São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2002

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ENTREVISTA

Prefeito disse na última quarta que proposta do PT não era de "correção de rota"

Daniel queria ruptura com era FHC

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Na manhã da última quarta-feira, dois dias e meio antes de ser sequestrado, o prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado na madrugada de ontem, defendeu a "ruptura" com o atual modelo econômico, em entrevista exclusiva à Folha.
Inédita, a entrevista faria parte de reportagem sobre as propostas econômicas dos candidatos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Nossa proposta não é de correção de rota. Não é possível equacionar os problemas brasileiros sem uma ruptura com o conjunto do modelo de desenvolvimento que foi implantado na década de 90, particularmente durante os governos FHC", disse Daniel. A redução da dependência externa do país, segundo o prefeito, seria o "ponto de partida" do processo.
Então coordenador do programa de governo do PT à Presidência da República, Daniel conversou por telefone com a reportagem durante cerca de 25 minutos.
Bem-humorado, demonstrou entusiasmo com o andamento do projeto, ressaltando que já havia três reuniões marcadas para discutir o assunto. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Folha - Uma das características do governo FHC foi o aumento da vulnerabilidade externa. Que papel a redução desta dependência terá na atual eleição?
Celso Daniel -
Para nós, este problema da dependência externa foi uma marca da ação do Estado e da política econômica durante a década de 90. Efetivamente, isso foi radicalizado nos dois governos de FHC, tendo começado antes ainda, durante o governo Collor. Isso porque essa vulnerabilidade externa esteve baseada no processo de abertura indiscriminada comercial e financeira, articulado isso, evidentemente, a uma taxa de juros elevada para atrair capital especulativo. Por outro lado, à forma como se deu também o processo de privatizações. Houve um aprofundamento e não uma correção de rumo, que seria fundamental já desde o início da década de 90. Por isso, a nossa proposta não é uma proposta de correção de rota. É de ruptura com o conjunto do modelo.

Folha - Como assim?
Daniel -
Não é correção de rota, não é possível equacionar os problemas brasileiros sem uma ruptura com o conjunto do modelo de desenvolvimento que foi implantado na década de 90 e particularmente durante os governos FHC. É preciso readequar completamente o balanço de pagamentos, pois isso significa readequar a forma como se organiza a produção aqui no Brasil. Toda a estrutura produtiva.

Folha - Qual o ponto de partida para mudar o modelo econômico, reduzir a vulnerabilidade externa, o sr. diria?
Daniel -
Eu diria que nós temos alguns pontos de partida simultâneos. A distribuição de renda tem de estar internalizada neste modelo. Precisamos de um superávit muito maior no balanço comercial e redução no déficit de serviços, particularmente no que se refere aos serviços reais, como fretes e turismo.

Folha - Como se faz isso?
Daniel -
Em primeiro lugar, redirecionando o crescimento econômico baseando na produção de bens de consumo de massa: construção civil, alimentos, têxteis, móveis. Eles incorporam um coeficiente de importações menor do que a média da economia brasileira, reduzindo em parte a vulnerabilidade. Por outro lado, levando em conta que a retomada do crescimento econômico vai aumentar a demanda por bens mais sofisticados, teremos de garantir que a produção nacional de bens que hoje são importados possa ser levada a efeito, reduzindo importações e criando capacidade produtiva e condições de competitividade para aumentar as exportações. É produzir no Brasil em vez de importar aquilo que nós tenhamos condições e escala para fazer. E, ao implantar isso, criar simultaneamente condições para exportar esses mesmos produtos.

Folha - Como tratar da vulnerabilidade externa na campanha? Como "vender" tema tão árido?
Daniel -
O que nós precisaremos fazer é dizer o seguinte: nossa ênfase fundamental é ter o social como eixo do desenvolvimento. As pessoas precisam ter emprego através do aumento da produção, principalmente daqueles setores que geram efetivamente empregos. Vão ter condições de ter salário e ao mesmo tempo condição de comprar produtos aqui no Brasil através da expansão do mercado de consumo de massas. O que nós teremos de fazer é mostrar que essas coisas serão feitas, entre outras coisas, a partir da mudança de nossas relações com o exterior. Não podemos ficar subordinados aos ditames do sistema financeiro internacional. E isso o povo entende muito bem.

Folha - Entende?
Daniel -
Entende. É perfeitamente possível explicar que estas coisas não se dão por geração espontânea, mas mudança global no modelo.

Folha - E relacionando sempre os candidatos do governo a esse modelo...
Daniel -
Eu acho que isso não seria nem necessário fazer. Eu não sei nem como os candidatos ligados ao governo vão defender modificações drásticas nestes oito anos. Este é um problema que eles vão ter de resolver. Nós não. Não temos compromisso com esse modelo e fomos críticos dele desde o primeiro dia.



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