São Paulo, sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

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OS TRÊS COMPANHEIROS

Lula, Kirchner e Chávez discutem projetos comuns para os três países

Presidentes debatem "Otan do Sul"

Sérgio Lima/Folha Imagem
Lula, Kirchner e Chávez (de camisa vermelha) conversam antes de reunião na Granja do Torto


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os presidentes do Brasil, Argentina e Venezuela discutiram ontem em Brasília a criação de um órgão de segurança da América do Sul, a implantação de um banco comum, com reservas dos três países, e o projeto de um gasoduto de quase 10 mil quilômetros que passe por vários pontos do continente.
As propostas ocuparam boa parte do encontro fechado de mais de quatro horas que os três presidentes tiveram na Granja do Torto. Alguns participantes divergem quanto ao estágio de evolução das discussões.
Enquanto o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou que o conselho de defesa pode ter os moldes de uma Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na América do Sul, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, disse que "integração é uma palavra forte ainda".
Em relação ao banco, a divergência é a mesma. Chávez diz que o "Banco do Sul" pode ter metade das reservas internacionais de Brasil, Argentina e Venezuela, o que, pelos seus cálculos, chega a US$ 100 bilhões -US$ 50 bilhões para o banco.
"A idéia hoje ficou firmemente estabelecida, criamos uma comissão técnica para trabalhar o tema", afirmou Chávez, que disse que o banco daria mais "independência" à região e seria usado para "fazer investimentos e apoiar projetos de desenvolvimento social e econômico".
Mais cauteloso, Amorim deixou a questão em outro patamar: "Não houve discussão técnica profunda sobre o que pode ser o Banco do Sul. Há uma receptividade a essas idéias, mas a questão de como chegar lá, se é mais prático trabalhar com o que já existe ou tentar fazer coisa nova, são questões abertas".
Segundo nota sobre o encontro divulgada ontem pelo Itamaraty, estão previstos encontros semestrais entre os presidentes dos bancos centrais dos países para tratar de temas comuns, num indicativo do avanço na integração.

Embraer
Outro assunto polêmico, a interferência dos EUA para que a Embraer não venda aviões à Venezuela, também foi tratado na reunião. De acordo com Amorim, o tema foi introduzido na conversa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro disse que o governo "discorda" dessas dificuldades. "Dada a boa relação Brasil-Estados Unidos, achamos que se justifica uma revisão daquilo que nos foi indicado inicialmente", disse o chanceler brasileiro.
O único dos três a falar com a imprensa na saída da reunião, Chávez disse que ouviu de Lula que o Brasil está conversando com os EUA e espera uma mudança. "É uma coisa totalmente absurda. São aviões para que nossos cadetes aprendam a voar. (...) É um atropelo também ao Brasil, porque a Embraer é uma empresa privada."

Gasoduto
O tema mais avançado das negociações parece ser a criação de um novo gasoduto na América do Sul. Está marcada uma nova reunião dos três, em Mendoza (Argentina), para 10 de março. Em julho, se tudo caminhar como planejado, será anunciado um projeto detalhado, de acordo com Chávez e Amorim.
Até lá, os governos pretendem ter um projeto pronto, inclusive com custo e estrutura empresarial. "Provavelmente esse é um dos mais importantes projetos de infra-estrutura da América do Sul, por isso terá de estar aberto a outros países", afirmou o chanceler brasileiro.
O Mercosul, em que a Venezuela entrou recentemente, também ocupou parte da conversa. Em entrevista em sua chegada a Brasília, antes do encontro, Chávez afirmou que é preciso um "novo Mercosul", com "alma popular" -que se daria pela participação de indígenas, estudantes, trabalhadores e outros grupos.
Formas de melhorar as condições de negociações para os países do grupo com economias menores, como Paraguai e Uruguai, também foram debatidas.

Caracas e Davos
Depois de desistir de ir ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, Lula disse a Chávez que também não viajará ao Fórum Social Mundial, em Caracas. Estrela das primeiras edições do encontro social, Lula só não esteve numa edição, na Índia.
A justificativa do governo é a falta de tempo de Lula para ir aos dois compromissos, uma vez que o presidente também estaria "cansado". Mas muitos protestos estavam à espera dele no fórum, uma vez que essa é a primeira edição desde que eclodiu o escândalo do "mensalão".
Chávez, no entanto, defendeu Lula: "Não creio que Lula tenha medo de nada. Nós somos homens que não temos medo de nada". Segundo Chávez, Lula não deu nenhuma explicação.
A relação de Lula com o fórum já vinha esfriando desde 2004. Em Porto Alegre, o petista teve de recorrer a uma espécie de "claque" para abafar as vaias dos militantes insatisfeitos. (PEDRO DIAS LEITE, LUCIANA CONSTANTINO E CLÁUDIA DIANNI)


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