São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2001

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TELECOMUNICAÇÕES

Relator Henrique Alves (PMDB) diz que proposta de agência para fiscalizar fusões tem veto da Globo

Abertura da mídia emperra no Congresso

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), 52, relator da emenda constitucional sobre a entrada de capital estrangeiro nos meios de comunicação, diz que surgiu um novo impasse para a sua votação no Congresso: parte dos parlamentares quer votar antes a lei de radiodifusão proposta pelo ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga (PSDB-MG).
"Creio que estamos diante de um novo impasse, que pode ser demorado. O anteprojeto de lei do Pimenta está sendo criticado por todos os lados", afirmou.
Alves reassumiu seu mandato por duas semanas para defender emendas de interesse do Rio Grande do Norte -onde é secretário de Governo- no Orçamento da União de 2002 e deixa a Câmara de novo na quarta-feira.
Em seu curto retorno, disse que foi contatado por emissoras de televisão interessadas em agilizar a votação. Segundo ele, as emissoras temem que as companhias telefônicas venham a dominar o setor, por vias indiretas (com outros serviços que não são controlados por lei, como a internet), antes que o Congresso examine a entrada do capital estrangeiro.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, feita por telefone anteontem:
 

Folha - A emenda constitucional para a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação está há um ano em banho-maria na Câmara. Por que não anda?
Henrique Eduardo Alves -
A emenda ficou pronta em setembro de 99 e foi retirada duas vezes da pauta em 2000. São necessários 320 votos para aprová-la, o que corresponde a três quintos dos deputados. As oposições exigiram que eu incluísse na proposta a criação de uma agência para fiscalizar as fusões e as associações com o capital estrangeiro. Levei o assunto às lideranças do partidos, e o ministro Pimenta da Veiga discordou, achou que o Ministério das Comunicações já exerce tal função. O PT queria um órgão com poderes explícitos de investigação e aberto à sociedade. A Rede Globo, que tem muitos votos na bancada, também foi contra.

Folha - Quantos votos a Globo tem na Câmara?
Alves -
Muitos. Se ela quiser acionar, tem um bocado de votos. A Globo achava que a comissão seria um órgão burocratizante a mais e, de fato, seria, pois o ministério já tem poder de fiscalização sobre a radiodifusão. Tentei ponderar que a proposta não altera o conteúdo da emenda, que é melhor perder os anéis e salvar os dedos. Cheguei a redigir o texto, com o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), mas não teve jeito. Com os votos contrários da oposição, precisaríamos ter 480 deputados no plenário para a aprovação, e o assunto é muito importante para arriscarmos uma derrota.

Folha - O sr. acha mesmo que foi o desentendimento sobre a tal agência que emperrou o projeto?
Alves -
Enquanto eu negociava com as lideranças, fui contatado pelo pessoal da Globo. Ela apoiava a emenda com a redação dada pela comissão especial da Câmara e não queria nenhuma alteração no texto. Sem a unanimidade das empresas e sem o apoio de Pimenta da Veiga, não havia condição de botar em votação.

Folha - A Globo declara ser a favor da emenda, mas outras redes de TV dizem que ela tem trabalhado em sentido contrário. Como relator, o sr. presenciou essa contradição?
Alves -
Evandro Guimarães [vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo" disse em audiência pública na Câmara que era a favor da participação estrangeira nas empresas de comunicação, limitada a 30% do capital. A abertura é uma necessidade. Não se trata de restringir a Globo, mas de ampliar o mercado para todos. A mídia movimenta US$ 10 bilhões por ano no país. A Globo só discordou frontalmente da criação do conselho.

Folha - No seu relatório, o sr. afirma que o setor de comunicação no país é oligopolizado. O cenário mudou de 99 para cá?
Alves -
Continua oligopolizado e a concentração aumentou, porque as empresas estão partindo para parcerias. Não são parcerias para criar novos meios de comunicação, mas para reduzir despesas, compartilhar o uso de redes de distribuição. São acordos do tipo: não invada meu mercado, e eu não invado o seu. As empresas deveriam disputar entre elas. A legislação exige que as empresas de comunicação sejam controladas por pessoas físicas, o que não é compatível com os altos investimentos necessários. Dou o exemplo da TV Cabugi [afiliada Globo no RN", de minha família. Temos correspondentes e estrutura para transmissão ao vivo no interior. Os equipamentos custam caro e ficam obsoletos em um ano.

Folha - Teme-se que a abertura para o capital estrangeiro leve à desnacionalização de um segmento estratégico para o país.
Alves -
Não há esse risco, porque a proposta limita o capital estrangeiro a 30%. No caso da radiodifusão, os outros 70% terão de ficar em mãos de pessoas físicas brasileiras, facilmente identificadas pelo governo. A Constituição já permite a presença de pessoa jurídica no capital das televisões, mas sem direito a voto. Que empresa vai botar dinheiro numa TV sem ter um assento na diretoria?

