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ELEIÇÕES-2002
Ministro não vê aumento da vulnerabilidade externa, defende BC independente, critica oposição e elogia Serra
Estabilidade não está garantida, diz Malan
Alan Marques/Folha Imagem
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O ministro Pedro Malan, que no dia 1º de janeiro completou sete anos à frente do Ministério da Fazenda, durante entrevista |
MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O debate eleitoral, com seus esboços de programas de governo,
colocou o ministro Pedro Malan
(Fazenda) na posição de um goleiro diante do pênalti.
Os ataques à política econômica
que Malan comanda começaram
na oposição e foram encampadas
por economistas de partidos aliados ao Planalto. Convidado a refletir sobre essas críticas, o ministro faz seu próprio apelo à continuidade. Argumenta Malan que o
principal trunfo do governo Fernando Henrique Cardoso -a estabilidade de preços- não é
"uma conquista eterna".
Malan insiste em que o Congresso aprove antes das eleições a
independência do Banco Central.
A medida poderia garantir a permanência de Armínio Fraga no
posto de presidente da instituição
independentemente de quem venha a ser o sucessor de FHC.
O ministro contesta as indicações de que a vulnerabilidade externa do país aumentou. Nega
que o crescimento da dívida pública seja um sinal de esgotamento do modelo econômico. Acredita que o tamanho da dívida pode
ser contido se o sucessor do presidente FHC continuar economizando gastos para pagar juros
-em linguagem técnica, a condição é produzir superávits primários na ordem de 3,5% do PIB
(Produto Interno Bruto).
Malan recebeu as perguntas por
escrito da Folha na última quarta-feira. Devolveu as respostas na
sexta. Nesse intervalo, o ministro
José Serra lançou sua candidatura
à Presidência. No figurino de candidato de FHC, Serra fez críticas
sutis à política econômica. Malan
retribuiu a gentileza: "Li [o discurso] e gostei", disse, preferindo
comprar briga com o PT.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - O sr. vai votar em Serra,
apesar das críticas que lhe dirigiu
antes da desvalorização do real?
Pedro Malan - Serra é um grande
quadro político deste país, com
uma longa história de exemplar
dedicação à causa pública e à
construção do Estado democrático de Direito. Meu voto irá para o
candidato que melhor expressar à
população a importância de avançar mais no processo de mudança
que o país vem experimentando
após a derrota da hiperinflação.
Quanto a diferenças de opinião,
eu as considero legítimas e saudáveis, quando não acompanhadas
de gratuitas e inconsequentes
ofensas pessoais e ataques à honra
pessoal de outros, como, infelizmente, por vezes ocorre no Brasil
-o que não é o caso do ministro
José Serra.
Folha - Serra seria o único dos
pré-candidatos já lançados capaz
de levar adiante o projeto do governo FHC?
Malan - Como é óbvio, caberá ao
eleitor decidir quem tem as melhores condições de preservar as
conquistas da sociedade até agora
alcançadas e fazer avançar com
obstinação, eficácia e serenidade
o processo de mudança ora em
curso. Refiro-me, é claro, aos candidatos que se propõem a fazer
campanha e, se eleitos, a governar
sem demagogias, messianismos e
voluntarismos, e não àqueles que
propõem ""efetivas rupturas globais", aventuras que mal sabem
definir o que sejam em termos de
práticas efetivas de governo.
Folha - O economista Paulo Rabello de Castro (coordenador do programa do PFL) diz que o primeiro
ano de governo do sucessor de FHC
será difícil. O Brasil teria de produzir superávits primários ainda
maiores, de 5% do PIB, calcula. Esse cenário de economia de guerra é
exagerado, na sua opinião?
Malan - Sim, é exagerado no
meu entender. Para hipóteses
plausíveis sobre os parâmetros relevantes e com a perspectiva de
médio prazo, que é fundamental
manter neste tipo de discussão, a
maioria dos exercícios disponíveis sobre dinâmica da dívida
mostra que é possível estabilizar
-e situar em uma trajetória declinante nos próximos anos- a
relação dívida/PIB com superávits primários da magnitude dos
que vêm sendo observados no
Brasil nos últimos três anos, isto é,
da ordem de 3,5% do PIB. Acho
5% um exagero absolutamente
desnecessário. Como diria [Luiz
Fernando" Veríssimo: ""Salvo novas evidências em contrário".
Folha - As propostas lançadas no
debate eleitoral reconhecem que a
estabilidade é uma conquista importantíssima, mas defendem,
com termos diferentes, mais ou
menos a mesma coisa: o país precisa crescer, reduzir juros, aumentar
as exportações e conter a vulnerabilidade externa. Está correto?
Malan - Acho extremamente importante que se reconheça que a
relativa estabilidade do poder de
compra da moeda é uma ""conquista importantíssima". Acho
não menos importante que se reconheça que isso não é algo definitivamente incorporado ao patrimônio histórico do país, uma
conquista eterna e que está assegurada independentemente do
que venham a fazer futuros governos. Principalmente aqueles que
dizem que vão procurar preservar
a inflação sob controle, mas com
""métodos radicalmente distintos" -e nunca especificados de
modo consistente.
Quanto a "diagnósticos", corretos ou incorretos, quero só registrar que o mero enunciado de objetivos com os quais todos estamos de acordo, tipo ""o Brasil precisa crescer, reduzir juros, aumentar exportações, conter a vulnerabilidade externa, etc. etc.",
não constitui "diagnóstico" no
sentido correto da palavra.
