São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004 |
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ECOS DO REGIME Presidente considera "impertinente" e "equivocada" manifestação sobre divulgação de fotos que seriam de Vladimir Herzog Cobrado por Lula, Exército se retrata de nota
ELIANE CANTANHÊDE COLUNISTA DA FOLHA EDUARDO SCOLESE DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou a nota do Exército sobre o caso Herzog, publicada no último domingo, "impertinente, equivocada e inoportuna" e exigiu retratação pública do comandante da Força, general Francisco Albuquerque, ainda ontem. À noite, a retratação foi divulgada. Lula se reuniu com Albuquerque e com o ministro José Viegas (Defesa) na Base Aérea de Brasília, durante uma hora, na volta de uma viagem a Curitiba. O presidente, que consultara Viegas antes, praticamente ditou ao general os termos que esperava da nova nota. Albuquerque pediu papel e caneta a assessores e anotou. A retratação, de cinco parágrafos, tem linha oposta à da nota anterior. Diz que "o Exército lamenta a morte do jornalista Vladimir Herzog [o nome foi grafado com maiúsculas]" e "não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil". Diz ainda que a primeira nota "não foi apropriada" nem "condizente com o momento histórico atual". Assinada por Albuquerque, acrescenta a justificativa para a divulgação equivocada: "Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado pelo Centro de Comunicação Social do Exército não foi apropriada e que somente a ausência de discussão interna mais profunda sobre o tema" pôde permitir a publicação. O texto foi encaminhado a Viegas por volta das 17h. Ele fez pequenas mudanças, como atribuir a culpa diretamente ao Cecomsex, e foi ao Planalto submeter o resultado a Lula. Só depois disso, a retratação foi liberada, às 18h30. A nota de domingo, que gerou a crise, foi publicada no jornal "Correio Braziliense" do dia, junto com fotos que seriam de Herzog, nu, antes de ser morto sob custódia do Exército, em 1975, com o laudo oficial de "suicídio". Um trecho da nota, que o governo considerou "igual às da década de 70", defendia a existência de órgãos como os DOI-Codi (centros de repressão da ditadura): "As medidas tomadas pelas forças legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo". E continuava: "Dentro dessas medidas, sentiu-se a necessidade de criação de uma estrutura, com vistas a apoiar, em operação de inteligência, as atividades necessárias para desestruturar os movimentos radicais e ilegais". Viegas nem foi informado sobre a nota. Alertado no domingo, já com o jornal nas bancas, ele telefonou para Lula e para o ministro José Dirceu (Casa Civil). O presidente e Viegas concluíram que a manifestação era "inadmissível" e uma volta ao passado, como se o país ainda vivesse sob uma ditadura militar. Classificaram o episódio como "grave" e definiram o discurso exigindo a retratação. Com o conhecimento de Lula, Viegas chamou o comandante do Exército em sua casa e entregou-lhe ofício escrito com uma série de indagações, dizendo que o tom da nota não correspondia à maturidade política do país nem ao caráter democrático do governo. Anteontem, Albuquerque apresentou outro ofício a Viegas, que não ficou satisfeito com a proposta de retratação. Queria algo mais incisivo, que deixasse clara a discordância do governo com a "manifestação isolada" do Exército. A versão do general, passada a Viegas e retransmitida aos setores governistas do Congresso e à cúpula petista, foi a de que ele estava viajando e não tinha sido informado nem consultado pelo Cecomsex. Tudo, portanto, não passava de erro de assessoria. Por essa versão, repetida à Folha por oficiais militares, Albuquerque esteve na Coréia do Sul e nos EUA e só retornou ao Brasil no sábado. A nota teria sido escrita na quinta-feira, sob a responsabilidade direta do chefe do Cecomsex, general Antônio Gabriel Ésper, "que não tem experiência na área de imprensa". Para o Exército e o Planalto, o caso está encerrado com a retratação. Desgaste Ministros e assessores civis de Lula consideravam ontem até a hipótese de as fotos divulgadas não serem de Herzog, mas a questão passou a ser, sobretudo, política. Como consenso, cochichava-se nos gabinetes que a situação de Viegas fica ainda mais frágil e que ele deve ser substituído na reforma prevista para o fim do ano. O caso reforça a impressão disseminada no Planalto de que Viegas "não tem comando" sobre as Forças Armadas. O mais cotado para seu lugar é o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política). Texto Anterior: Leia as notas da assessoria do ex-prefeito Próximo Texto: Leia a íntegra da nota de retratação do comandante Índice |
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