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ELIO GASPARI
A balança quebrada
Merece seu lugar no anedotário nacional a informação dada pelo ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias,
diante do repique das importações de setembro: "Nós não estamos trabalhando hoje com saldo. Estamos trabalhando com o
aumento das exportações, coisa
que estamos conseguindo fazer,
com um percentual ao redor de
20%". Isso seria mais ou menos a
mesma coisa que a capitã do time australiano, depois de tomar
o segundo gol do Brasil, informar que não estava mais trabalhando com a classificação.
Coisas da ekipekonômica. Em
1999, andaram trabalhando
com um saldo de US$ 11 bilhões e
acabaram entregando um déficit de US$ 1 bilhão. Neste ano,
começaram trabalhando com
US$ 5 bilhões de saldo e agora
arriscam-se a fechar com uma
mixaria, tanto para cima quanto para baixo. Parecem varejistas de legumes. Se chove, trabalham com tomates. Na seca, vendem chicória.
O Brasil continua comprando
mais do que vende. Enquanto se
vivia o populismo cambial, isso
era facilmente explicável. Era
uma época em que se andava
por Miami com a sensação de
que tudo estava barato, inclusive
o dólar. Ajeitado o câmbio, era
de supor que essa conta fechasse.
Melhorou, mas, a menos que se
estivesse brincando quando se
falou em US$ 5 bilhões de superávit, o desempenho dessas contas foi no mínimo medíocre.
Em fevereiro passado, pouco
antes de assumir a Secretaria da
Câmara de Comércio Exterior, o
empresário Roberto Giannetti
da Fonseca informou lisamente
que as contas externas brasileiras iam mal e que, para consertá-las, era "fundamental o superávit comercial". Ele fazia uma
projeção otimista para o ano que
vem: "Se não conseguirmos a
metade, US$ 10 bilhões de superávit, os bancos não vão mais
querer financiar nosso déficit em
conta corrente. Vai ficar evidente o desequilíbrio estrutural no
balanço de pagamentos do país.
Se isso acontecer, teremos de
conter as importações via redução do crescimento e voltaremos
à estaca zero. Esse é o desafio".
Desafio mesmo, isso Giannetti
aprendeu, é convencer o Ministério da Fazenda a adotar uma
política que torne mais agressivas as exportações. Ou mesmo
que torne mais sincera sua observação de fenômenos adversos,
como o aumento do custo das
importações de petróleo.
Tápias e Giannetti não participaram da formulação mirabolante do superávit de US$ 5 bilhões, assim como não há registro de que tenham feito apostas
contra a alta do preço do barril.
Esse esporte é quase que uma exclusividade dos sábios de muita
plumagem. Pelo contrário, tentaram tocar o bonde, mesmo
com o desconforto de ver que ele
não tem trilhos. FFHH já teve
quatro ministros do Desenvolvimento (contando-se Luiz Carlos
Mendonça de Barros, abatido
em vôo). Depois de dois anos de
estagnação econômica, seu governo abraça-se a um crescimento de 4%, associado a um pífio
desempenho do emprego, com a
mesma pompa que Bill Clinton
veste quando lembra aos eleitores que criou 21 milhões de novos
postos de trabalho.
A balança comercial está patinando porque o governo não
consegue se atirar no incentivo
às exportações e também porque
se meteu em transações multilaterais lesivas à economia nacional. Ao contrário do que FFHH
diz, o Brasil tem uma relação
carnal com a Argentina. Faz
tempo que ela vem comendo a
carne do parque automobilístico
nacional. Além disso, não consegue segurar as importações. Há
um país que acaba de ameaçar a
Inglaterra com sobretaxas em
produtos supérfluos. Só não baixou o facão porque o primeiro-ministro Tony Blair escreveu
uma carta dramática ao seu presidente. Costa Rica? Não. Estados Unidos.
Há dois anos, quando deixou a
Casa Branca, depois de uma entrevista com Bill Clinton, FFHH
orgulhou-se de comandar um
país que importava mais dos Estados Unidos que a China.
Quando um presidente se credencia pelo que compra, e não
pelo que vende, vai mal a coisa.
Daqui a uns meses algum ministro poderá anunciar que "hoje
nós não estamos mais trabalhando com crescimento".
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