Tampouco constituem ""diagnósticos" as desorganizadas coletâneas de diatribes contra o governo e contra ""tudo isto que aí
está" que marcam certos discursos oposicionistas. Trata-se mais
de retórica política, a que qualquer um poderia recorrer com
igual entusiasmo ou indignação.
Esta é uma época muito propícia
para diagnósticos, planos e manifestações de esperança de dias
melhores. Mas, de um homem
público que pretende governar o
país, o eleitor certamente exigirá
mais do que palavras vazias. Vai
querer que o candidato seja também objetivo e diga como pretende de fato executar as suas idéias.
Por último, deixe-me notar que
as exportações vêm aumentando
-e seguramente podem aumentar mais-, que o déficit do balanço de pagamentos este ano deve
ser cerca de US$ 13 bilhões inferior ao de 1998, que vamos ter expressivo superávit comercial, que
o investimento estrangeiro no
Brasil continua significativo, como expressão de confiança no
Brasil e em seu futuro.
Portanto, a "vulnerabilidade externa" não está aumentando. Ao
contrário. Aumentaria se virassem determinações de um presidente opiniões equivocadas de
um certo candidato que disse que
""não dá para exportar enquanto
faltar comida na mesa dos brasileiros" ou que "os protecionistas
europeus estão corretos".
Folha - A colaboração do economista Luiz Carlos Bresser Pereira ao
programa de governo do PSDB
alerta que a taxa de juros ""aberrantemente elevada" é uma situação inviável a longo prazo. Diz também que o passivo externo tornou
insustentável a manutenção do
modelo, sinalizando uma situação
de insolvência externa. Juros e dívida altos foram efeitos colaterais
inevitáveis ou, como dizem pefelistas, alguns tucanos e a oposição,
um preço alto demais pago pela
política econômica?
Malan - Ainda não tive a oportunidade de ler o trabalho do Bresser, por quem sempre tive respeito e apreço pessoais. Com essa
ressalva, respondo: ninguém no
governo FHC jamais disse que taxas de juros elevadas são viáveis a
longo prazo. A trajetória de juros
nominais e reais é declinante a
médio prazo.
Discordo frontalmente da visão
de que o Brasil está à beira de uma
situação de insolvência externa. É
preciso não esquecer que o Brasil,
há apenas oito anos, vivia um processo hiperinflacionário, que o setor público federal estava falido,
que parte significativa do sistema
bancário não estava preparada
para viver sem inflação, que Estados e alguns municípios não tinham condições de pagar suas dívidas, que o déficit da previdência
era explosivo, que havia "esqueletos" de todo tipo não registrados
nas estatísticas oficiais, etc.
O encaminhamento de soluções
para esses e outros problemas envolve certos custos -certamente
menores do que os custos que resultariam de tentativas de continuar a fingir que esses problemas
não existiam ou não precisavam
ser enfrentados com firmeza.
Folha - Qual seria a sua receita
para a economia brasileira crescer
mais e ser menos vulnerável?
Malan - Não acredito em ""receitas" que possam ser enunciadas
em um ou dois parágrafos. É desnecessário enfatizar que ninguém, absolutamente ninguém,
tem o monopólio da verdade e
que estas questões de "receitas"
para o crescimento sempre envolveram e sempre envolverão uma
complexa interação de indissociáveis fatores econômicos, político-institucionais e sociais. Sempre
sujeitos a amplas, legítimas e saudáveis controvérsias.
Folha - A eventual manutenção
de Armínio Fraga à frente do BC representaria um compromisso com
a atual política econômica?
Malan - Armínio Fraga vem conduzindo o Banco Central com extraordinária competência nestes
tempos difíceis. Tem sólida formação acadêmica, invejável experiência profissional tanto no setor
público quanto no setor privado,
espírito público, reputação internacional e compromisso com o
Brasil e seu futuro.
Há anos defendo que o Banco
Central tenha autonomia operacional -com a devida transparência e os apropriados mecanismos de prestação de contas ao
Congresso e à sociedade- para
executar a operação da política
monetária, segundo as diretrizes e
objetivos estabelecidos pelo governo eleito. Esse ponto é fundamental e nem sempre levado em
conta em discussões por vezes
marcadas por emoção política.
Como parte integrante desta visão, defendo que o presidente e os
diretores do Banco Central -a
exemplo do que já ocorre com todas as Agências Reguladoras
(ANP, Aneel, Anatel, etc.), o Cade
e a CVM- tenham mandatos
com prazos fixos, que, sob determinadas condições a serem estabelecidas pelo Congresso Nacional, poderiam não ser exatamente
coincidentes com o mandato de
uma administração federal. Considero importante que a Câmara
dos Deputados vote, ainda neste
semestre, o projeto de emenda
constitucional sobre o Artigo 192
da Constituição.
Quanto à próxima transição
(2002/2003), se este acordo ainda
não tiver sido alcançado, só posso
dizer o seguinte: o próximo governo -qualquer que ele seja- e
o próprio país só teriam a ganhar
se Armínio Fraga pudesse ser
convencido a permanecer como
presidente do Banco Central o
tempo necessário para a consolidação de uma transição mais
tranquila e eficiente.
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