São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002

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ELEIÇÕES-2002
Ministro não vê aumento da vulnerabilidade externa, defende BC independente, critica oposição e elogia Serra
Estabilidade não está garantida, diz Malan

Alan Marques/Folha Imagem
O ministro Pedro Malan, que no dia 1º de janeiro completou sete anos à frente do Ministério da Fazenda, durante entrevista


MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O debate eleitoral, com seus esboços de programas de governo, colocou o ministro Pedro Malan (Fazenda) na posição de um goleiro diante do pênalti.
Os ataques à política econômica que Malan comanda começaram na oposição e foram encampadas por economistas de partidos aliados ao Planalto. Convidado a refletir sobre essas críticas, o ministro faz seu próprio apelo à continuidade. Argumenta Malan que o principal trunfo do governo Fernando Henrique Cardoso -a estabilidade de preços- não é "uma conquista eterna".
Malan insiste em que o Congresso aprove antes das eleições a independência do Banco Central. A medida poderia garantir a permanência de Armínio Fraga no posto de presidente da instituição independentemente de quem venha a ser o sucessor de FHC.
O ministro contesta as indicações de que a vulnerabilidade externa do país aumentou. Nega que o crescimento da dívida pública seja um sinal de esgotamento do modelo econômico. Acredita que o tamanho da dívida pode ser contido se o sucessor do presidente FHC continuar economizando gastos para pagar juros -em linguagem técnica, a condição é produzir superávits primários na ordem de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Malan recebeu as perguntas por escrito da Folha na última quarta-feira. Devolveu as respostas na sexta. Nesse intervalo, o ministro José Serra lançou sua candidatura à Presidência. No figurino de candidato de FHC, Serra fez críticas sutis à política econômica. Malan retribuiu a gentileza: "Li [o discurso] e gostei", disse, preferindo comprar briga com o PT.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

Folha - O sr. vai votar em Serra, apesar das críticas que lhe dirigiu antes da desvalorização do real?
Pedro Malan -
Serra é um grande quadro político deste país, com uma longa história de exemplar dedicação à causa pública e à construção do Estado democrático de Direito. Meu voto irá para o candidato que melhor expressar à população a importância de avançar mais no processo de mudança que o país vem experimentando após a derrota da hiperinflação.
Quanto a diferenças de opinião, eu as considero legítimas e saudáveis, quando não acompanhadas de gratuitas e inconsequentes ofensas pessoais e ataques à honra pessoal de outros, como, infelizmente, por vezes ocorre no Brasil -o que não é o caso do ministro José Serra.

Folha - Serra seria o único dos pré-candidatos já lançados capaz de levar adiante o projeto do governo FHC?
Malan -
Como é óbvio, caberá ao eleitor decidir quem tem as melhores condições de preservar as conquistas da sociedade até agora alcançadas e fazer avançar com obstinação, eficácia e serenidade o processo de mudança ora em curso. Refiro-me, é claro, aos candidatos que se propõem a fazer campanha e, se eleitos, a governar sem demagogias, messianismos e voluntarismos, e não àqueles que propõem ""efetivas rupturas globais", aventuras que mal sabem definir o que sejam em termos de práticas efetivas de governo.

Folha - O economista Paulo Rabello de Castro (coordenador do programa do PFL) diz que o primeiro ano de governo do sucessor de FHC será difícil. O Brasil teria de produzir superávits primários ainda maiores, de 5% do PIB, calcula. Esse cenário de economia de guerra é exagerado, na sua opinião?
Malan -
Sim, é exagerado no meu entender. Para hipóteses plausíveis sobre os parâmetros relevantes e com a perspectiva de médio prazo, que é fundamental manter neste tipo de discussão, a maioria dos exercícios disponíveis sobre dinâmica da dívida mostra que é possível estabilizar -e situar em uma trajetória declinante nos próximos anos- a relação dívida/PIB com superávits primários da magnitude dos que vêm sendo observados no Brasil nos últimos três anos, isto é, da ordem de 3,5% do PIB. Acho 5% um exagero absolutamente desnecessário. Como diria [Luiz Fernando" Veríssimo: ""Salvo novas evidências em contrário".

