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Viciados em jogos temem reabertura de casas de bingo
Jogadores preveem problemas familiares caso Congresso legalize a atividade
Membros da associação de Jogadores Anônimos (JA) relatam perdas financeiras, sentimento de abandono e impotência diante do jogo
LILIAN CHRISTOFOLETTI
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
"O nosso mundo tremeu nesta semana. A CCJ [Comissão de
Constituição e Justiça] da Câmara aprovou a volta dos bingos e dos caça-níqueis. Quero
saber quem aqui não sentiu um
frio na espinha com essa notícia. Eu estou com medo, medo
por saber que não estou preparada para ver o luminoso do
Bingo Itaim se acender. Meu
nome é Marisa (os nomes utilizados na reportagem são fictícios). Estou há um ano, quatro
meses e cinco dias sem jogar."
A apreensão de Marisa, 56,
consultora de marketing, que
espreme as mãos enquanto fala, é compartilhada por três
mulheres e três homens sentados em semicírculo numa das
reuniões da associação JA (Jogadores Anônimos). Eles estão
numa sala ampla, nos fundos de
uma igreja, no bairro do Itaim,
que já foi um dos tradicionais
redutos de jogos em São Paulo.
A Folha acompanhou a reunião, na quinta-feira, sob o
compromisso de respeitar o
anonimato dos participantes.
"Enquanto o bingo está fechado, eu sei que consigo resistir. Nem penso no jogo. Mas, se
está aberto, a compulsão começa a tomar conta, volta a vontade de jogar e fica mais difícil
combater", diz a pedagoga Paula, 43, que conta ter perdido todas as economias do marido
em casas de bingo.
Para ela, o reflexo positivo do
fechamento dos bingos pode
ser visto nas reuniões diárias
da JA em todo o país.
"Quando os bingos funcionavam, as salas do JA ficavam lotadas. Veio a proibição e os jogadores sumiram. Acho que a
maioria se acomodou pensando que, com o fechamento, não
havia mais risco. O que, até um
certo ponto, era verdade. Mas,
se o bingos reabrirem, amanhã
a sala volta a encher. Posso dizer, sem chance de errar, que
uns 90% dos que frequentavam
os bingos tinham algum problema. O duro é assumir", diz.
A pedagoga afirma que, após
o fechamento das casas de bingo, transferiu a compulsão pelo
jogo para comida, álcool e cigarro. "Mas consegui largar a
bebida e perdi os 30 quilos que
havia engordado. Só a compulsão pelo jogo não passa."
A aposentada Lúcia, 67, há
quase 12 anos no grupo, diz que
as histórias dos jogadores são
muito parecidas, tratam do
sentimento de abandono, das
perdas financeiras, das dívidas
acumuladas e da impotência
diante do jogo.
"Minha perdição foi o Bingo
Itaim, que funcionava das 15h
às 3h da manhã. Eu entrava na
fila antes das 15h e só saía
quando a casa fechava. Ia todos
os dias, era outra pessoa. Acho
que a sensação é muito próxima à de um drogado. Eu me
afastei da família, não queria
falar com ninguém, só pensava
em como ter dinheiro para
apostar. Gastei tudo o que eu
havia economizado para a minha velhice", disse Lúcia, há 11
anos e cinco meses sem jogar.
Para o aposentado Marcos,
70, a reabertura dos bingos seria "terrível, terrível". Ele começou a jogar aos 15 anos, com
corridas de cavalo, passou por
todas as modalidades de jogos,
e parou há seis meses "por insistência" da mulher.
Além da eventual recaída de
ex-jogadores, Marcos diz ficar
preocupado com a adesão de
jovens ao vício dos jogos.
On-line
Quinta-feira, minutos depois
da aprovação, pela CCJ, da reabertura dos bingos, explodiram
discussões na internet entre
aqueles que se reconhecem viciados em jogos e familiares.
"[Os bingos] Trarão riqueza para poucos e pobreza e infelicidade para muitos e suas famílias. O Estado gastará em tratamento de saúde tudo o que arrecadará em impostos", escreveu o internauta Thomas, há
três anos sem jogar.
"Se visse um familiar deles
vendendo coisa de casa para ir
ao bingo ou caça-níquel, não
aprovavam", afirmou José, em
uma lista de discussões.
Muitos ex-viciados relatavam o medo de sair às ruas e
passar pelos bingos onde costumavam jogar. "Tenho medo de
voltar a andar na [rua] Augusta", afirmava Elaine. "Nos últimos anos era um alívio não ter
mais os bingos por lá", conta
ela. Apesar de estar há dois
anos e meio sem jogar, ela não
sabe como se sentirá com tantas "tentações" reabertas.
O jogo patológico é uma
doença reconhecida pela OMS
(Organização Mundial da Saúde) desde 1992. Quem sofre do
mal não resiste à tentação de
jogar. E, quando está jogando,
não consegue parar, mesmo
perdendo muito. Segundo a
coordenadora de um dos grupos da Jogadores Anônimos,
Paula, as mulheres sofrem mais
risco de se tornarem viciadas.
"Com um bingo em cada esquina, nossa tarefa de resistir
se torna muito mais difícil",
disse Elaine.
Há reuniões de JA em mais
de 10 cidades no Brasil.
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