São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Texto Anterior | Índice

Doleiros tinham até "câmara de compensação"

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

As investigações da força-tarefa CC5 do Banestado revelam a existência de uma forte organização financeira paralela no Brasil operada por doleiros. A organização chega à sofisticação de manter uma espécie de "câmara de compensação" para o dinheiro ilícito, nos moldes das relações interbancárias coordenadas pelo Banco do Brasil para compensar cheques.
Quando as investigações sobre as remessas CC5 (de não residentes) foi iniciada em 1999, acreditava-se que os doleiros brasileiros atuavam só para remeter dinheiro sujo para o exterior por meio de laranjas, mantendo contas e "offshores" no exterior. Hoje já existem provas, segundo a força-tarefa, de que essa "câmara de compensação" funciona também no mercado interno, em operações de limpeza de dinheiro obtido por meio de fraudes na administração pública, de sobras de campanha e de valores oriundos do contrabando e do tráfico de drogas.
Para as remessas para o exterior, os doleiros aproveitaram brechas criadas pelo próprio Banco Central. Em maio de 1996, o BC permitiu que cinco agências bancárias de Foz do Iguaçu (PR) operassem em um esquema especial com as contas CC5. Essa permissão burlava a exigência legal de comunicação ao BC de movimentações acima de R$ 10 mil.
O resultado: quando se abriu as contas do Banestado em Nova York, em 2002, mais de R$ 30 bilhões haviam sido movimentados em 137 contas de brasileiros nos EUA. Os remetentes: laranjas de doleiros e casas de câmbios paraguaias. Fechada a torneira livre das contas CC5, os doleiros passaram a atuar no sistema dólar-cabo, com transações baseadas na confiança recíproca entre eles, nas quais o dinheiro não sai do país.
Depoimentos do doleiro Alberto Youssef à força-tarefa e à Justiça Federal em Curitiba mostram que os doleiros apostam na ineficácia da fiscalização brasileira para limpar o dinheiro ilícito. Ao depor sobre operações fraudulentas na Copel, que resultaram em perdas de R$ 56, 4 milhões à empresa paranaense em 2002, Youssef explicou como funciona o sistema de "compensação paralela".
Segundo Youssef, ele indicou contas laranjas mantidas por doleiros em bancos do Rio e São Paulo para que os responsáveis pelas fraudes fizessem depósitos. Depois foi até São Paulo e Rio e sacou os valores (já descontadas as comissões dos doleiros) com seus sócios na operação. Ao retornar a Curitiba para distribuir o dinheiro aos fraudadores, eles estavam livres de qualquer suspeita, pois recebiam dinheiro vivo, sem documentos (cheques ou depósitos) que pudessem incriminá-los.


Texto Anterior: Caso Banestado: Força-tarefa agora rastreia novas contas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.