Folha - Em que o capital estrangeiro pode alterar o quadro de concentração que o sr. descreveu?
Alves -
As empresas nacionais terão oportunidade de buscar sócios e crescer. A digitalização da TV vai exigir custos altíssimos. Onde o empresa nacional vai buscar dinheiro? Nos bancos oficiais, para dependerem do governo? Com associações indiretas e operações cruzadas, burlando a legislação? Vamos agir de forma transparente. A Manchete não teria falido, se pudesse ter buscado um sócio no exterior.

Folha - O sr. retomou o mandato para dar seguimento à emenda?
Alves -
Não. Retomei meu mandato para defender a aprovação das emendas favoráveis a meu Estado no Orçamento. Mas fui contatado por empresas de televisão que querem a aprovação da emenda. Há uma preocupação de que as telefônicas ocupem o mercado, por vias indiretas, antes de a questão ser examinada pelo Congresso. O PT quer a aprovação do anteprojeto da lei de radiodifusão antes de votar a emenda do capital estrangeiro. Seria o ideal, mas pode levar muito tempo. A reforma constitucional de 88 criou o Conselho Federal de Comunicação, que até hoje não foi empossado por falta de entendimento em relação a seus componentes.

Folha - As afiliadas da Globo são favoráveis ao capital estrangeiro?
Alves -
Todas são.

Folha - Como uma rede é um aglomerado de concessões de proprietários diferentes, não será complicado compatibilizar as alianças?
Alves -
Naturalmente, será preciso um entendimento prévio entre as afiliadas e a cabeça-de-rede.

Folha - O sr. vê chance de a emenda ser votada nessa legislatura?
Alves -
É muito difícil, porque a oposição quer votar primeiro a nova lei de radiodifusão. Creio que estamos diante de um impasse, que pode ser demorado. O anteprojeto de Pimenta está sendo criticado por todos os lados.

Folha - Qual a audiência e a fatia publicitária da TV Cabugi no RN?
Alves -
A TV Cabugi tem, mais ou menos, 70% da audiência e igual percentual do mercado publicitário.

Folha - Que outros meios de comunicações vocês possuem?
Alves -
Temos o jornal diário "Tribuna do Norte" e rádios AM.

Folha - Seu grupo não seria também um exemplo nocivo de concentração regional da mídia?
Alves -
Não podemos apagar o que está feito. São direitos adquiridos, mas acho que devemos rever a propriedade cruzada de veículos de comunicação daqui para a frente, para garantir a diversidade da informação. Há uma competição entre nossas empresas de comunicação. O jornal, por ser mais antigo, não aceita ser liderado pela TV Cabugi. A TV tem de seguir o padrão global, e o jornal quer mais liberdade. A rádio tem uma programação popular e perdeu poder à medida que as FMs passaram a dominar a audiência.

Folha - Como o sr. vê o controle da mídia por políticos no NE? Desequilibra a competição política?
Alves -
É uma vantagem relativa, pois a Globo impõe um padrão à cobertura jornalística. Reclamamos porque ela não nos dá espaço para colocações políticas que entendemos serem importantes para nós. Há poucos dias, saiu matéria contra o governador Garibaldi Alves, meu primo, na TV Globo. A oposição fez uma passeata contra a derrota na votação de pedido de CPI. Houve tumulto, e a TV Cabugi não cobriu o fato, por considerá-lo irrelevante. A TV do senador Agripino Maia, adversário nosso, fez a cobertura que foi exibida pela Record. A Globo reclamou e tivemos de noticiar o evento no dia seguinte.
O governador Albano Franco [PSDB-SE", que é afiliado da Globo em Sergipe, também foi alvo de denúncias no "Jornal Nacional". A Globo não quer ser instrumento de disputas políticas locais e acho que tem razão nisso.

Folha - Por que as afiliadas da Globo não fazem programação local? Fala-se tanto na defesa das culturas regionais, mas, com exceção dos noticiários, só se vê programas produzidos no Rio e em São Paulo. Isso é falta de dinheiro ou de poder das afiliadas para deslocar a programação?
Alves -
São as duas coisas. Os dois lados estão errados. A cabeça-de-rede não estimula a programação local, e o afiliado se acomoda. A legislação determina um mínimo para a programação local que não está sendo cumprido.

Folha - Parece que o problema é mais grave na Globo.
Alves -
Bem maior, mas as afiliadas de outras redes perdem longe em audiência para as da Globo, o que não invalida a necessidade de aumentarmos a produção local.



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