São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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ELIO GASPARI

A morte de Kennedy, a reportagem sem fim


Parece mais fácil acreditar em qualquer coisa do que na conclusão da Comissão Warren: foi Oswald, sozinho


A MORTE DO presidente americano John Kennedy é uma reportagem que não termina. Recomeçou na semana passada com a abertura de uma dúzia de caixas que estiveram guardadas num tribunal de Dallas por quase 45 anos. Lá encontraram algumas roupas de Lee Oswald, o assassino de Kennedy, e o soco-inglês de Jack Ruby, o cabaretier que o matou dois dias depois, com um tiro na barriga. Numa das caixas, no meio de uma papelada onde havia até documentos datados de 1967, encontraram a transcrição de uma conversa de Ruby com Oswald na sua boate, na noite de 4 de outubro de 1963, 48 dias antes do crime. Seria o Santo Graal da teoria da conspiração.
Eles negociam a morte de Kennedy num trato com a máfia. Oswald informa: "Eu posso fazer isso. Preciso do meu rifle e de um prédio alto". (...) "De onde vem o dinheiro?"
Ruby (Levantando sua mão direita, com os dedos esticados): "Você já ouviu falar da Mão Negra, da Mão Negra da Morte?"
Pouco depois Ruby esclarece que, se Oswald falhar, "os rapazes" ordenarão que ele o mate.
Para que esse documento fosse verdadeiro, deveria ser a transcrição de uma fita gravada, mas elas não registram movimentos das mãos dos interlocutores. (Há duas outras marcações teatrais no diálogo.) Inúmeros pesquisadores já atestaram a falsidade da cena descrita nas duas folhas de papel. Elas seriam parte de um script de filme. De fato, numa das caixas há uma cópia do contrato que o promotor do caso negociava em 1967. Está documentado que na noite de 8 de outubro Oswald ficou em casa, com a mulher. Ele só viu Ruby uma vez, na última hora de sua vida.
O melhor palpite é que tudo se resume a umas caixas velhas, um promotor exibicionista e a uma reciclagem da compulsão conspiratória que o episódio desencadeou. Afinal, parece mais fácil acreditar em qualquer coisa do que na conclusão da comissão presidida por Earl Warren, presidente da Corte Suprema: Lee Oswald errou o primeiro tiro, acertou as costas do presidente com o segundo e estourou-lhe a cabeça com o terceiro. Oswald foi morto por Jack Ruby sem que qualquer dos dois tivesse cúmplices, nem sequer confidentes. Já se escreveram mais de mil livros sobre o assunto. Entre 7 e 8 em cada 10 americanos acredita que houve uma conspiração. Numa delas, na cena do crime foram disparados 21 tiros.
A reportagem não termina porque, além de tudo, o dia 22 de novembro de 1963 mudou a história da imprensa. Ele marcou o início das coberturas maciças da televisão. Foi uma roda de fogo que celebrizou repórteres legendários (Tom Wicker, do "New York Times") e cascateiros (Dan Rather, da CBS). As redes desmentiram a morte do presidente, anunciada por um radialista de Dallas, da mesma forma que a Associated Press não transmitiu um detalhe da notícia trazida por seu fotógrafo: o tiro acertara a cabeça de Kennedy. Ruby conseguiu acertar Oswald porque naquele tempo as câmeras pesavam centenas de quilos e os jornalistas combinaram com a polícia um percurso para ser cumprido pelo preso, como se fosse uma passarela.


A íntegra do texto encontrado em Dallas, imaginando uma conversa de Lee Oswald com Jack Ruby, pode ser achada numa página da NBC. Basta passar no Google: nbc ruby oswald transcript. Infelizmente, está em inglês.


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