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DIPLOMACIA
Em meio à crise da região, presidente deve defender Mercosul
FHC inicia, pelo Uruguai, sua despedida da cena mundial
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Exatas 24 horas depois de se
avistar com os quatro principais
candidatos ao seu lugar, o presidente Fernando Henrique Cardoso começa a se despedir das
pompas, das honras e das atividades internacionais.
FHC embarca para o Uruguai
hoje e fica até amanhã, em uma
visita de Estado -o rótulo que a
diplomacia aplica às visitas do
mais alto nível.
A viagem é resultado de convite
formulado em abril pelo presidente uruguaio Jorge Battle, que,
na ocasião, anunciou-a como
uma homenagem ao mandatário
brasileiro pelo papel desempenhado no Mercosul e, mais amplamente, na integração da América do Sul.
Mas, entre o convite e a efetivação da visita, as labaredas da crise
queimaram tanto o Uruguai (que
perdeu 79% de suas reservas nos
primeiros sete meses do ano) como o próprio Brasil.
Queimaram tanto que até um
jornal de elevado prestígio no
mundo financeiro e que sempre
fez análises lisonjeiras sobre a gestão FHC, afirmava, na última
quinta-feira: "O jogo acabou para
o Brasil".
Ontem, o presidente tentou,
junto aos candidatos, mostrar ao
mundo que o jogo ainda não acabou. Ou, posto de outra forma,
procurou obter deles garantias de
que não jogarão mais gasolina na
fogueira, o que, pelo menos na visão palaciana, impediria que o jogo terminasse ainda durante o governo FHC.
Hoje, o presidente brasileiro
volta ao ambiente em que se sente
claramente mais à vontade e volta
igualmente ao discurso que vem
pronunciando a rigor desde a primeira posse, em 1995.
FHC falará na sede da Aladi (Associação Latino-Americana de
Desenvolvimento e Integração)
sobre o futuro do Mercosul e sobre a Alca.
É claro que Fernando Henrique
voltará a defender o bloco do Sul,
que foi, até o fim, prioridade um
de seu governo.
O difícil é adivinhar que argumentos poderá usar agora, quando todos os quatro países do bloco estão mergulhados em profunda crise.
Sabe-se apenas que comentará
o programa de trabalho para revitalizar o Mercosul, elaborado pelo
governo brasileiro para o semestre final do ano, exatamente o período em que o bloco regional estará sob presidência brasileira.
O presidente falará também em
um fórum de empresários, no
qual o tema será a economia regional, nacional e internacional.
De novo, deverá tocar no seu tema de sempre: a necessidade de
colocar ordem na movimentação
financeira internacional.
FHC culpará a situação internacional pela crise brasileira. A Folha apurou que, na análise palaciana, as dificuldades internas se
devem, pela ordem, à crise de
confiança nas empresas dos Estados Unidos, provocada pelas
fraudes em balanços, ao colapso
da Argentina e às incertezas decorrentes das seguidas ameaças
norte-americanas de invadir o
Iraque.
Só em terceiro lugar, viria o fator interno: a insegurança provocada pelas eleições. O presidente
deverá mencionar, também, a especulação como responsável pela
subida do dólar e do risco-país.
Haverá um terceiro discurso, no
Congresso uruguaio, em que o tema será essencialmente político.
Fronteiras
Mas a visita irá além do aspecto
cerimonial e das primeiras despedidas do presidente Fernando
Henrique.
Será assinado o que o Itamaraty
batiza de "acordo pioneiro", destinado a facilitar a vida dos cidadãos uruguaios que trabalham na
fronteira.
São os chamados "indocumentados", que buscam aproveitar-se
do custo de vida mais baixo do lado brasileiro e também de melhores oportunidades de emprego.
Mas a cooperação fronteiriça
não se esgota nesse acordo. Há
uma grande lista de áreas em que
Brasil e Uruguai passarão a atuar
conjuntamente.
Ainda na área de cooperação, a
visita de FHC servirá para ampliar
a discussão já iniciada entre os
dois governos sobre as possibilidades de o Brasil atuar mais intensamente como investidor no
Uruguai.
É claro que, numa época como a
atual, em que não há capital nem
sequer para as necessidades internas, esse tipo de discussão soa bizarra.
Mas a diplomacia tenta trabalhar sempre com uma visão de
mais médio e longo prazo. Para o
Uruguai, diversificar a sua economia, hoje assentada em carne e lã,
pode ser vital, ainda mais agora
que o setor financeiro (o principal
do país) começou a viver uma crise aguda.
A cooperação com os vizinhos é
parte do projeto do presidente
FHC de estreitar o relacionamento com todos os países sul-americanos, claro que sob liderança
brasileira.
Mas é um projeto que a crise
deixa paralisado, mesmo na visão
mais otimista, ou à beira do abismo, segundo os cenários pessimistas, na hora em que o presidente inicia as suas despedidas do
palco internacional, no qual obteve sistematicamente mais aplausos do que internamente.
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