São Paulo, quarta, 20 de janeiro de 1999

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JANIO DE FREITAS
Chantagem à vista

Enquanto empresários, assalariados, funcionários civis e militares, a população quase toda, viviam as aflições da insegurança pessoal e nacional que explodiu de quinta para sexta-feira;
enquanto o ministro da Fazenda e o presidente oficioso do Banco Central, viajantes apressados para Washington, acocoravam-se diante do FMI com mais pedidos de socorro;
enquanto senadores e deputados do governismo cumpriam a determinação de pressionar seus colegas para aprovar a cobrança de Previdência ao servidores aposentados e o aumento da cobrança aos da ativa;
enquanto isso, o que fazia, no decorrer do sábado, o presidente que, como os palacianos vinham dizendo aos repórteres, nos últimos dias se tornara abatido, sisudo, com sinais fortes de estresse? O presidente que se tornara solitário desde as mortes de Sérgio Motta e Luís Eduardo, o que fazia ele, coitado, enquanto quase todo o país se afligia com as ameaças do futuro ainda mais enegrecido?
O presidente patrocinava, na moita, um churrasco daqueles que os cofres públicos tornam muito mais saboroso e bem regado. Um churrasco com a turma diária do bate-papo. Havia, de fato, problemas graves, em que os economistas José Serra e Paulo Renato Souza, entre outros presentes, poderiam discutir com o presidente. Mas, segundo o ministro da Educação, "de conversa séria" houve "no máximo 1%", ocupando-se os 99% do tempo com "piadas e conversas amenas". Ainda pelo que colheu o repórter João Domingos com a autorizada fonte, "Fernando Henrique deu muitas gargalhadas e também contou piadas".
Não eram piadas, porém, como a da necessidade indispensável de cobrar pela aposentadoria dos que já estão aposentados porque pagaram, no tempo de trabalho, para tê-la. Se há aposentadorias de valor monstruosamente alto, sem correspondência com o recolhimento e possibilitadas por favorecimentos, o remédio é simples e não implica a injustiça desumana que é o projeto do governo a ser votado, talvez, ainda hoje.
O remédio fácil é a adoção do teto salarial. Fernando Henrique fez uma reunião, há menos de dois meses, com os presidentes dos outros Poderes, para que enfim fosse estabelecido o teto esperado há quatro anos. Para fixá-lo em R$ 12,7 mil, adotaram uma exceção, que é o acúmulo de dois vencimentos por um integrante do STF e do TSE. Como vencimento, representaria bom aumento até para Fernando Henrique (49%) e mais ainda para os parlamentares (51%), além de juízes e outros. Foi fixado, mas não adotado.
Muitos no governo, inclusive Fernando Henrique, e no Congresso perderiam os acúmulos de aposentadorias e vencimentos atuais, que lhes rendem mais do que o teto escolhido. Inúmeros parlamentares defendem a adoção do teto que, cortando aposentadorias excessivas e acúmulos idem, faria uma redução importante no déficit da Previdência, havendo ainda propostas adicionais sem injustiças e violências.
Será, no mínimo, uma indignidade que a maioria dos parlamentares aprove o aumento de desconto dos funcionários civis na ativa, de 11% até 22,7%, que será um verdadeiro corte dos vencimentos que já entram no quinto ano sem reajuste, acumulando 40% de perda do poder aquisitivo. E, ao fim deste mês, os mesmos parlamentares recebam R$ 24 mil por compareceram ao Congresso, em geral, um dia e meio a dois por semana. Durante três semanas.
O governo tenta obter a aprovação valendo-se de uma chantagem: a possibilidade de acusar o Congresso de prejudicar o suposto ajuste fiscal, como se não houvesse a alternativa do teto salarial e outras, para chegar ao mesmo fim, mas sem desumanidade e sem cinismo.
O único caso em que o Congresso não se mostrou subserviente ao Executivo, nos últimos anos, foi nas rejeições ao projeto que volta agora à votação. Quatro rejeições eloquentes, um caso raro. Até por isso a volta atrás, agora, está exigindo do governo e dos governistas atitudes muito semelhantes às praticadas para aprovar a reeleição.



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