São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA

Segundo empresários, ex-assessor de Palocci negociou doação para o caixa dois de Lula em 2002 de R$ 1 milhão em São Paulo

Buratti foi elo entre donos de bingos e PT

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é fortuita a idéia de que o advogado Rogério Buratti fala com conhecimento de causa quando diz que o PT recebeu recursos para o caixa dois da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, do setor de bingos. Buratti foi um dos elos entre o partido e donos de bingos e fabricantes de máquinas, segundo empresários de São Paulo e do Rio ouvidos pela Folha e petistas de Ribeirão Preto.
A contribuição de R$ 1 milhão que o PT recebeu de bingos de São Paulo em 2002, revelada pelo próprio Buratti ao Ministério Público, foi negociada por ele, segundo relato desses empresários.
Não há documentos sobre essa atividade de Buratti por razões óbvias: arrecadadores de recursos ilegais de campanhas políticas não passam recibo.
O advogado disse à Folha que nunca manteve contatos com empresários de bingos: "Caso eu tenha feito esses contatos para arrecadar dinheiro com bingueiros deve ser, com certeza, obra do Espírito Santo", ironiza.
No caso de Buratti, havia um agravante para explicar os cuidados que cercavam a operação de arrecadação de fundos. Buratti foi colocado na geladeira pelo PT em 1994, quando era secretário de Governo de Ribeirão Preto na primeira gestão de Antonio Palocci na prefeitura e foi apanhado numa gravação falando sobre obras com um empreiteiro. A decisão do PT de colocá-lo na geladeira tinha um quê de encenação: ele continuou trabalhando para o partido e para Palocci mesmo quando estava afastado.
Formalmente, o PT não tomou nenhuma medida contra Buratti. Um processo aberto na Comissão de Ética concluiu que o advogado deveria ser absolvido. Mas o partido nunca se preocupou em reabilitar o militante diante da opinião pública.

Divisão de trabalho
Buratti era encarregado de fazer os contatos com os bingos de São Paulo junto com Ralf Barquete, o ex-secretário da Fazenda na segunda passagem de Palocci pela Prefeitura de Ribeirão Preto (2001-2002), que morreu no ano passado de câncer. No Rio, Waldomiro Diniz foi designado pelo PT para fazer o mesmo trabalho.
O comitê de campanha do PT decidira em 2002 que uma das medidas defendidas no programa de Lula, a regulamentação dos bingos, poderia ajudar a engordar a arrecadação. À época, os bingos só funcionavam por meio de liminar. O partido colocou em marcha uma operação segundo a qual os empresários de bingo de São Paulo e Rio deveriam contribuir com R$ 1 milhão cada grupo.
No primeiro depoimento de Buratti à CPI dos Bingos, ele afirmou que a meta foi cumprida nos dois Estados. Empresários entrevistados pela Folha apresentam uma versão diferente: Buratti foi mais eficiente que Waldomiro Diniz. O ex-presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio) não teria conseguido arrecadar a sua parte, de acordo com essa versão.
A divisão de trabalho entre o Rio e São Paulo obedecia a uma lógica de divisão de poder dentro do partido. Waldomiro Diniz era ligado ao então deputado federal José Dirceu, enquanto a dupla Buratti-Barquete trabalhava para Palocci. Se é correta a versão de que o grupo de Palocci conseguiu a contribuição e o de José Dirceu fracassou, esse fato teria contribuído para Palocci conquistar pontos na cúpula petista. Afinal, não é qualquer um que consegue R$ 1 milhão de empresários antes da realização do primeiro turno de uma eleição.
Foi por causa dos contatos que Buratti tivera com empresários de bingo que a Gtech decidiu procurá-lo em 2003 para tentar renovar um contrato de R$ 650 milhões com a Caixa Econômica Federal. O nome de Buratti foi sugerido à Gtech, uma das maiores empresas de jogos do mundo, por empresários de bingo. A Gtech não tem negócios com bingos, mas mantém contatos com empresários do setor por ter interesse no crescimento do mercado de jogos.
A empresa diz que foi Buratti quem a procurou, com a intenção de extorquir dinheiro no processo de negociação com a Caixa. Em 2003, Ralf era assessor da presidência da Caixa, cargo em que pôde perceber os esforços da GTech para manter o contrato.

Decepção
A doação de R$ 1 milhão à campanha do PT é proporcional à decepção que os empresários tiveram com a decisão que o presidente Lula tomou depois de Waldomiro Diniz ter sido flagrado em uma gravação de vídeo pedindo propina ao empresário Carlos Cachoeira -o fechamento dos bingos por meio da medida provisória 168, editada em janeiro do ano passado. Na época em que gravação foi divulgada, em 2004, Waldomiro era assessor de José Dirceu, então ministro da Casa Civil.
Decepção e traição são os termos mais lisongeiros reservados a Lula e ao PT pelos empresários de bingo. Com o fechamento das casas, os fabricantes de máquinas deixaram o país. Foi o que aconteceu com os angolanos José Paulo Teixeira Cruz Figueiredo e Artur José Valente Oliveira Caio, apontados pela revista "IstoÉ Dinheiro" como os doadores de R$ 1 milhão para o PT -versão negada pelo advogado da dupla, Paulo José Iasz de Morais.
No início do ano passado, eles fecharam a Fabama (Fábrica Brasileira de Máquinas Automáticas) em São Paulo e decidiram deixar o país. Vivem entre Miami e Lisboa e produzem equipamentos na Europa. Não querem ouvir falar de política, muito menos do PT, segundo interlocutores dos empresários.


Texto Anterior: Panorâmica - Banco Noroeste: Nigerianos acusados de fraude são condenados
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.