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TELECOMUNICAÇÕES
Relator Henrique Alves (PMDB) diz que proposta de agência para fiscalizar fusões tem veto da Globo
Abertura da mídia emperra no Congresso
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
O deputado Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), 52, relator da
emenda constitucional sobre a
entrada de capital estrangeiro nos
meios de comunicação, diz que
surgiu um novo impasse para a
sua votação no Congresso: parte
dos parlamentares quer votar antes a lei de radiodifusão proposta
pelo ministro das Comunicações,
Pimenta da Veiga (PSDB-MG).
"Creio que estamos diante de
um novo impasse, que pode ser
demorado. O anteprojeto de lei
do Pimenta está sendo criticado
por todos os lados", afirmou.
Alves reassumiu seu mandato
por duas semanas para defender
emendas de interesse do Rio
Grande do Norte -onde é secretário de Governo- no Orçamento da União de 2002 e deixa a Câmara de novo na quarta-feira.
Em seu curto retorno, disse que
foi contatado por emissoras de televisão interessadas em agilizar a
votação. Segundo ele, as emissoras temem que as companhias telefônicas venham a dominar o setor, por vias indiretas (com outros
serviços que não são controlados
por lei, como a internet), antes
que o Congresso examine a entrada do capital estrangeiro.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, feita por telefone anteontem:
Folha - A emenda constitucional
para a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação está há um ano em banho-maria na Câmara. Por que não anda?
Henrique Eduardo Alves - A
emenda ficou pronta em setembro de 99 e foi retirada duas vezes
da pauta em 2000. São necessários
320 votos para aprová-la, o que
corresponde a três quintos dos
deputados. As oposições exigiram que eu incluísse na proposta
a criação de uma agência para fiscalizar as fusões e as associações
com o capital estrangeiro. Levei o
assunto às lideranças do partidos,
e o ministro Pimenta da Veiga
discordou, achou que o Ministério das Comunicações já exerce
tal função. O PT queria um órgão
com poderes explícitos de investigação e aberto à sociedade. A Rede Globo, que tem muitos votos
na bancada, também foi contra.
Folha - Quantos votos a Globo
tem na Câmara?
Alves - Muitos. Se ela quiser
acionar, tem um bocado de votos.
A Globo achava que a comissão
seria um órgão burocratizante a
mais e, de fato, seria, pois o ministério já tem poder de fiscalização
sobre a radiodifusão. Tentei ponderar que a proposta não altera o
conteúdo da emenda, que é melhor perder os anéis e salvar os dedos. Cheguei a redigir o texto,
com o deputado Walter Pinheiro
(PT-BA), mas não teve jeito. Com
os votos contrários da oposição,
precisaríamos ter 480 deputados
no plenário para a aprovação, e o
assunto é muito importante para
arriscarmos uma derrota.
Folha - O sr. acha mesmo que foi o
desentendimento sobre a tal agência que emperrou o projeto?
Alves - Enquanto eu negociava
com as lideranças, fui contatado
pelo pessoal da Globo. Ela apoiava a emenda com a redação dada
pela comissão especial da Câmara
e não queria nenhuma alteração
no texto. Sem a unanimidade das
empresas e sem o apoio de Pimenta da Veiga, não havia condição de botar em votação.
Folha - A Globo declara ser a favor
da emenda, mas outras redes de TV
dizem que ela tem trabalhado em
sentido contrário. Como relator, o
sr. presenciou essa contradição?
Alves - Evandro Guimarães [vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo"
disse em audiência pública na Câmara que era a favor da participação estrangeira nas empresas de
comunicação, limitada a 30% do
capital. A abertura é uma necessidade. Não se trata de restringir a
Globo, mas de ampliar o mercado
para todos. A mídia movimenta
US$ 10 bilhões por ano no país. A
Globo só discordou frontalmente
da criação do conselho.
Folha - No seu relatório, o sr. afirma que o setor de comunicação no
país é oligopolizado. O cenário mudou de 99 para cá?
Alves - Continua oligopolizado e
a concentração aumentou, porque as empresas estão partindo
para parcerias. Não são parcerias
para criar novos meios de comunicação, mas para reduzir despesas, compartilhar o uso de redes
de distribuição. São acordos do tipo: não invada meu mercado, e eu
não invado o seu. As empresas
deveriam disputar entre elas. A legislação exige que as empresas de
comunicação sejam controladas
por pessoas físicas, o que não é
compatível com os altos investimentos necessários. Dou o exemplo da TV Cabugi [afiliada Globo
no RN", de minha família. Temos
correspondentes e estrutura para
transmissão ao vivo no interior.
Os equipamentos custam caro e
ficam obsoletos em um ano.
Folha - Teme-se que a abertura
para o capital estrangeiro leve à
desnacionalização de um segmento estratégico para o país.
