São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2000

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ELIO GASPARI
A balança quebrada

Merece seu lugar no anedotário nacional a informação dada pelo ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, diante do repique das importações de setembro: "Nós não estamos trabalhando hoje com saldo. Estamos trabalhando com o aumento das exportações, coisa que estamos conseguindo fazer, com um percentual ao redor de 20%". Isso seria mais ou menos a mesma coisa que a capitã do time australiano, depois de tomar o segundo gol do Brasil, informar que não estava mais trabalhando com a classificação.
Coisas da ekipekonômica. Em 1999, andaram trabalhando com um saldo de US$ 11 bilhões e acabaram entregando um déficit de US$ 1 bilhão. Neste ano, começaram trabalhando com US$ 5 bilhões de saldo e agora arriscam-se a fechar com uma mixaria, tanto para cima quanto para baixo. Parecem varejistas de legumes. Se chove, trabalham com tomates. Na seca, vendem chicória.
O Brasil continua comprando mais do que vende. Enquanto se vivia o populismo cambial, isso era facilmente explicável. Era uma época em que se andava por Miami com a sensação de que tudo estava barato, inclusive o dólar. Ajeitado o câmbio, era de supor que essa conta fechasse. Melhorou, mas, a menos que se estivesse brincando quando se falou em US$ 5 bilhões de superávit, o desempenho dessas contas foi no mínimo medíocre.
Em fevereiro passado, pouco antes de assumir a Secretaria da Câmara de Comércio Exterior, o empresário Roberto Giannetti da Fonseca informou lisamente que as contas externas brasileiras iam mal e que, para consertá-las, era "fundamental o superávit comercial". Ele fazia uma projeção otimista para o ano que vem: "Se não conseguirmos a metade, US$ 10 bilhões de superávit, os bancos não vão mais querer financiar nosso déficit em conta corrente. Vai ficar evidente o desequilíbrio estrutural no balanço de pagamentos do país. Se isso acontecer, teremos de conter as importações via redução do crescimento e voltaremos à estaca zero. Esse é o desafio".
Desafio mesmo, isso Giannetti aprendeu, é convencer o Ministério da Fazenda a adotar uma política que torne mais agressivas as exportações. Ou mesmo que torne mais sincera sua observação de fenômenos adversos, como o aumento do custo das importações de petróleo.
Tápias e Giannetti não participaram da formulação mirabolante do superávit de US$ 5 bilhões, assim como não há registro de que tenham feito apostas contra a alta do preço do barril. Esse esporte é quase que uma exclusividade dos sábios de muita plumagem. Pelo contrário, tentaram tocar o bonde, mesmo com o desconforto de ver que ele não tem trilhos. FFHH já teve quatro ministros do Desenvolvimento (contando-se Luiz Carlos Mendonça de Barros, abatido em vôo). Depois de dois anos de estagnação econômica, seu governo abraça-se a um crescimento de 4%, associado a um pífio desempenho do emprego, com a mesma pompa que Bill Clinton veste quando lembra aos eleitores que criou 21 milhões de novos postos de trabalho.
A balança comercial está patinando porque o governo não consegue se atirar no incentivo às exportações e também porque se meteu em transações multilaterais lesivas à economia nacional. Ao contrário do que FFHH diz, o Brasil tem uma relação carnal com a Argentina. Faz tempo que ela vem comendo a carne do parque automobilístico nacional. Além disso, não consegue segurar as importações. Há um país que acaba de ameaçar a Inglaterra com sobretaxas em produtos supérfluos. Só não baixou o facão porque o primeiro-ministro Tony Blair escreveu uma carta dramática ao seu presidente. Costa Rica? Não. Estados Unidos.
Há dois anos, quando deixou a Casa Branca, depois de uma entrevista com Bill Clinton, FFHH orgulhou-se de comandar um país que importava mais dos Estados Unidos que a China. Quando um presidente se credencia pelo que compra, e não pelo que vende, vai mal a coisa. Daqui a uns meses algum ministro poderá anunciar que "hoje nós não estamos mais trabalhando com crescimento".


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