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IGREJA CATÓLICA
Para d. Cláudio Hummes, corrupção, sobretudo nos altos escalões, deve ser apurada e "punida com rigor"
"Mercado favorece os fortes", diz cardeal
DA REPORTAGEM LOCAL
Embora não compartilhe de
uma visão segundo a qual a sociedade se dividiria entre opressores
e oprimidos -o que considera
simplista-, d. Cláudio Hummes
é um crítico firme do mercado
sem controle. "O livre mercado
acaba favorecendo os fortes e prejudicando os fracos."
Ao falar da corrupção no Brasil,
é enfático ao dizer que ela deve ser
apurada, sobretudo nos altos escalões, e "punida" com "rigor".
Aos 66 anos, d. Cláudio parece
dez anos mais moço. A relativa juventude é um dos fatores que o fazem "papabile", isto é, possível
sucessor de João Paulo 2º. Há indícios de que o colégio cardinalício teme entregar a condução do
Vaticano a um homem idoso e
doente. Outra característica que o
favorece é a estrita observância da
ortodoxia institucional. Quando
Roma fala, ele não discute.
As críticas ao mercado fazem
parte das posições defendidas pelo sumo pontífice. Junto com o
conservadorismo moral e o uso
de recursos modernos na evangelização, formam um tripé que
pretende colocar a igreja à testa
do novo milênio. Essa tríade é explicada pelo arcebispo de São
Paulo na entrevista à Folha.
(ANDRÉ SINGER)
Folha - O sr. se tornou bispo jovem e substituiu, no ABC em 1975,
uma das grandes figuras da igreja
da época, d. Jorge Marcos de Oliveira. Teve medo?
D. Cláudio Hummes - Essa pergunta me foi feita também quando vim a São Paulo, suceder d.
Paulo, e, de alguma forma quando substituí d. Aloísio Lorscheider em Fortaleza. Eu costumo responder que não me incutiu medo.
Eu não tenho medo dessas coisas.
Folha - O sr. se preocupa com o fato de que uma parte das CEBs tenha uma concepção de mundo
mais próxima da luta de classes do
que a sua?
D. Cláudio - Eu penso que a análise da sociedade deve ser feita pelos grandes pensadores, pela ciência política e sociológica. Hoje, a
grande maioria deles não analisa
pura e simplesmente a sociedade
como sendo uma oposição de
classes. A sociedade é mais complexa do que a luta entre patrões e
operários ou entre opressores e
oprimidos. Você precisa de muitas outras chaves para entender a
sociedade.
Folha - Ao longos dos anos 80, o
sr. aproximou-se da renovação carismática. Qual a sua opinião sobre
esse movimento?
D. Cláudio - O que eles trazem de
bom? É que eles tem muito a ver
com a pós-modernidade. A modernidade acentuou muito o intelectualismo, a racionalidade, o racionalismo. Se pensava que ensinar doutrina era o suficiente.
A pós-modernidade é uma reação contra esse racionalismo exagerado, em que se recupera o corpo, o sentimento, o coração, a gesticulação. Hoje todo o culto ao
corpo que existe na sociedade, todo o culto à música popular, às
festividades, à emoção, aos sentimentos, tudo isso é uma reação
contra o racionalismo exagerado,
frio. É preciso ficar atento para
não que seja algo que deixe de dar
importância à compreensão racional da fé, que é necessária.
Folha - A crença em milagres e curas milagrosas, que faz parte desses movimentos, não distorce a
prática da fé?
D. Cláudio - A igreja sempre disse que crê na possibilidade dos
milagres. A igreja crê que Deus fez
milagres durante a história humana. Isso significa que acontecem
coisas extraordinárias que estão
fora de qualquer explicação das
leis naturais.
Existem, também, situações,
que não são milagres "stricto sensu", nos quais Deus pode ativar
forças naturais, por exemplo, para uma pessoa se curar. Nesses casos, há uma intervenção de Deus
sem que ela seja independente de
qualquer força natural.
Porém, isso não significa que a
qualquer momento a pessoa possa realizar um milagre. A igreja
diz: "Cuidado". As curas não podem ser encomendadas em momento determinado, em horários
determinados.
Folha - Usar a camisinha não é
uma forma de proteger a vida? Por
que a igreja condena o seu uso?
