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JANIO DE FREITAS
Chantagem à vista
Enquanto empresários, assalariados, funcionários civis e
militares, a população quase
toda, viviam as aflições da insegurança pessoal e nacional
que explodiu de quinta para
sexta-feira;
enquanto o ministro da Fazenda e o presidente oficioso do
Banco Central, viajantes
apressados para Washington,
acocoravam-se diante do FMI
com mais pedidos de socorro;
enquanto senadores e deputados do governismo cumpriam a determinação de pressionar seus colegas para aprovar a cobrança de Previdência
ao servidores aposentados e o
aumento da cobrança aos da
ativa;
enquanto isso, o que fazia, no
decorrer do sábado, o presidente que, como os palacianos vinham dizendo aos repórteres,
nos últimos dias se tornara
abatido, sisudo, com sinais fortes de estresse? O presidente
que se tornara solitário desde
as mortes de Sérgio Motta e
Luís Eduardo, o que fazia ele,
coitado, enquanto quase todo o
país se afligia com as ameaças
do futuro ainda mais enegrecido?
O presidente patrocinava, na
moita, um churrasco daqueles
que os cofres públicos tornam
muito mais saboroso e bem regado. Um churrasco com a turma diária do bate-papo. Havia, de fato, problemas graves,
em que os economistas José
Serra e Paulo Renato Souza,
entre outros presentes, poderiam discutir com o presidente.
Mas, segundo o ministro da
Educação, "de conversa séria"
houve "no máximo 1%", ocupando-se os 99% do tempo com
"piadas e conversas amenas".
Ainda pelo que colheu o repórter João Domingos com a autorizada fonte, "Fernando Henrique deu muitas gargalhadas
e também contou piadas".
Não eram piadas, porém, como a da necessidade indispensável de cobrar pela aposentadoria dos que já estão aposentados porque pagaram, no
tempo de trabalho, para tê-la.
Se há aposentadorias de valor
monstruosamente alto, sem
correspondência com o recolhimento e possibilitadas por favorecimentos, o remédio é simples e não implica a injustiça
desumana que é o projeto do
governo a ser votado, talvez,
ainda hoje.
O remédio fácil é a adoção do
teto salarial. Fernando Henrique fez uma reunião, há menos
de dois meses, com os presidentes dos outros Poderes, para
que enfim fosse estabelecido o
teto esperado há quatro anos.
Para fixá-lo em R$ 12,7 mil,
adotaram uma exceção, que é
o acúmulo de dois vencimentos
por um integrante do STF e do
TSE. Como vencimento, representaria bom aumento até para Fernando Henrique (49%) e
mais ainda para os parlamentares (51%), além de juízes e
outros. Foi fixado, mas não
adotado.
Muitos no governo, inclusive
Fernando Henrique, e no Congresso perderiam os acúmulos
de aposentadorias e vencimentos atuais, que lhes rendem
mais do que o teto escolhido.
Inúmeros parlamentares defendem a adoção do teto que,
cortando aposentadorias excessivas e acúmulos idem, faria
uma redução importante no
déficit da Previdência, havendo ainda propostas adicionais
sem injustiças e violências.
Será, no mínimo, uma indignidade que a maioria dos parlamentares aprove o aumento
de desconto dos funcionários
civis na ativa, de 11% até
22,7%, que será um verdadeiro
corte dos vencimentos que já
entram no quinto ano sem reajuste, acumulando 40% de perda do poder aquisitivo. E, ao
fim deste mês, os mesmos parlamentares recebam R$ 24 mil
por compareceram ao Congresso, em geral, um dia e meio a
dois por semana. Durante três
semanas.
O governo tenta obter a aprovação valendo-se de uma
chantagem: a possibilidade de
acusar o Congresso de prejudicar o suposto ajuste fiscal, como se não houvesse a alternativa do teto salarial e outras, para chegar ao mesmo fim, mas
sem desumanidade e sem cinismo.
O único caso em que o Congresso não se mostrou subserviente ao Executivo, nos últimos anos, foi nas rejeições ao
projeto que volta agora à votação. Quatro rejeições eloquentes, um caso raro. Até por isso a
volta atrás, agora, está exigindo do governo e dos governistas
atitudes muito semelhantes às
praticadas para aprovar a reeleição.
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