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ENTREVISTA
Prefeito disse na última quarta que proposta do PT não era de "correção de rota"
Daniel queria ruptura com era FHC
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Na manhã da última quarta-feira, dois dias e meio antes de ser sequestrado, o prefeito de Santo
André, Celso Daniel, assassinado
na madrugada de ontem, defendeu a "ruptura" com o atual modelo econômico, em entrevista
exclusiva à Folha.
Inédita, a entrevista faria parte
de reportagem sobre as propostas
econômicas dos candidatos à sucessão do presidente Fernando
Henrique Cardoso.
"Nossa proposta não é de correção de rota. Não é possível equacionar os problemas brasileiros
sem uma ruptura com o conjunto
do modelo de desenvolvimento
que foi implantado na década de
90, particularmente durante os
governos FHC", disse Daniel. A
redução da dependência externa
do país, segundo o prefeito, seria
o "ponto de partida" do processo.
Então coordenador do programa de governo do PT à Presidência da República, Daniel conversou por telefone com a reportagem durante cerca de 25 minutos.
Bem-humorado, demonstrou
entusiasmo com o andamento do
projeto, ressaltando que já havia
três reuniões marcadas para discutir o assunto. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista:
Folha - Uma das características
do governo FHC foi o aumento da
vulnerabilidade externa. Que papel a redução desta dependência
terá na atual eleição?
Celso Daniel - Para nós, este problema da dependência externa foi
uma marca da ação do Estado e
da política econômica durante a
década de 90. Efetivamente, isso
foi radicalizado nos dois governos
de FHC, tendo começado antes
ainda, durante o governo Collor.
Isso porque essa vulnerabilidade
externa esteve baseada no processo de abertura indiscriminada comercial e financeira, articulado isso, evidentemente, a uma taxa de
juros elevada para atrair capital
especulativo. Por outro lado, à
forma como se deu também o
processo de privatizações. Houve
um aprofundamento e não uma
correção de rumo, que seria fundamental já desde o início da década de 90. Por isso, a nossa proposta não é uma proposta de correção de rota. É de ruptura com o
conjunto do modelo.
Folha - Como assim?
Daniel - Não é correção de rota,
não é possível equacionar os problemas brasileiros sem uma ruptura com o conjunto do modelo
de desenvolvimento que foi implantado na década de 90 e particularmente durante os governos
FHC. É preciso readequar completamente o balanço de pagamentos, pois isso significa readequar a forma como se organiza a
produção aqui no Brasil. Toda a
estrutura produtiva.
Folha - Qual o ponto de partida
para mudar o modelo econômico,
reduzir a vulnerabilidade externa,
o sr. diria?
Daniel - Eu diria que nós temos
alguns pontos de partida simultâneos. A distribuição de renda tem
de estar internalizada neste modelo. Precisamos de um superávit
muito maior no balanço comercial e redução no déficit de serviços, particularmente no que se refere aos serviços reais, como fretes
e turismo.
Folha - Como se faz isso?
Daniel - Em primeiro lugar, redirecionando o crescimento econômico baseando na produção de
bens de consumo de massa: construção civil, alimentos, têxteis,
móveis. Eles incorporam um coeficiente de importações menor do
que a média da economia brasileira, reduzindo em parte a vulnerabilidade. Por outro lado, levando
em conta que a retomada do crescimento econômico vai aumentar
a demanda por bens mais sofisticados, teremos de garantir que a
produção nacional de bens que
hoje são importados possa ser levada a efeito, reduzindo importações e criando capacidade produtiva e condições de competitividade para aumentar as exportações.
É produzir no Brasil em vez de
importar aquilo que nós tenhamos condições e escala para fazer.
E, ao implantar isso, criar simultaneamente condições para exportar esses mesmos produtos.
Folha - Como tratar da vulnerabilidade externa na campanha? Como "vender" tema tão árido?
Daniel - O que nós precisaremos
fazer é dizer o seguinte: nossa ênfase fundamental é ter o social como eixo do desenvolvimento. As
pessoas precisam ter emprego
através do aumento da produção,
principalmente daqueles setores
que geram efetivamente empregos. Vão ter condições de ter salário e ao mesmo tempo condição
de comprar produtos aqui no
Brasil através da expansão do
mercado de consumo de massas.
O que nós teremos de fazer é mostrar que essas coisas serão feitas,
entre outras coisas, a partir da
mudança de nossas relações com
o exterior. Não podemos ficar subordinados aos ditames do sistema financeiro internacional. E isso o povo entende muito bem.
Folha - Entende?
Daniel - Entende. É perfeitamente possível explicar que estas coisas não se dão por geração espontânea, mas mudança global no
modelo.
Folha - E relacionando sempre os
candidatos do governo a esse modelo...
Daniel - Eu acho que isso não seria nem necessário fazer. Eu não
sei nem como os candidatos ligados ao governo vão defender modificações drásticas nestes oito
anos. Este é um problema que eles
vão ter de resolver. Nós não. Não
temos compromisso com esse
modelo e fomos críticos dele desde o primeiro dia.
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