D. Cláudio - Na medida que você
propõe a camisinha como a grande defesa a favor da vida, você vai
estar dizendo que o que importa é
sexo seguro. O resto, tudo pode
ser feito. Se tudo pode ser feito,
você está atingindo seriamente a
questão da vida.
A camisinha acaba sendo um
risco maior, depois. Porque você
acaba educando as pessoas para
algo que vai atingir a vida humana
dentro de um conjunto. Não só a
sua vida pessoal, mas a vida humana como um conjunto. Você
não pode imaginar uma sociedade que é totalmente libertina em
termos sexuais e de promiscuidade, contanto que ela use camisinha. E é isso o que você pode ver
na propaganda que se faz. Se diz:
"Use camisinha para sexo seguro". É o único que se diz. A igreja
não pode entrar nesse discurso.
Folha - Por que a igreja não aceita
o casamento entre homossexuais?
D. Cláudio - Porque a igreja não
aceita a homossexualidade. Ela jamais condena, atinge ou discrimina quem tem a tendência homossexual. Mas a prática da homossexualidade ela não pode aceitar.
Folha - Por que a sexualidade só
pode estar a serviço da reprodução?
D. Cláudio - Não, da vida matrimonial. A vida matrimonial é
mais do que a reprodução. Na vida matrimonial, a sexualidade faz
parte, para ajudar a união e a comunhão dos cônjuges.
Folha - Por que não se pode aceitar o aborto quando há risco de vida da mãe?
D. Cláudio - Você não pode matar uma vida para salvar o outra.
A posição da igreja é que se deve
fazer tudo para salvar as duas.
Folha - O consistório que começa
do dia 21 vai reforçar a linha que a
igreja brasileira tem adotado a favor de uma revisão do pagamento
da dívida externa?
D. Cláudio - A igreja aqui sempre
se manifestou no sentido de que,
para os países pobres onde pesa
demais a dívida, mesmo que ela
for justa, deveria ser perdoada.
Também é preciso saber qual
parte da dívida a sociedade como
um todo deveria assumir e qual
parte da dívida é de empresas, de
bancos, em que a sociedade não
deveria entrar.
Folha - Há quem diga que essa
posição da igreja vai contra o livre
funcionamento do mercado.
D. Cláudio - Eu creio que hoje há
uma consciência crescente -eu
diria que até majoritária- de que
o puro mercado não pode ser defendido. O livre mercado acaba
favorecendo sempre os fortes e
desfavorecendo os fracos.
O Estado é que deve traçar os limites até onde pode avançar o
forte, com toda a sua força, sobre
o fraco. Isso é ser uma força moderadora do próprio mercado.
Quem defende o livre mercado,
pura e simplesmente, começa a
ver que isso não pode durar em
função do desemprego em massa.
Folha - O que se deve fazer com
relação à corrupção no Brasil?
D. Cláudio - A corrupção deve
ser apurada, sobretudo nos altos
escalões, porque eles deveriam ser
modelares. Se há corrupção ali,
ela deve ser apurada completamente, até o fim, e punida.
De que forma deve ser essa apuração e punição, não é a igreja que
tem competência para dizer. São
decisões que devem ser tomadas
por aqueles que representam a sociedade. Deve ser decidido pelos
órgãos da democracia.
Mas ela deve ser punida e, muitas vezes até, com rigor, para que
isso comece a ter paradeiro, para
que não seja verdade nem se dê a
impressão de ser verdade, de que
o crime compensa.
Folha - Ao longo da história da
igreja sempre houve uma tensão
entre orar e atuar. Para o sr. o que é
mais importante: orar ou atuar?
D. Cláudio - Não se pode colocar
a questão dessa forma. Não se pode atuar sem oração e não se pode
só orar, sem ação. As duas coisas
se auto-alimentam. As duas fazem parte do espírito. Se você me
perguntasse se o espírito é mais
importante ou a matéria, eu diria:
"O espírito é mais importante que
a matéria." A ação e a oração são
manifestações do espírito. A ação
também vem do espírito. As duas
são fundamentais para a igreja.
Há agrupamentos que mais oram
do que atuam. Há outras que se
dedicam muito à ação pastoral,
sem dar tanto realce à liturgia.
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