira Neto conta numa ligação a Bellini, feita no dia 29 de maio deste ano, às 15h49, que o juiz de São Vicente "tá mandando arquivar o inquérito contra todo mundo hoje", "tá mandando um requerimento para o promotor arquivar". Às 14h59, o desembargador disse, em outro telefonema, ao delegado: "Eu já falei com o juiz lá, ele teve a maior das boas intenções, da [sic] boa vontade".
Numa outra ligação no mesmo dia, de Bellini ao agente da PF César Herman Rodrigues, o primeiro parece encantado com o poder do desembargador: "O Mariano acabou de me ligar. Os caras são foda, né? Ele falou com o juiz, e [o inquérito] já está arquivado".
O juiz Carlos Eduardo Andrade Sampaio, da 3ª Vara Criminal de São Vicente, diz não se lembrar da conversa com o desembargador (leia texto nesta página). O pedido de arquivamento do inquérito foi feito pelo Ministério Público e acatado por Sampaio. A PF suspeita que o desembargador usou o cargo para influenciar a decisão.
O inquérito de São Vicente apurava uma acusação de agressão que teria sido praticada por Bellini, o agente da PF Rodriguez e o advogado Sérgio Chiamarelli Jr..
Em maio do ano passado, os três teriam agredido duas mulheres que trabalhavam num estande que vendia artigos de couro porque uma delas desconfiou do cheque de um dos integrantes do trio.
O trio está preso em São Paulo sob acusação de integrar uma quadrilha que vendia sentenças judiciais, entre outros crimes.
A PF gravou pelo menos seis ligações entre Siqueira Neto e Bellini -cinco das quais partiram do desembargador. O primeiro ocorreu às 13h32 de 29 de maio. O magistrado avisa que não recebeu um certo documento que seria de interesse de Bellini e aproveita para pedir um favor ao delegado, que cuidava da emissão de passaportes em São Paulo: quer que ele ajude uma mulher vinda da Letônia a deixar o país apesar de ter entrado com visto falso e o prazo do visto já ter expirado.
Bellini pede ao desembargador para mandar os documentos da mulher para a sua casa. "Sua casa é na rua Maranhão, né?", pergunta o desembargador. "Não, é Sergipe", corrige Bellini. É na rua Maranhão, curiosamente, que mora o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, acusado de ser um dos mentores do grupo.
Os diálogos gravados flagram o delegado irritadíssimo quando, em vez de só enviarem os documentos para o seu apartamento, aparece uma turma na portaria do prédio. "Veio a mulher, veio a filha, veio a velha. Arrumaram tudo aqui em frente ao apartamento. Era um documento sigiloso da Polícia Federal", esbraveja.
A mulher, uma engenheira da Letônia, "é cunhada da minha irmã, sabe, da Ana Maria", diz o desembargador numa das ligações. Bellini parece conhecer a irmã do desembargador: "Ah, da Ana", responde. A engenheira queria voltar para seu país com a filha porque não tinha emprego em São Paulo e estava "na miséria".


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