São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 2002

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DIPLOMACIA

Em meio à crise da região, presidente deve defender Mercosul

FHC inicia, pelo Uruguai, sua despedida da cena mundial

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Exatas 24 horas depois de se avistar com os quatro principais candidatos ao seu lugar, o presidente Fernando Henrique Cardoso começa a se despedir das pompas, das honras e das atividades internacionais.
FHC embarca para o Uruguai hoje e fica até amanhã, em uma visita de Estado -o rótulo que a diplomacia aplica às visitas do mais alto nível.
A viagem é resultado de convite formulado em abril pelo presidente uruguaio Jorge Battle, que, na ocasião, anunciou-a como uma homenagem ao mandatário brasileiro pelo papel desempenhado no Mercosul e, mais amplamente, na integração da América do Sul.
Mas, entre o convite e a efetivação da visita, as labaredas da crise queimaram tanto o Uruguai (que perdeu 79% de suas reservas nos primeiros sete meses do ano) como o próprio Brasil.
Queimaram tanto que até um jornal de elevado prestígio no mundo financeiro e que sempre fez análises lisonjeiras sobre a gestão FHC, afirmava, na última quinta-feira: "O jogo acabou para o Brasil".
Ontem, o presidente tentou, junto aos candidatos, mostrar ao mundo que o jogo ainda não acabou. Ou, posto de outra forma, procurou obter deles garantias de que não jogarão mais gasolina na fogueira, o que, pelo menos na visão palaciana, impediria que o jogo terminasse ainda durante o governo FHC.
Hoje, o presidente brasileiro volta ao ambiente em que se sente claramente mais à vontade e volta igualmente ao discurso que vem pronunciando a rigor desde a primeira posse, em 1995.
FHC falará na sede da Aladi (Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração) sobre o futuro do Mercosul e sobre a Alca.
É claro que Fernando Henrique voltará a defender o bloco do Sul, que foi, até o fim, prioridade um de seu governo.
O difícil é adivinhar que argumentos poderá usar agora, quando todos os quatro países do bloco estão mergulhados em profunda crise.
Sabe-se apenas que comentará o programa de trabalho para revitalizar o Mercosul, elaborado pelo governo brasileiro para o semestre final do ano, exatamente o período em que o bloco regional estará sob presidência brasileira.
O presidente falará também em um fórum de empresários, no qual o tema será a economia regional, nacional e internacional.
De novo, deverá tocar no seu tema de sempre: a necessidade de colocar ordem na movimentação financeira internacional.
FHC culpará a situação internacional pela crise brasileira. A Folha apurou que, na análise palaciana, as dificuldades internas se devem, pela ordem, à crise de confiança nas empresas dos Estados Unidos, provocada pelas fraudes em balanços, ao colapso da Argentina e às incertezas decorrentes das seguidas ameaças norte-americanas de invadir o Iraque.
Só em terceiro lugar, viria o fator interno: a insegurança provocada pelas eleições. O presidente deverá mencionar, também, a especulação como responsável pela subida do dólar e do risco-país.
Haverá um terceiro discurso, no Congresso uruguaio, em que o tema será essencialmente político.

Fronteiras
Mas a visita irá além do aspecto cerimonial e das primeiras despedidas do presidente Fernando Henrique.
Será assinado o que o Itamaraty batiza de "acordo pioneiro", destinado a facilitar a vida dos cidadãos uruguaios que trabalham na fronteira.
São os chamados "indocumentados", que buscam aproveitar-se do custo de vida mais baixo do lado brasileiro e também de melhores oportunidades de emprego.
Mas a cooperação fronteiriça não se esgota nesse acordo. Há uma grande lista de áreas em que Brasil e Uruguai passarão a atuar conjuntamente.
Ainda na área de cooperação, a visita de FHC servirá para ampliar a discussão já iniciada entre os dois governos sobre as possibilidades de o Brasil atuar mais intensamente como investidor no Uruguai.
É claro que, numa época como a atual, em que não há capital nem sequer para as necessidades internas, esse tipo de discussão soa bizarra.
Mas a diplomacia tenta trabalhar sempre com uma visão de mais médio e longo prazo. Para o Uruguai, diversificar a sua economia, hoje assentada em carne e lã, pode ser vital, ainda mais agora que o setor financeiro (o principal do país) começou a viver uma crise aguda.
A cooperação com os vizinhos é parte do projeto do presidente FHC de estreitar o relacionamento com todos os países sul-americanos, claro que sob liderança brasileira.
Mas é um projeto que a crise deixa paralisado, mesmo na visão mais otimista, ou à beira do abismo, segundo os cenários pessimistas, na hora em que o presidente inicia as suas despedidas do palco internacional, no qual obteve sistematicamente mais aplausos do que internamente.


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