São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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ELIO GASPARI

A bolsa da Viúva melhorou a vida do pobre

Os programas sociais funcionam, mas o mercado de trabalho do andar de baixo deteriorou-se

TRÊS PESQUISADORES do Cebrap (Argelina Cheibub Figueiredo, Haroldo da Gama Torres e Renata Bichir) puseram na rua dois artigos que merecem ser lidos por quem queira acompanhar a discussão de políticas sociais durante a campanha eleitoral. Um saiu na revista "Inteligência" e, felizmente, está na internet. Chama-se "Renda e votos: o democrático toma lá dá cá". O outro é "A conjuntura brasileira revisitada", publicado pela "Novos Estudos". Ambos partem da análise de duas pesquisas feitas em 1991 e 2004 junto ao universo dos 40% mais pobres da cidade de São Paulo (renda mensal domiciliar inferior a R$ 520,00).
Trazem três notícias. Primeiro as duas boas: os programas de ajuda aos pobres funcionam e a vida do andar de baixo melhorou. A ruim: como o emprego deteriorou-se, esse êxito não tem nada a ver com a construção de um país novo e melhor. Trata-se de um serviço de lanternagem numa sociedade onde marretaram o trabalhador.
A eficácia dos programas sociais entusiasma: 63% dos beneficiados pelas iniciativas municipais, estaduais e federais têm renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo. Nessa faixa, o socorro da Viúva equivale a 21% do orçamento da casa. A história de que o dinheiro vai para quem não precisa é conversa de demófobo com saudade do Proer. (Ainda assim, os favelados tendem a ficar fora do alcance das Bolsas-Viúva.)
Entre 1991 e 2004 o mercado de trabalho deteriorou-se. Caiu o número de adultos empregados, e quem conseguiu serviço foi empurrado para a informalidade. Cerca da metade dos trabalhadores que dispunham da rede de proteção do INSS foi jogada ao mar. A percentagem dos que recebiam vale-transporte encolheu de 44% para 32%. Os trabalhadores beneficiados por cestas básicas ou vales-refeição caiu de 77% para 36%. Ou seja, o tunga-trabalhador mordeu metade dos assistidos de 1991.
Se de um lado houve um processo de degradação do emprego, a informalidade e a perda de benefícios não resultaram numa ruína. Pelo contrário. A renda da faixa dos 40% mais pobres passou de 2,7 salários mínimos em 1991 para 4,2 em 2004. Isso se deveu aos bicos, proventos de aposentadoria e ao socorro dos governos.
A vida dos 40% mais pobres de São Paulo melhorou. O acesso a bens duráveis expandiu-se. As geladeiras foram de 84% para 96% dos domicílios dessa faixa; os carros, de 11,5% para 20,3%. Os telefones fixos saíram de 6,2% para 57,1%. Há DVDs em cerca de um terço dos domicílios.
Nas casas do andar de baixo há água e luz (97%), coleta de lixo (93%) e saneamento (75%). O serviço público de pior qualidade é a ronda policial (59%). Surpresa: comparando as avaliações de 1991 e de 2004, os pobres consideram-se melhor atendidos na rede escolar e nos postos médicos.
Nove em dez famílias valeram-se dos serviços de saúde e em 2004 o tempo médio de espera para uma consulta era de 39 dias. (No andar de cima, o Consulado Americano pede 53 dias para agendar um pedido de visto, cobrando R$ 38 pelo telefonema.)
Em 2004, depois da eleição municipal, de cada dez pobres, quatro tinham preferência partidária. Para cada eleitor tucano havia mais de três petistas (8% contra 27%).
O trabalho mostra que a realidade é mais complexa que o paraíso vendido por Nosso Guia. Que conclusão se pode tirar desses números? Nada melhor do que transcrever os autores:
"Pensando nos próximos anos, vale destacar que, na esfera do trabalho, a perspectiva para os mais pobres não é muito animadora. (...) Embora a atuação do Estado, por meio de serviços públicos e políticas sociais, tenha conseguido "amortecer" os efeitos da forte deterioração das condições de trabalho dos mais pobres, cabe perguntar até que ponto ele será capaz de cumprir esse papel no futuro próximo".

Cautela
O vice-presidente José Alencar deve procurar a Receita Federal. Uma consulta ao sítio do Leão informa que seu CPF (003 074 836-49) não permite a emissão de um nada consta por meio da internet. O silêncio não quer dizer nada. Pode ser conseqüência de um mero erro de digitação. Mesmo assim, como Alencar é candidato à reeleição, nada melhor do que limpar os trilhos.

Lula e seus zumbis
O PT arrisca sair da eleição com três governos estaduais (Acre, Piauí e Sergipe), liderando uma bancada menor que a de hoje. Uma estimativa da provável composição do novo Congresso sugere que Nosso Guia precisará caçar parlamentares na bacia das almas, junto aos pequenos partidos, muito dos quais hibernarão, congelados pela cláusula de desempenho. Será a bancada dos zumbis. Poderá ter em torno de cem deputados. Não se deve dizer que todo zumbi gosta de ambulância, mas quase todos os adoradores de ambulâncias são zumbis.

Gatilho rápido
De um conhecedor das mumunhas de Nosso Guia:
"Quando Lula era sindicalista e ficava sem assunto, ia na gaveta e tirava a agenda de reforma da Consolidação das Leis do Trabalho. Vai completar quatro anos de mandato e não mexeu nela. Desde que fundou o PT, supre qualquer período de falta de assunto com a proposta de uma reforma política".

Renan na mira
O presidente do Senado, Renan Calheiros corre o risco de ser defrontado com uma rebelião de meia dúzia de colegas com biografias acima de suspeitas, mesadas e ambulâncias.

Meada velha
A Operação Dilúvio, na qual a Polícia Federal capturou 102 membros de uma quadrilha de fraudadores de exportações, tem uma perna visível no mercado de espertalhões de Miami. Há outra no Paraguai, com mais de 30 anos de boas conexões na vida política e nas malandragens nacionais.

Cobras e brazões
Para quem acha que a família de "Foguinho" (Lázaro Ramos) exagera, o comportamento noturno do príncipe Harry de Windsor leva a pensar que a vida real da monarquia inglesa perde para a novela das sete. A saber: Harry não seria filho do príncipe Charles, mas do major James Hewitt, titular do afeto de Lady Di à época. (Se bobear, concebido na Embaixada do Brasil, onde a princesa tinha escova de dentes.) Tio Andrew, irmão mais moço de Charles, seria filho de Lord Porchester, senhor dos estábulos reais. Porchester é neto do Lord Carnarvon, que patrocinou a escavação da tumba de faraó Tutankhamon e foi a primeira vítima da praga da múmia. Isso tudo sem contar o núcleo "Páginas da Vida" da casa real. A mãe da Rainha Elizabeth ajudou a esconder num sanatório duas sobrinhas que nasceram com lesões cerebrais. Em 1963 o almanaque da nobreza deu-as por mortas. Uma viveu até 1986 e a outra continua internada, em local desconhecido.

Sabedoria
A Ordem dos Economistas do Brasil concedeu o prêmio de Economista do Ano ao professor André Lara Resende, que se mudou para Londres. Sócio-fundador da ekipekonômica, deveria ter recebido o Homem de Visão, mas infelizmente esse adereço saiu de circulação.


SERVIÇO - O artigo da revista "Inteligência" está no seguinte endereço: www.insightnet.com.br/inteligencia/


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