São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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ELIO GASPARI

Na mágica de Palocci, ele come o coelho

A assessoria do senador Tasso Jereissati produziu um documento de seis páginas no qual pode-se encontrar um sério desafio às empulhações da ekipekonômica: o superávit primário de 4,37% do PIB (R$ 39 bilhões) obtido no ano passado foi produto de dois truques contábeis. O propalado aumento da meta de 3,75% do PIB para 4,25%, coisa de R$ 8 bilhões, simplesmente não aconteceu. Quando muito, em termos de abatimento da dívida pública, ele chegou a R$ 1 bilhão.
A primeira mágica é velha. Trata-se de não pagar as contas de um ano, jogando-as para o exercício seguinte. Uma espécie de pré-datado com PhD de Princeton. Em 2002, último ano da ruína tucana, os restos a pagar (inexoráveis, adjetivados como "processados") ficaram em R$ 3,6 bilhões. Em 2003, a ekipe companheira subiu esse valor para R$ 8 bilhões. A diferença de R$ 4,4 bilhões equivale a 0,3% do PIB.
Quando o doutor Antonio Palocci anunciou, em setembro, que aumentaria o esforço do superávit fiscal de 2003 em 0,5%, levando-o para 4,25% do PIB, esqueceu-se de contar que mais da metade desse esforço seria gasta na compra de um coelho novo para suas mágicas. O bicho deverá se chamar "aumento da dívida líquida do setor público". Pode-se dizer que a ekipekonômica fazia essa mágica ao tempo de FFHH, mas, enquanto os tucanos usaram uma só lebre (0,11% do PIB em 2001), os companheiros tiraram três gatos da cartola (0,3% em 2003).
O segundo truque consistiu em não gastar receitas constitucionalmente vinculadas, quase sempre a atividades sociais. Por exemplo: tungam-se R$ 200 milhões da saúde. Como o ervanário não pode ser gasto em outra coisa, ele vai para uma conta onde rende uns R$ 30 milhões de juros ao ano. O dinheiro fica congelado, até que o usem para a finalidade constitucional a que se destinava. Ou seja, não serve para o abatimento da dívida, objetivo essencial de toda a lenda do superávit primário. Em 2003, a ekipekonômica congelou 17% das receitas vinculadas. Neste ano, congelará 24%.
O enxugamento de R$ 8 bilhões adicionais conseguido pelos çábios foi lorota. R$ 2,6 bilhões vieram da estocagem de receitas vinculadas. Outros R$ 4,4 bilhões vieram do inchaço dos restos a pagar. Ou seja, descontados os coelhos, gatos e lebres, o superávit adicional foi de R$ 1 bilhão.
Se a moçada do doutor Palocci fez o FMI de bobo e a banca de trouxa, tudo bem. (Ou o FMI e a banca, fingindo-se de bobos, fazem de trouxas os nativos, como aconteceu com a patuléia argentina em 2001.) São truques que servirão, quando muito, para estarrecer as visitações do Fundo.
Todos os números do estudo dos assessores de Jereissati foram obtidos nas páginas do Tesouro Nacional na internet. A nota ficou pronta no final de setembro e circulou com relativa timidez. Há uns dez dias, o comissário Joaquim Levy, da Secretaria do Tesouro, soube do papel. No seu mais absoluto direito, encomendou uma réplica. Por enquanto, ela está na rubrica "contestações a pagar". Outra cópia teria chegado ao ministro do Planejamento, Guido Mantega.
O mundo das estatísticas oficiais é tão maledicente que corre um boato em Brasília: um çábio teria determinado a abertura de sindicância para apurar como esse papel foi produzido.
É o modo petista de acertar contas.


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