São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENERGIA POLÍTICA

AIEA visitou instalações, mas não teve acesso às centrífugas

Governo diz que vistoria em fábrica nuclear foi aprovada

GABRIELA WOLTHERS
ENVIADA ESPECIAL A RESENDE (RJ)

A equipe da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), que esteve ontem por seis horas e meia na fábrica brasileira de enriquecimento de urânio em Resende (RJ), considerou "satisfatória" a visita, disse ontem o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio de sua assessoria de imprensa.
Segundo o ministério, a parte técnica da vistoria foi concluída. A equipe da AIEA, órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas), enviará um relatório a seus diretores, a quem caberá a decisão final. Na visão do ministério, não há mais razões de conflitos entre o Brasil e a agência, que temia que o país usasse a técnica de enriquecimento de urânio para a produção de armas nucleares, o que contrariaria tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A missão da AIEA foi comandada por um norte-americano. Ela era composta ainda por um francês e por uma sul-africana. Por uma questão de sigilo, seus nomes e cargos não foram divulgados nem eles concederam entrevistas. Os três técnicos chegaram às 11h de ontem à fábrica da INB (Indústrias Nucleares do Brasil), em Resende (a 161 km do Rio). Estavam acompanhados por três técnicos da Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e três da Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares).

Fábrica
A fábrica brasileira foi construída numa área de 600 hectares de uma antiga fazenda. Entre árvores, gramados bem aparados e casas em estilo colonial, onde fica a parte administrativa, erguem-se dois imensos prédios de concreto em forma de caixotes.
A unidade onde o urânio será enriquecido, com 25 mil metros quadrados, é a que interessa à AIEA. Hoje o urânio extraído do Brasil é enviado ao Canadá para ser transformado em gás. Viaja à Europa (Alemanha, Holanda ou Inglaterra) para ser enriquecido, voltando, então, ao Brasil.
Nos dois módulos já em operação dessa unidade em Resende, o gás é transformado em pó e, posteriormente, em pastilhas. Quando o terceiro módulo, onde estão as centrífugas de enriquecimento de urânio, estiver funcionando, a etapa européia será aos poucos abandonada. Para operar, o Brasil espera a aprovação da AIEA.
O objetivo da vistoria da agência foi verificar a possibilidade de fazer uma inspeção formal à fábrica sem ter acesso total às centrífugas. Os técnicos mantiveram-se a 22 centímetros das centrífugas, das quais estavam separados por um painel. O Brasil não aceita mostrá-las sob a alegação de que o modelo desenvolvido encerra avanços tecnológicos que precisam ser mantidos em sigilo.

Negociações
Desde o início de abril, quando tiveram início as negociações, a AIEA insistia em ter acesso irrestrito às centrífugas de Resende. Com o impasse, os dois lados resolveram ceder um pouco. O Brasil permitiu uma visão maior das tubulações, válvulas e conexões ligadas às centrífugas. Já a agência aceitou ir a Resende para verificar a possibilidade de fazer o trabalho sem ver as centrífugas.
Sempre acompanhada por brasileiros, a equipe da AIEA percorreu a unidade de enriquecimento de urânio por toda o dia, encerrando seus trabalhados por volta das 17h30. Pararam para almoçar peixe com pirão no restaurante da fábrica. Na saída, tiveram que pedir guarda-chuvas para enfrentar uma forte chuva que caiu repentinamente sobre a região.
Em reunião hoje, os técnicos da agência formalizarão seu veredicto aos membros da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Caso confirmem que a inspeção é possível, uma nova equipe deve chegar ao Brasil em cerca de 15 dias para análise mais detalhada.

Protesto
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas do Sul Fluminense, ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), aproveitou a vistoria para estender cinco faixas de protesto na entrada da fábrica. Uma delas dizia: "Se a alta tecnologia que temos desperta tanto interesse internacional, devemos ter salários compatíveis".
O sindicato, que está em negociação salarial, reivindica 65,47% de aumento. A INB não fez ainda uma contraproposta. A fábrica tem 411 funcionários, sem contar os terceirizados. Segundo a INB, a média salarial é R$ 1.400. Um engenheiro tem um salário inicial de R$ 2.730, com os adicionais. No ápice da carreira, os engenheiros mais qualificados chegam a ganhar cerca de R$ 11 mil.


Texto Anterior: Forças armadas: Embraer descarta troca de aviões com a Rússia
Próximo Texto: Agência afirma que equipe não precisa ver tudo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.