São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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MUNICÍPIOS
Ricardo Murad (PSB), 43, tio do universitário Rômulo Augusto Trovão, 25, administra Coroatá
Prefeito no MA vive e estuda em S. Paulo


MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local

Estudar e trabalhar ao mesmo tempo é uma realidade para milhares de estudantes brasileiros. Rômulo Augusto Trovão, 25 anos, no entanto, conseguiu uma proeza: estuda engenharia na Universidade Mackenzie, em São Paulo, e trabalha no interior do Maranhão, a 3.488 quilômetros de distância. E não se trata de um emprego qualquer: Rômulo Augusto é prefeito de Coroatá, município de 55 mil habitantes do interior do Estado.
Como o prefeito administra a cidade sem nunca estar lá? "Meu tio me ajuda", afirmou ele na semana passada ao professor Antonio Pena, que dá aula de fundações no Mackenzie. "Mas como é isso?!", espantou-se o professor.
É isso mesmo. Há duas semanas, enquanto Rômulo andava esbaforido pelos corredores do Mackenzie para saber dos professores se havia passado de ano, seu tio, Ricardo Murad (PSB), 43, dava ordens a torto e a direito em Coroatá. Ainda ligava para o celular do prefeito para saber se ele estava tirando boas notas.
No meio de uma reunião com o Secretário de Orçamento, Manoel Ponte, na sala do próprio prefeito, Ricardo recebeu a notícia: "Rominho passou de ano!".
Foi uma felicidade. De tanto viajar nos finais de semana para Coroatá, e faltar às segundas-feiras, Rominho estava de dependência em oito matérias.
O prefeito é uma espécie de Celso Pitta do tio. Só foi eleito graças à popularidade de Ricardo. Ao contrário do afilhado de Paulo Maluf, no entanto, jura que nunca vai brigar com o padrinho.
Rominho cursava o primeiro ano de engenharia, em 1996, quando foi eleito. Assim que tomou posse, nomeou o tio para a Secretaria de Governo. Deu a ele amplos poderes para governar e retomou os estudos.
A maior qualidade de Rominho é esta: um chefe que goza da absoluta confiança do subordinado.
"Ricardo precisava de alguém que nunca o traísse", diz Rominho. "É o primeiro mandato do Rominho. Eu jamais o deixaria só", retribui o tio. "Ele não podia parar de estudar. Seria um crime fazer isso com o menino."
Rominho recebe salário de R$ 3.000,00. Paga aluguel e mensalidade da escola. A prefeitura paga a metade de suas passagens aéreas. O pai de Rominho, Rômulo, ainda manda mesada, algo como R$ 2.000,00 por mês.
A eleição de um estudante que vive em São Paulo para dirigir Coroatá é apenas uma entre as diversas histórias que transformaram Ricardo Murad em personagem ilustre no Maranhão.
Ricardo é famoso também pelas brigas que trava com a própria família -ele é irmão de Jorge Murad, marido da governadora Roseana Sarney- e pela habilidade antiga de administrar Coroatá sem nunca ter sido prefeito.
Em 1992, Ricardo se candidatou à prefeitura e colocou como vice a mulher, Teresa. Venceu as eleições. Tudo ótimo, a não ser por um problema: ele era deputado federal. Ao assumir a prefeitura, perderia o mandato em Brasília.
Pensa daqui, pensa dali, encontrou a solução. "Não apareci para tomar posse. Sumi", lembra. A vice, Teresa, mulher de Ricardo, virou prefeita. O marido mandava.
Foi o início do que Ricardo chama de "República Livre do Maranhão". "Só nós temos coragem de fazer oposição à família Sarney."
Ele brigou com o ex-presidente em 1992, quando Sarney se negou a lançá-lo ao governo do Estado.
Na primeira campanha da cunhada Roseana Sarney ao governo, em 1994, Ricardo ia à televisão dizer que Sarney não trabalhava. "Eles não trabalham mesmo. Sabe o que a Roseana faz o dia inteiro? Ela joga baralho. Quem manda no governo é meu irmão."
Em 1997, Roseana se casou com Jorge, com quem já vivia. Ricardo diz que ela só oficializou a união para que ele, como seu parente, ficasse impedido por lei de se candidatar ao Senado.
"Ninguém no Maranhão sobrevive em guerra com Sarney", diz. Ele relata o caso de um médico que, por ser seu amigo, foi acusado de fraudar o Sistema Único de Saúde. "Tu acha que um médico vai fazer parto num homem? Inventaram, por perseguição."
Por isso, na hora de escolher o candidato à sucessão de sua mulher, Ricardo optou pelo próprio sobrinho. "Coloquei o Rominho para resguardar os amigos." O slogan da campanha foi: "Vote Rominho. Ricardo continua".
Dono da TV local, que ganhou quando Sarney era presidente, e sócio de uma rádio, Ricardo Murad é uma versão moderna dos antigos coronéis do interior.
Mandou colocar TVs em todas as praças, para que as pessoas possam jogar baralho, dominó, bater papo e assistir novela.
Instalou postos policiais nas entradas da cidade. Determinou que todo funcionário público -inclusive o prefeito- use uniforme com o nome do cargo que ocupa bordado em lugar visível. Criou a Farmácia Popular, que vende remédio a preço de custo.
Construiu um complexo de lazer, onde são realizados bailes para 7 mil pessoas. É tanta gente, bebendo tanta cerveja, segundo ele, que os banheiros femininos não deram conta da demanda.
Ricardo mandou construir uma parede com uma barra de ferro. As mulheres seguram na barra e, agachadas, fazem xixi. "A tecnologia é de Campina Grande, na Paraíba, que reúne milhares de pessoas na festa de São João", diz.
Ao caminhar pela cidade, ele é abordado por sem-terra que ocuparam terrenos e por professoras que lhe pedem a distribuição de camisinhas nas escolas.
"Quando Rominho está junto do Ricardo, é a maior dificuldade. Eu só sei falar com o Ricardo. É ele quem acompanha os problemas e sabe como resolver", diz a secretária de Saúde, Jesus Monteiro.
A confusão é grande também entre os coroataenses. "Quem manda aqui é Ricardo, mas o prefeito é Rominho. Pelo menos assim diz Ricardo, não é?", diz Juvenal Carvalho, 39. "Ricardo é o chefe, porque o menino ainda é bem novinho, entende?", diz a comerciante Conceição da Silva, 55.
Rominho agora está passando férias em Coroatá, e já prepara a campanha da reeleição. "Aí, sim. Vou estar formado e livre para administrar a cidade para valer."


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