São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Texto lembra "Brasil Grande"

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


PERDIDA em obviedades e alguns delírios que remetem ao "Brasil Grande" da ditadura, uma passagem da Estratégia Nacional de Defesa deverá chamar a atenção de observadores externos. Trata-se da referência ambígua às pretensões nucleares do país.
Afirma que, "por imperativo constitucional e por tratado internacional, privou-se o Brasil da faculdade de empregar a energia nuclear para qualquer fim que não seja pacífico" e que "fê-lo sob várias premissas, das quais a mais importante foi o progressivo desarmamento nuclear das potências".
"O Brasil zelará por manter abertas as vias de acesso ao desenvolvimento de suas tecnologias de energia nuclear. Não aderirá a acréscimos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do tratado: seu próprio desarmamento", diz o documento.
Se ressalta que não quer a bomba, o texto não se mostra confortável com isso. O Brasil sempre buscou sua independência na área. Mas, ao colocar esse desagrado em um documento da área de defesa, muda o tom. Cabe lembrar: apenas uma resistência a expor sua tecnologia de centrífugas de enriquecimento de urânio, o país foi posto sob suspeição pela Agência Internacional de Energia Atômica.
O ponto é fiel ao espírito nacional-belicista do plano. O documento apresenta uma ruptura à tendência pós-redemocratização de espezinhamento das questões militares. Ironia histórica ser o governo de antigos antípodas dos militares a dizer que o Brasil deve estar "pronto para a guerra".
Nesse sentido, contudo, está sua fraqueza. O plano é grandiloqüente, mas dificilmente será implementado. Tudo dependeria de muito dinheiro. Só em pensões e salários são gastos quase 80% do orçamento dos militares. Restará aos outros investimentos a tesoura que virá com a crise.
Assim, soa como uma piada a promessa de construção de um caça de "quinta geração" no Brasil. Nem é certo que a FAB terá os seus US$ 2 bilhões para comprar seus caças em 2009.
Na área naval, um acerto: deixar de lado o fetiche por porta-aviões e focar em submarinos. Mas enfatiza os nucleares. Defesa de costa é melhor executada com os convencionais. Nuclear é arma de ataque. Isso o plano, "Brasil Grande" em seu coração, não diz.
Os militares mantiveram o serviço militar obrigatório. Ao mesmo tempo, o texto preconiza a necessidade de tropas de reação rápida. A experiência internacional mostra que serviço obrigatório é incompatível com profissionalização das tropas, pré-requisito para mobilidade e eficácia.
Ficou de fora do plano uma proposta incisiva sobre o uso de soldados no policiamento. Por outro lado, a necessidade de controlar "organizações ou indivíduos" que atentem contra a soberania da Amazônia, leia-se ONGs gringas, é clara.
Por fim, a estratégia cita em vários momentos a necessidade de capacitação da indústria bélica, visando a independência do país. Isso foi tentando no passado, e mostrou limitações. Uma alternativa mais realista seria o estímulo a parcerias. Não há, no mundo globalizado, tempo e dinheiro para o Brasil ser independente nessa área.
Mas é provável que essa seja a parte do plano mais rapidamente atendida. Afinal de contas, a receita para a capacitação é o fim de exigências licitatórias e vastas isenções tributárias. Coisas de que políticos e empresários brasileiros entendem muito bem.


Texto Anterior: Indústria reage com cautela ao anúncio de plano
Próximo Texto: Balanço: PF prendeu mais que em 2007 e descentralizou ações, diz Corrêa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.