Folha - As propostas lançadas no debate eleitoral reconhecem que a estabilidade é uma conquista importantíssima, mas defendem, com termos diferentes, mais ou menos a mesma coisa: o país precisa crescer, reduzir juros, aumentar as exportações e conter a vulnerabilidade externa. Está correto?
Malan -
Acho extremamente importante que se reconheça que a relativa estabilidade do poder de compra da moeda é uma ""conquista importantíssima". Acho não menos importante que se reconheça que isso não é algo definitivamente incorporado ao patrimônio histórico do país, uma conquista eterna e que está assegurada independentemente do que venham a fazer futuros governos. Principalmente aqueles que dizem que vão procurar preservar a inflação sob controle, mas com ""métodos radicalmente distintos" -e nunca especificados de modo consistente.
Quanto a "diagnósticos", corretos ou incorretos, quero só registrar que o mero enunciado de objetivos com os quais todos estamos de acordo, tipo ""o Brasil precisa crescer, reduzir juros, aumentar exportações, conter a vulnerabilidade externa, etc. etc.", não constitui "diagnóstico" no sentido correto da palavra.
Tampouco constituem ""diagnósticos" as desorganizadas coletâneas de diatribes contra o governo e contra ""tudo isto que aí está" que marcam certos discursos oposicionistas. Trata-se mais de retórica política, a que qualquer um poderia recorrer com igual entusiasmo ou indignação. Esta é uma época muito propícia para diagnósticos, planos e manifestações de esperança de dias melhores. Mas, de um homem público que pretende governar o país, o eleitor certamente exigirá mais do que palavras vazias. Vai querer que o candidato seja também objetivo e diga como pretende de fato executar as suas idéias.
Por último, deixe-me notar que as exportações vêm aumentando -e seguramente podem aumentar mais-, que o déficit do balanço de pagamentos este ano deve ser cerca de US$ 13 bilhões inferior ao de 1998, que vamos ter expressivo superávit comercial, que o investimento estrangeiro no Brasil continua significativo, como expressão de confiança no Brasil e em seu futuro.
Portanto, a "vulnerabilidade externa" não está aumentando. Ao contrário. Aumentaria se virassem determinações de um presidente opiniões equivocadas de um certo candidato que disse que ""não dá para exportar enquanto faltar comida na mesa dos brasileiros" ou que "os protecionistas europeus estão corretos".

Folha - A colaboração do economista Luiz Carlos Bresser Pereira ao programa de governo do PSDB alerta que a taxa de juros ""aberrantemente elevada" é uma situação inviável a longo prazo. Diz também que o passivo externo tornou insustentável a manutenção do modelo, sinalizando uma situação de insolvência externa. Juros e dívida altos foram efeitos colaterais inevitáveis ou, como dizem pefelistas, alguns tucanos e a oposição, um preço alto demais pago pela política econômica?
Malan -
Ainda não tive a oportunidade de ler o trabalho do Bresser, por quem sempre tive respeito e apreço pessoais. Com essa ressalva, respondo: ninguém no governo FHC jamais disse que taxas de juros elevadas são viáveis a longo prazo. A trajetória de juros nominais e reais é declinante a médio prazo.
Discordo frontalmente da visão de que o Brasil está à beira de uma situação de insolvência externa. É preciso não esquecer que o Brasil, há apenas oito anos, vivia um processo hiperinflacionário, que o setor público federal estava falido, que parte significativa do sistema bancário não estava preparada para viver sem inflação, que Estados e alguns municípios não tinham condições de pagar suas dívidas, que o déficit da previdência era explosivo, que havia "esqueletos" de todo tipo não registrados nas estatísticas oficiais, etc.
O encaminhamento de soluções para esses e outros problemas envolve certos custos -certamente menores do que os custos que resultariam de tentativas de continuar a fingir que esses problemas não existiam ou não precisavam ser enfrentados com firmeza.

Folha - Qual seria a sua receita para a economia brasileira crescer mais e ser menos vulnerável?
Malan -
Não acredito em ""receitas" que possam ser enunciadas em um ou dois parágrafos. É desnecessário enfatizar que ninguém, absolutamente ninguém, tem o monopólio da verdade e que estas questões de "receitas" para o crescimento sempre envolveram e sempre envolverão uma complexa interação de indissociáveis fatores econômicos, político-institucionais e sociais. Sempre sujeitos a amplas, legítimas e saudáveis controvérsias.

Folha - A eventual manutenção de Armínio Fraga à frente do BC representaria um compromisso com a atual política econômica?
Malan -
Armínio Fraga vem conduzindo o Banco Central com extraordinária competência nestes tempos difíceis. Tem sólida formação acadêmica, invejável experiência profissional tanto no setor público quanto no setor privado, espírito público, reputação internacional e compromisso com o Brasil e seu futuro.
Há anos defendo que o Banco Central tenha autonomia operacional -com a devida transparência e os apropriados mecanismos de prestação de contas ao Congresso e à sociedade- para executar a operação da política monetária, segundo as diretrizes e objetivos estabelecidos pelo governo eleito. Esse ponto é fundamental e nem sempre levado em conta em discussões por vezes marcadas por emoção política.
Como parte integrante desta visão, defendo que o presidente e os diretores do Banco Central -a exemplo do que já ocorre com todas as Agências Reguladoras (ANP, Aneel, Anatel, etc.), o Cade e a CVM- tenham mandatos com prazos fixos, que, sob determinadas condições a serem estabelecidas pelo Congresso Nacional, poderiam não ser exatamente coincidentes com o mandato de uma administração federal. Considero importante que a Câmara dos Deputados vote, ainda neste semestre, o projeto de emenda constitucional sobre o Artigo 192 da Constituição.
Quanto à próxima transição (2002/2003), se este acordo ainda não tiver sido alcançado, só posso dizer o seguinte: o próximo governo -qualquer que ele seja- e o próprio país só teriam a ganhar se Armínio Fraga pudesse ser convencido a permanecer como presidente do Banco Central o tempo necessário para a consolidação de uma transição mais tranquila e eficiente.



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