Alves - Não há esse risco, porque
a proposta limita o capital estrangeiro a 30%. No caso da radiodifusão, os outros 70% terão de ficar
em mãos de pessoas físicas brasileiras, facilmente identificadas pelo governo. A Constituição já permite a presença de pessoa jurídica
no capital das televisões, mas sem
direito a voto. Que empresa vai
botar dinheiro numa TV sem ter
um assento na diretoria?
Folha - Em que o capital estrangeiro pode alterar o quadro de concentração que o sr. descreveu?
Alves - As empresas nacionais
terão oportunidade de buscar sócios e crescer. A digitalização da
TV vai exigir custos altíssimos.
Onde o empresa nacional vai buscar dinheiro? Nos bancos oficiais,
para dependerem do governo?
Com associações indiretas e operações cruzadas, burlando a legislação? Vamos agir de forma transparente. A Manchete não teria falido, se pudesse ter buscado um
sócio no exterior.
Folha - O sr. retomou o mandato
para dar seguimento à emenda?
Alves - Não. Retomei meu mandato para defender a aprovação
das emendas favoráveis a meu Estado no Orçamento. Mas fui contatado por empresas de televisão
que querem a aprovação da
emenda. Há uma preocupação de
que as telefônicas ocupem o mercado, por vias indiretas, antes de a
questão ser examinada pelo Congresso. O PT quer a aprovação do
anteprojeto da lei de radiodifusão
antes de votar a emenda do capital estrangeiro. Seria o ideal, mas
pode levar muito tempo. A reforma constitucional de 88 criou o
Conselho Federal de Comunicação, que até hoje não foi empossado por falta de entendimento em
relação a seus componentes.
Folha - As afiliadas da Globo são
favoráveis ao capital estrangeiro?
Alves - Todas são.
Folha - Como uma rede é um aglomerado de concessões de proprietários diferentes, não será complicado compatibilizar as alianças?
Alves - Naturalmente, será preciso um entendimento prévio entre
as afiliadas e a cabeça-de-rede.
Folha - O sr. vê chance de a emenda ser votada nessa legislatura?
Alves - É muito difícil, porque a
oposição quer votar primeiro a
nova lei de radiodifusão. Creio
que estamos diante de um impasse, que pode ser demorado. O anteprojeto de Pimenta está sendo
criticado por todos os lados.
Folha - Qual a audiência e a fatia
publicitária da TV Cabugi no RN?
Alves - A TV Cabugi tem, mais
ou menos, 70% da audiência e
igual percentual do mercado publicitário.
Folha - Que outros meios de comunicações vocês possuem?
Alves - Temos o jornal diário
"Tribuna do Norte" e rádios AM.
Folha - Seu grupo não seria também um exemplo nocivo de concentração regional da mídia?
Alves - Não podemos apagar o
que está feito. São direitos adquiridos, mas acho que devemos rever a propriedade cruzada de veículos de comunicação daqui para
a frente, para garantir a diversidade da informação. Há uma competição entre nossas empresas de
comunicação. O jornal, por ser
mais antigo, não aceita ser liderado pela TV Cabugi. A TV tem de
seguir o padrão global, e o jornal
quer mais liberdade. A rádio tem
uma programação popular e perdeu poder à medida que as FMs
passaram a dominar a audiência.
Folha - Como o sr. vê o controle da
mídia por políticos no NE? Desequilibra a competição política?
Alves - É uma vantagem relativa,
pois a Globo impõe um padrão à
cobertura jornalística. Reclamamos porque ela não nos dá espaço
para colocações políticas que entendemos serem importantes para nós. Há poucos dias, saiu matéria contra o governador Garibaldi
Alves, meu primo, na TV Globo.
A oposição fez uma passeata contra a derrota na votação de pedido
de CPI. Houve tumulto, e a TV
Cabugi não cobriu o fato, por
considerá-lo irrelevante. A TV do
senador Agripino Maia, adversário nosso, fez a cobertura que foi
exibida pela Record. A Globo reclamou e tivemos de noticiar o
evento no dia seguinte.
O governador Albano Franco
[PSDB-SE", que é afiliado da Globo em Sergipe, também foi alvo
de denúncias no "Jornal Nacional". A Globo não quer ser instrumento de disputas políticas locais
e acho que tem razão nisso.
Folha - Por que as afiliadas da
Globo não fazem programação local? Fala-se tanto na defesa das
culturas regionais, mas, com exceção dos noticiários, só se vê programas produzidos no Rio e em São
Paulo. Isso é falta de dinheiro ou de
poder das afiliadas para deslocar a
programação?
Alves - São as duas coisas. Os
dois lados estão errados. A cabeça-de-rede não estimula a programação local, e o afiliado se acomoda. A legislação determina um
mínimo para a programação local
que não está sendo cumprido.
Folha - Parece que o problema é
mais grave na Globo.
Alves - Bem maior, mas as afiliadas de outras redes perdem longe
em audiência para as da Globo, o
que não invalida a necessidade de
aumentarmos a produção local.
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